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Cassirer: A CRISE NO CONHECIMENTO DO HOMEM SOBRE SI MESMO

quarta-feira 23 de março de 2022, por Cardoso de Castro

  

Antropologia Filosófica
Ernst Cassirer  
Trad. Vicente Felix de Queiroz
Editora Mestre Jou
1972

Parece ser universalmente admitido que a meta mais elevada da indagação filosófica é o conhecimento de si próprio. Em todos os conflitos travados entre as diferentes escolas filosóficas, este objetivo permaneceu invariável e inabalado: revelou-se o ponto de Arquimedes, o centro fixo e imutável, de todo pensamento. Nem mesmo os mais céticos pensadores negaram a possibilidade e a necessidade do conhecimento próprio. Desconfiavam de todos os princípios gerais relativos à natureza das coisas, mas esta descontiança pretendia apenas despertar um nôvo e mais seguro método de investigação. Na história da filosofia, o ceticismo tem sido, muito amiúde, simplesmente a contrapartida de um resoluto humanismo. Pela negação e pela destruição da certeza objetiva do mundo externo, espera o cético fazer com que todos os pensamentos do homem voltem a convergir para seu próprio ser. O conhecimento de si mesmo — declara ele — é a primeira precondição da auto-realização. Precisamos, tentar romper a cadeia que nos traz atados ao mundo exterior para podermos gozar nossa verdadeira liberdade. "La plus grande chose du monde c’est de sçavoir être à soy", escreve Montaigne  .

Entretanto, nem mesmo o modo de focalizar o problema — o método da introspecção — é seguro contra as dúvidas céticas. A filosofia moderna começou com o princípio de que a prova do nosso ser é inconquistável e inexpugnável. Mas os progressos do conhecimento psicológico não confirmaram esse princípio cartesiano. A tendência geral do pensamento, hoje em dia, volta a dirigir-se para o pólo oposto. Poucos psicólogos modernos seriam capazes de admitir ou recomendar um simples método de introspecção. Dizem-nos em geral que tal método é muito precário. Estão convencidos de que o único enfoque possível da psicologia científica é uma atitude behaviorista rigorosamente objetiva. Mas um behaviorista coerente e radical não atinge sua finalidade. Pode acautelar-nos contra possíveis erros metodológicos, mas não resolve todos os problemas da psicologia humana. Podemos criticar o ponto de vista puramente introspectivo ou desconfiar dele, mas não podemos suprimi-lo nem eliminá-lo. Sem a introspecção, sem a percepção imediata de sentimentos, emoções, percepções, pensamentos, não poderíamos sequer definir o campo da psicologia humana. Não obstante, é forçoso admitir que, seguindo apenas este caminho, nunca poderemos chegar a uma ampla visão da natureza do homem. A introspecção só nos revela o pequeno setor da vida humana acessível à nossa experiência individual. Nunca poderá cobrir todo o campo dos fenômenos naturais. Ainda que nos fosse possível coligir e combinar todos os dados, teríamos uma imagem muito pobre e fragmentária — um simples torso — da natureza humana.

Aristóteles   declara que todo o conhecimento humano se origina de uma tendência básica da natureza humana, que se manifesta nas ações e reações mais elementares do homem. Toda a extensão da vida dos sentidos é determinada por essa tendência e dela está impregnada.


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