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Cassirer: A CRISE NO CONHECIMENTO DO HOMEM SOBRE SI MESMO

quarta-feira 23 de março de 2022, por Cardoso de Castro

Tudo isto está expresso na obra de Bruno poeticamente, não em linguagem científica. Ainda desconhecia o novo mundo da ciência moderna, a teoria matemática da natureza, não lhe sendo possível, portanto, prosseguir no caminho até sua conclusão lógica. Foram necessários os esforços combinados de todos os metafísicos e cientistas do século XVII para superar a crise intelectual provocada pelo descobrimento do sistema coperniciano. Todo grande pensador — Galileu  , Descartes, Leibniz  , Espinosa   — teve sua participação especial na solução do problema. Afirma Galileu que, no campo da matemática, o homem atinge o ponto culminante de todo o conhecimento possível — um conhecimento não inferior ao do intelecto divino. Claro está que o intelecto divino conhece e concebe um número infinitamente maior de verdades matemáticas do que nós, mas, no tocante à certeza objetiva, as poucas verdades conhecidas pela mente humana são conhecidas tão perfeitamente pelo homem quanto por Deus (Galileu, Dialogo dei due massimi sistemi dei mondo, I, Edizione nazionale, VII, 129). Descartes principia com sua dúvida universal, que parece encerrar o homem nos limites da própria consciência. Parece não haver meios de sair deste círculo mágico nem possibilidade de aproximação da realidade. Neste ponto, a ideia do infinito se revela o único instrumento para desfazer a dúvida universal. Só por meio deste conceito podemos demonstrar a realidade de Deus e, de maneira indireta, a realidade do mundo material. Leibniz combina esta prova metafísica com uma nova prova científica. Descobre um novo instrumento do pensamento matemático — o cálculo infinitesimal, cujas regras tornam inteligível o universo físico; e que as leis da natureza são apenas casos especiais das leis gerais da razão. É Espinosa quem se aventura a dar o último passo decisivo nesta teoria matemática do mundo e do espírito humano. Constrói uma nova ética, uma teoria das paixões e afeições, uma teoria matemática do mundo moral. Está convencido de que só por meio desta teoria podemos atingir nossa finalidade: o objetivo de uma "filosofia do homem", de uma filosofia antropológica, liberta dos erros e preconceitos de um sistema meramente antropocêntrico. Tal é o tópico, o tema geral, que, em suas várias formas, impregna todos os grandes sistemas metafísicos do século XVII. É a solução racionalista do problema do homem. A razão matemática representa o elo entre o homem e o universo; permite-nos passar livremente de um para o outro. A razão matemática é a chave da verdadeira compreensão da ordem cósmica e da ordem moral.


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