Lecourt: pessoa – indivíduo

nossa tradução

Um dos primeiros e mais poderosos pensadores políticos modernos, Thomas Hobbes, que cita prontamente o texto já mencionado por Cícero, fará dessa noção o ponto central de sua concepção de soberania: “É uma pessoa, alguém cujas palavras ou ações são consideradas seja como lhe pertencendo, seja como representando as palavras ou ações de um outro, ou de alguma outra realidade à qual são atribuídas por uma atribuição verdadeira ou fictícia. Quando consideramos elas como lhe pertencendo, falamos de uma pessoa natural; quando as consideramos como representando as palavras ou ações de um outro, falamos de uma pessoa fictícia ou artificial ”(Leviathan, cap. 16). Mas esse desdobramento e o recurso à antiguidade que envolve, os mal-entendidos aos quais pode ter dado lugar, mostravam que havia sido realizado um movimento que resultou na individualização da pessoa.

É aqui que devemos evocar brevemente o terceiro registro no qual se entreteve a noção para se constituir, o registro teológico. O ponto de virada é encontrado na obra de Boécio, o homem que desempenhou, no século VI, o papel decisivo na transmissão da cultura antiga – grega e latina – aos filósofos medievais. Foi dito que ele era o mestre da lógica da Idade Média. Ele tentou reconciliar Aristóteles e Platão. Foi sobre o mistério da Trindade – a unidade da natureza das três pessoas divinas e suas relações mútuas – em meio a controvérsias provocadas pelo nestorianismo e monofisismo – que Boécio foi levado (em Liber de persona e duabus naturis) a dar à pessoa a seguinte definição: “substância individual de natureza racional”. Santo Tomás usará os termos desta definição, enfatizando a natureza racional do homem. Essa natureza consiste em ser uma pessoa se submetendo, pelo exercício da razão, à “lei natural”, que se diz emanar de Deus.

O melhor exemplo da inclinação individualista dos teóricos políticos modernos é sem dúvida o de John Locke. Em seu famoso ensaio sobre o entendimento humano (1690), ele escreve o seguinte (§ 26, cap. 27 do livro II): “Vejo a palavra pessoa como uma palavra que foi usada para designar com precisão o que se entende por ‘si mesmo’. Onde quer que um homem encontre o que chama si mesmo, creio que outro possa dizer que aí reside a mesma pessoa”. Locke associa, assim, ao termo pessoa os de identidade, de consciência e de memória. El visa o ser humano individual, enquanto dotado de uma identidade reflexiva pela consciência da identidade. Depois disso, lembrando sua origem, Locke acrescenta: “A palavra pessoa é um termo de tribunal que se apropria de ações, e o mérito e o demérito destas ações; e que, consequentemente, pertence apenas a agentes inteligentes, capazes de Lei, e de felicidade e de miséria”. As modernas teorias políticas chamadas do “direito natural” remanejam e re-agenciam estes elementos na Era do Iluminismo antes que eles venham a ser submetidos à prova da prática dos legisladores durante a Revolução Francesa e sob o Império.

Original

L’un des premiers et des plus puissants penseurs politiques modernes, Thomas Hobbes, qui cite volontiers le texte déjà mentionné de Cicéron, fera de cette notion le pivot de sa conception de la souveraineté: « Est une personne, celui dont les paroles ou les actions sont considérées soit comme lui appartenant, soit comme représentant les paroles ou actions d’un autre, ou de quelque autre réalité à laquelle on les attribue par une attribution vraie ou fictive. Quand on les considère comme lui appartenant, on parle d’une personne naturelle; quand on les considère comme représentant les paroles ou actions d’un autre, on parle d’une personne fictive ou artificielle» (Léviathan, chap. 16)1. Mais ce dédoublement même et le recours à l’antique qu’il enveloppe, les incornpréhensions auxquelles il a pu donner lieu, montraient qu’un mouvement s’était depuis longtemps accompli qui avait abouti à individualiser la personne.

C’est ici qu’il faut évoquer brièvement le troisièrne registre sur lequel a joué la notion pour se constituer, le registre théologique. Le tournant se trouve dans l’oeuvre de Boèce, l’homme qui joua, au VIe siècle, le rôle décisif pour transmettre la culture antique – grecque et latine – aux philosophes médiévaux. On a dit de lui qu’il fut le maître de la logique du Moyen Âge. Il tenta de réconcilier Aristote et Platon. C’est à propos du mystère de la Trinité – l’unité de la nature des trois personnes divines et leurs relations mutuelles – en pleine période de controverses provoquées par le nestorianisme et le monophysisme – que Boèce fut amené (in Liber de persona et duabus naturis) à donner de la personne la définition suivante: «substance individuelle de nature rationnelle »1. Saint Thomas reprendra les termes de cette définition en faisant porter l’accent sur la nature rationnelle de l’homme. Cette nature consiste à être une personne se soumettant, par l’exercice de la raison, à la «loi naturelle », laquelle est dite émaner de Dieu.

Le meilleur exemple de la pente individualiste des théoriciens moderne de la politique est sans aucun doute celui de John Locke. Dans son célèbre Essai sur l’entendement humain (1690), il écrit ainsi (§ 26, chap. 27 du Livre II): «Je regarde le mot de Personne comme un mot qui a été employé pour désigner précisément ce qu’on entend par “soi-même”. Partout où un homme trouve ce qu’il appelle soi-même, je crois qu’un autre peut dire que là réside la même personne. » Locke associe ainsi au terme de personne ceux d’identité, de conscience et de mémoire. Il vise l’être humain individuel, en tant que doué d’une identité réflexive par conscience de l’identité. Après quoi, se souvenant de son origine, Locke ajoute: «Le mot de personne est un terme de tribunal qui approprie des actions, et le mérite et le démérite de ces actions; et qui par conséquent n’appartient qu’à des agents intelligents, capables de Loi, et de bonheur et de misère.» Les théories politiques modernes dites du «droit naturel» remanient et réagencent ces éléments au siècle des Lumières avant qu’ils ne soient soumis à l’épreuve de la pratique des législateurs pendant la Révolution française et sous l’Empire.