Bouveresse1976
É inegável que a ideia de um “olho mental” está na base, implícita, de todas essas noções fundamentais da tradição filosófica que etimologicamente derivam do vocabulário da visão: apercepção, inspectio mentis, intuição, introspecção, evidência, visão das essências etc. É notável que o próprio Freud tenha aceito em essência a concepção tradicional da consciência como “sentido interno”, como órgão de percepção sensorial da interioridade psíquica (a ponto de comparar, por vezes, o conhecimento imperfeito que temos do inconsciente através dos dados da consciência com o conhecimento que temos do mundo exterior por meio dos sentidos).
Na Introdução à Psicanálise, depois de descrever metaforicamente a consciência como uma espécie de olho cujo olhar pode ou não ser atraído pelas tendências psíquicas inconscientes que a censura permitiu passar da antecâmara para a sala principal, ele observa: “Posso assegurar-lhes que esta hipótese grosseira de dois cômodos, com o guarda posicionado no limiar entre ambos e a consciência atuando como espectadora no fundo do segundo cômodo, fornece uma ideia bastante aproximada do estado real das coisas.”
Não é necessário insistir aqui sobre como essa determinação da consciência como olhar interior — ou, mais genericamente, como sentido espiritual — influenciou a concepção filosófica tradicional do saber e da verdade, nem sobre as oposições clássicas que a acompanham e que Wittgenstein criticou: interior/exterior, direto/indireto, dado/construído, imediato/inferido etc. Se o autor das Investigações Filosóficas tivesse se interessado pela história da filosofia, poderia ter comentado longamente a observação que faz de passagem em Sobre a Certeza (§ 90) sobre as relações entre “saber” e “ver”.
Wittgenstein atacou repetidamente a ideia de um “olho da mente”, como ele o chama, diante do qual se apresentam ou passam coisas de uma espécie muito particular — coisas psíquicas, como dados sensoriais, impressões ou representações, ou coisas de ordem completamente diferente, como significados, essências, objetos ideais etc. O problema é que, nessa hipótese, a mente não precisaria apenas de um olho mental, mas também, por assim dizer, de uma espécie de “dedo mental” para apontar e nomear as coisas em seu campo de visão. Seria preciso não apenas ver espiritualmente, mas também, de certo modo, mostrar espiritualmente. Isso corresponde ao que Wittgenstein chama de definição privada ostensiva: “Chamo isto de dor ou sensação de vermelho.”
É evidente que, na realidade, o olho da mente seria completamente cego se o sujeito não dispusesse, desde o início, de uma linguagem e de conceitos para designar e descrever o que vê. E isso só pode ser, segundo Wittgenstein, uma linguagem pública — ou seja, fisicalista e intersubjetiva —, na qual a atitude natural ingênua em relação à existência do mundo e de outros seres conscientes é, por razões lógicas (no sentido wittgensteiniano do termo), plenamente assumida.