gr. γνῶσις, gnosis: 1) conhecimento; 2) gnose; 3) gnosticismo. O termo grego ganhou na história das religiões uma forte conotação de conhecimento portando sobre realidades divinas e celestes e conduzindo por aí à salvação. gnôrimon: cognoscível, inteligível. É por isso que, com relação ao princípio da distinção entre ἐπιστημονικόν (o que promove o saber) e λογιστικόν (o que promove a reflexão), Aristóteles diz, imediatamente: ele precisa se orientar pelo ente: πρὸς γὰρ τὰ τῷ γένει ἕτερα καὶ (…)
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Antiguidade
Carneiro Leão
Pensamento Originário é o título de um questionamento que procura pensar o pensamento dos primeiros pensadores gregos. Tales, Anaximandro e Anaxímenes , Zenão e Xenófanes , Heráclito e Parmênides viveram aproximadamente entre os fins do século VII e os meados do século V antes de Cristo.
Já foram intitulados de Pré-aristotélicos, Pré-platônicos e Pré-socráticos. Sob a correção cronológica do prefixo, pré-, se escamoteia uma perplexidade de pensamento. Em Sócrates , Platão e Aristóteles se inaugura uma de-cisão Histórica. A decisão das diferenças que, sendo já em si mesma metafísica, instala o domínio da filosofia em toda a História do Ocidente.
Trata-se de uma de-cisão que vive da perplexidade em pensar a identidade como identidade e não como igualdade, isto é, que vive da dificuldade de se encontrar com a identidade no próprio seio das diferenças. Esta de-cisão, ao instituir as dicotomias de um comparativo ontológico, se pronuncia pelo ser contra o nada, pela essência contra a aparência, pelo bem contra o mal, pelo inteligível contra o sensível, pelo permanente contra o mutável, pelo verdadeiro contra o falso, pelo racional contra o animal, pelo necessário contra o contingente, pelo uno contra o múltiplo, pela sincronia contra adiacronia. No poder de seu jogo é uma de-cisão que se de-cide pela filosofia contra o pensamento.
Esta de-cisão metafísica não é um presente para sempre passado nem se reduz a simples fato de um passado encoberto pela poeira de dois mil e quatrocentos anos. É mais do que objeto de curiosidade historiográfica. Mais do que uma relíquia no museu do Ocidente. É um passado tão vigente que constitui a fonte donde vivemos hoje, a tradição, que nos sustenta. Seu vigor Histórico promoveu as transformações, as experiências e as interpretações de quase 25 séculos. Deu lugar a motivos orientais. Concebeu o Cristianismo. Provocou o Humanismo, o Esclarecimento e a Ciência Moderna.
É esta mesma de-cisão que estabelece até hoje a filosofia de Sócrates, Platão e Aristóteles como critério na escolha, interpretação e avaliação dos primeiros pensadores gregos. Os problemas, as concepções e os conceitos de Sócrates, Platão e Aristóteles, transformados pelas ciências modernas, servem de parâmetro para se medir o nível filosófico de todos os gregos de antes e depois da segunda metade do século V. Em pacientes pesquisas filológicas, historiográficas e linguísticas busca-se reconstruir a lógica, a ética e a física arcaicas sem se levar em conta que só há uma lógica, uma ética e uma física na tradição de ensino das escolas clássicas. Não se permite, que os primeiros pensadores gregos sejam pensadores. Têm de ser filósofos, iguais a Sócrates, Platão e Aristóteles, ainda que só o sejam de forma arcaica, isto é, primitiva. Por isso mesmo só podem ser pré-socráticos ou pré-platônicos ou pré-aristotélicos. Assim, nestes títulos, o pré- não possui apenas sentido cronológico mas sobretudo axiomático. É o axioma de implantação da filosofia na decadência do pensamento.
Eudoro de Sousa
A solução do problema da origem, ou das origens, da filosofia, na Grécia, ou se achará nela mesma, como interpretação da primeira filosofia originada, ou fora dela. Neste caso, é de recear que indefinidamente tenha de ser adiada, posto que, até agora, ainda ninguém bateu à porta, atrás da qual, efetivamente, se encontrasse aquela cuja veracidade ou verosimilhança promoveria uma pacificação dos ânimos inquiridores. A prova do que afirmamos ressalta, com irresistível vigor, de algumas centenas de páginas em que R. Mondolfo, nos dois primeiros volumes da sua tradução da História da Filosofia Grega, de Zeller-Nestle, expôs e discutiu o status quaestionum que refere uma bibliografia praticamente inexaurível. Não tentaremos, por conseguinte, bater a outra porta. Mas, quanto à interpretação da filosofia originada? Chegará ela, alguma vez, ao ponto do qual se avistem, pelo menos, os sinais da origem, ou das origens, de todo o filosofar? Aqui, o obstáculo inevitável reside, em última análise, no facto assegurado (Cherniss, 1935; McDiarmid) de que, por um lado, o nosso guia é e não pode deixar de ser Aristóteles e, por outro lado, de que o filósofo nos conduz deliberadamente para as origens do próprio pensamento. Mas se o facto é inegável, não se nos afigura como necessariamente certo concluir que se imponha a exclusão de todas as notícias doxográficas (e, entre elas, as de Aristóteles em primeiro lugar) para atingir a fonte original de todos os problemas que ocuparam a mente dos primeiros filósofos — só dos primeiros, já que, para quase toda a sequência dos pré-socráticos, de Xenófanes a Demócrito, a opinião dos doxógrafos pode ser aferida pelo conteúdo de maior ou menor número de fragmentos. Mas a situação mostra-se demasiado precária, no momento inicial tradicionalmente designado como o da escola de Mileto, onde se deflagra um contraste cifrado em dezenas de páginas de doxografia contra meia dúzia de linhas de texto original, com a agravante de nem mesmo se conseguir perfeito acordo quanto à extensão e ao significado autêntico desses testemunhos directos. A primeira questão surge com uma espontaneidade, dir-se-ia natural: se há um «hilozoísmo» jônico e os seus primeiros representantes são os três mencionados filósofos, onde se encontra o comum pensamento que levou a história a reuni-los em escola, diferenciável de todas as seguintes e consequentes? Que há de comum entre o que se supõe ter sido o pensamento repartido pelos três nomes de Tales, Anaximandro e Anaxímenes? A tal pergunta, já a historiografia filosófica respondeu nos primeiros passos de sua longa caminhada: os três milésios são os primeiros pensadores de uma sucessão que termina em Parmênides, e cuja teorese, para além de toda a diversidade, individualizante de sistemas singulares, apresenta esta característica abrangente — todos eles admitem um só princípio. Quer dizer, a escola de Mileto teria aberto a sucessão dos «monistas», que, a partir do impasse introduzido pelo Ser parmenídeo, daria lugar à sucessão dos «pluralistas», começando em Empédocles (ou, talvez, no próprio Parmênides) e terminando em Demócrito — todos estes admitindo, ou melhor, tendo de admitir, dois (Parmênides), quatro ou seis (Empédocles) ou um infinito número de princípios (Anaxágoras , Leucipo e Demócrito), no propósito de desincompatibilizar o ser com o movimento. O esquema é bastante intuitivo e claramente didáctico; e tanto, que não há compêndio de história da filosofia que o não adopte, com alterações insignificantes, dele se servindo como do fio de Ariadne, para sair por onde entrou, no labirinto problemático das contradições insolúveis.