Jankélévitch (1998) – o cisma prazer-dor (hedone-lype)

(Jankélévitch1998)

Comecemos pela dualidade ou polaridade do riso e das lágrimas. A austeridade, nesse primeiro sentido, é suprassensível e literalmente transafetiva – pois a afetividade é, por essência, bidimensional, de tal modo que, para ter uma dimensão, é necessário ter a outra. Na perspectiva austera, o cisma ἡδονή-λύπη (prazer-dor) e, consequentemente, a alternativa entre hedonismo e dolorismo não existem. Primeiro, o austero transcendeu a alegria: mais tarde, a regra de certas ordens monásticas proibirá como indecentes e imodestas as manifestações de uma hilaridade demasiado ruidosa. Platão já as reprovava. Mas ele reprova ainda mais categoricamente o choro, já que a única dor que o ascetismo admite é uma dor de exercício, sem sofrimento nem desespero e, portanto, uma dor seca, uma dor que não conhece lágrimas. A dor desliza sobre o ser do austero sem o impregnar; a dor não obtém a impregnação ôntica e a fusão do ser-próprio, cujo sintoma é essa liquefação das lágrimas. O homem que se dissolve em lágrimas é um homem penetrado e transformado pelo evento doloroso. É por isso que as teologias morais recomendarão tanto as lágrimas da humildade, da penitência e da contrição; não que as lágrimas em si mesmas constituam o arrependimento, mas elas significam que a secura, que a endurecente ardência do pecado chegaram ao fim. Nossa alma deixa de ser dura como uma pedra. Os impassíveis da Antiguidade ignoraram essa transfiguração ôntica, esse amolecimento de um ser-próprio endurecido pelo orgulho e fechado na clausura de seu “quant-à-soi” inveterado. A sabedoria antiga não tomou cuidados especiais para lutar contra o endurecimento autista. Aὐστηρόν (austero) evoca, de fato, mais os glaciares ásperos do que a morna brisa primaveril que acelera o derretimento das neves e o degelo de toda a alma. Tal é a alma forte, que sua fortitude a protege tanto contra o amolecimento choroso e a sentimentalidade lacrimosa quanto contra a contorção ou convulsão exultante do riso. Léon Robin dedicou muita atenção às últimas linhas do Banquete (223 d), que apresentam o filósofo como situado além do cômico e do trágico, ou seja, além das duas categorias complementares e unilaterais representadas, de um lado, por Aristófanes e, de outro, por Agatão: a ironia dialética de Sócrates não seria a síntese do riso e das lágrimas, além da grande bifurcação afetiva? Robin chega a se perguntar se o Banquete e o Fédon não representam, de certa forma, o díptico da comédia e da tragédia, ambas realizadas pelo filósofo: pois a filosofia transcende tanto o Banquete, ou seja, o humor dedicado ao amor, quanto a tragédia do Fédon, dedicada à morte.