Wolff (1997:5-7) – Linguagem e Mundo

É banal e é verdade dizer que a linguagem não é um objeto filosófico como os outros. A linguagem não pode ser apenas um objeto de análise, porque é sempre ao mesmo tempo seu meio. É possível filosofar sobre a percepção com os olhos fechados, mas impossível saber o que é a linguagem sem nada dizer. Nada é pensado distintamente e, logo nem a linguagem, sem a linguagem, que é sempre capturada em suas próprias redes. Pode até ser quimérico querer saber o que é em si, já que só a conhecemos através dela. Não pode, portanto, existir como uma coisa nem ser posta como um objeto. Sendo a condição de todo pensamento — pelo menos de todo pensamento filosófico — não pode ser pensada senão ao poder se refletir.

Afinal, essa reflexividade também caracteriza outros “objetos”: razão, conceito, filosofia, por exemplo. O que a linguagem tem amais é que ela parece não ter exterior. Tudo está dentro. Tanto quanto tentemos colocá-la à distância, ele ainda está aí, ela já é aí. Tentar pensar sem linguagem ainda é uma tentativa de linguagem. Por definição, não se pode dizer o que está fora dela. Logo não é só o meio de pensar todo objeto, inclusive ela própria, mas também o “meio”, o elemento em que se dá todo pensamento. Não é redutível a mais nada, mas tudo é redutível a ela. É por isso que pode ser falso, mas faz sentido dizer: tudo, ao menos tudo isto que se pode pensar, é linguagem.

Logo a linguagem é reflexiva e totalizante. É o que necessariamente pensamos e o que pensamos de todas as coisas — portanto, isto pelo que e isto em que ela mesma é pensada. Pode-se dizer em uma palavra: a linguagem faz mundo. Pois o mundo pode ele também ser considerado como sendo tudo o que está fora de nós e aí onde somos/estamos necessariamente. Não se pode jamais pensar o que quer que seja fora do mundo, ele não tem exterior, ele é totalizante. E é também, por assim dizer, reflexivo, na medida em que nunca pode ser somente um objeto sem também ser também uma relação ao que somos; logo jamais podemos alcançá-lo, ele, senão por este relacionamento que nos liga a ele. E pode-se até mesmo sustentar que jamais podemos saber o que ele é em ele mesmo, posto que o sabemos apenas por esta relação que ele também é. Somos/estamos no mundo e ao mesmo tempo dentro do mundo — como todo o resto. A exemplo da linguagem, o mundo é o que são todas as coisas fora de nós e aí onde somos/estamos propriamente — ele é aí onde elas são/estão e de onde podemos em todas pensá-las. Podemos ver que estas duas características são, no limite, dificilmente conciliáveis. Se se é/está no mundo, não se é/está verdadeiramente dentro do mundo. E como conceber que a reflexividade da linguagem não a impede de tudo englobar? É preciso que se possa dizer isto por qual tudo é dito. Ao contrário, é sem dificuldade que o sensível, por exemplo, é tudo isto que há “fora”, posto que não remete a ele mesmo, que não é pensado “sensivelmente”. Mas qualquer que seja a maneira pelas quais elas se ajustam, é por estas duas características que a linguagem “faz mundo”.

Mas, por outro lado, pode haver outros “objetos” que tenham a propriedade de “fazer mundo”. A consciência, por exemplo.

Normalmente atribuímos reflexividade à consciência. Pensar sobre a consciência é pensar sobre si próprio, porque todo o pensamento é, de certa forma, um “fato de consciência”. Não podemos tentar saber o que é a consciência sem estarmos conscientes dela. A consciência não pode ser um objeto sem ser ao mesmo tempo um agente, porque é apenas para uma consciência que uma consciência deve ser pensada. Assim, toda a consciência de qualquer coisa remete para si mesma. É por isso que se pode argumentar que nunca podemos saber o que ela é em si mesma (será que isso faz sentido?), uma vez que só a conhecemos através dela. Mas, ao mesmo tempo, nunca saímos dela. Por mais que eu tente pensar fora da minha consciência, estou sempre dentro dela. Por definição, não podemos ter consciência do que está noutra consciência. É por isso que a consciência, tal como a linguagem, é simultaneamente o lugar onde estão todas as coisas fora de nós e o lugar a partir do qual podemos pensá-las todas. A consciência, tal como a linguagem, faz mundo.

É possível que a linguagem e a consciência sejam os dois únicos objetos que têm a propriedade de “fazer mundo”. Isso explicaria o fato de ambos poderem, cada um à sua maneira, servir de pontos de apoio para pensar o que é imediatamente dado. A experiência primária do mundo é redutível a enunciados atômicos ou a modos de doação à consciência? As duas respostas são, sem dúvida, incompatíveis e igualmente legítimas.

Mas, se pensarmos bem, “fazer mundo” não é apenas uma propriedade de certos objetos, mas também uma forma de pensar sobre outros. A consciência ou a linguagem fazem o mundo, mas o pensamento pode fazer mundo com outros objetos: é então uma certa maneira de o pensamento se apoderar deles, de os instalar numa posição que os torna consubstanciais a si próprio, de modo a não poder ficar sem eles ou a encontrá-los por todo o lado como uma imagem de si próprio — da forma como está necessariamente unido à consciência ou à linguagem. Podemos pensar, por exemplo, que a história faz mundo (ou a sociedade). Então, podemos dizer: “Tudo é história e nunca encontraremos um objeto que não esteja na história. Tudo o que pode ser pensado é histórico, no sentido em que não há pensamento que não possa ser considerado como tendo surgido, como sendo filho do seu tempo, como sendo um produto da história. Por mais que um pensamento tente escapar à história, ele permanece preso nela, porque essa mesma tentativa pode ser considerada um efeito da história, etc.”. Faremos então da história um objeto que “totaliza” todos os outros. Mas faremos dela também um objeto que se “reflete” a si próprio. Diremos: “A história não é apenas um objeto, e nunca o poderá ser realmente, uma vez que é também, num certo sentido, o ‘sujeito’ do pensamento — incluindo o pensamento da história. O nosso “sentido histórico” é o produto da própria história que nos permite pensar. A forma como lemos a história é historicamente determinada, e nunca podemos — e talvez nunca devamos — sair do círculo. Foucault disse: “Estamos historicamente condenados à história”.