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Gordon (IMA:109-110) – Infernos

terça-feira 26 de setembro de 2023, por Cardoso de Castro

  

O mundo-de-sob-a-terra era por natureza um lugar de provas e de ascese.

tradução

Este mundo dito inferior porque se situava sob (infra) o céu da montanha ou no seio das águas se tornou ao longo do tempo os infernos: termo que nada teve de pejorativo, de início; os infernos foram ao contrário essencialmente, em seu princípio, um lugar de luz e um local divino; é aí que o neófito se preparava à vida sem fim; é aí que morria às pequenezas, às misérias, ao egoísmo, à ignorância, à impotência do universo fenomenal; é aí que um ser transcendente o digeria, a fim de transformá-lo em uma substância imortal. O mundo-de-sob-a-terra era por natureza um lugar de provas e de ascese. É sob este aspecto somente que acabou por aparecer quando o fervor iniciático baixou. Não se via mais nele senão uma estada do morto: esquecia-se que suas trevas conduziam à radiância. Quanto às personalidades iniciadoras que submetiam os noviços às disciplinas metamorfoseantes eles se tornaram demônios, seres atormentadores, se empenhando em torturar os homens; perdeu-se de vista seu caráter fundamental de benfeitoria; Kronos ele mesmo, o muito santo divinizador das eras passadas, se tornou uma entidade malévola, o Senhor da Morte, o sinistro Balor da Irlanda, o deus do «mau-olhado».

Esta degradação foi facilitada pelo fato que as individualidades sacrossantas do neolítico e dos primeiros tempos do bronze se revestiam frequentemente dos despojos de animais e que estas se tornaram em seguida máscaras sagradas: estes homens-animais se modificaram facilmente em demônios e em fantasmas (os pretas) do budismo. Na antiguidade, o Egito Antigo foi pouco a pouco o único a conservar, até o final, a tradição inicial, que tinha os seres disfarçados, por deuses ou personagens divinos.

Vemos que os infernos não foram de modo algum, em nenhum povo, uma elucubração da fantasia. Foi, como todo o resto, uma experiência religiosa, uma experiência vivente, saída do domínio ritual. Os infernos existiram autenticamente. Foram povoados por homens que suportaram um tempo de morte iniciática a fim de renascer à luz. Mais tarde, conforme à lei de concreção, deslizou-se da morte iniciática à morte orgânica, e os infernos se tornaram a estada dos falecidos. Mas é o mundo subterrâneo dos viventes que serviu de patrono, e os defuntos aí se fizeram admitir a fim de acceder à existência imortal que aí se obtinha dos viventes. Os infernos permaneceram o domínio da vida.

Original

Ce monde dit inférieur parce qu’il se situait sous (infra) le ciel de la montagne ou dans le sein des eaux est devenu à la longue les enfers : terme qui n’eut en rien, au début, un sens péjoratif; les enfers furent au contraire essentiellement, dans leur principe, un lieu de lumière el un emplacement divin; c’est là que le néophyte se préparait à la vie sans fin; c’est là qu’il mourait aux petitesses, aux misères, à l’égoïsme, à l’ignorance, à l’impuissance de l’univers phénoménal; c’est là qu’un être transcendant le [110] digérait, afin de le transformer en une substance immortelle.

Il n’en restait pas moins que le monde-de-sous-terre était, par nature, un lieu d’épreuves el d’ascèse. C’est sous cet aspect seulement qu’il finit par apparaître quand la ferveur initiatique baissa. On ne vit plus en lui qu’un séjour de mort : on oublia que ses ténèbres conduisaient à la radiance. Quant aux personnalités initiatrices qui soumettaient les novices aux disciplines métamorphosantes, elles devinrent des démons, des êtres tourmenteurs, s’acharnant à torturer les hommes; on perdit de vue leur caractère fondamental de bienfaisance; Kronos lui-même, le très saint diviniseur des âges reculés, devint une entité mauvaise, le Seigneur de la Mort, le sinistre Balor de l’Irlande, le dieu du « mauvais œil ».

Cette dégradation se trouva facilitée du fait que les individualités sacrosaintes du néolithique et des premiers temps du bronze se revêtaient le plus souvent de dépouilles animales et qu’elles devinrent par la suite des masques sacrés : ces hommes-bêtes se muèrent aisément en démons et en fantômes (les prêtas) du bouddhisme. Dans l’antiquité, l’Égypte fut à peu près la seule à conserver jusqu’au bout .la tradition initiale, qui tenait les êtres déguisés pour des dieux ou des personnages divins.

L’on voit par là que les enfers ne furent nullement, chez aucun peuple, une élucubration de la fantaisie. Ce fut, comme tout le reste, une expérience religieuse, une expérience vivante, ressortissant au domaine rituel. Les enfers ont authentiquement existé. Ils furent peuplés par des hommes qui subissaient un temps de mort initiatique afin de renaître à la lumière. Plus tard, conformément à la loi de concrétion, l’on glissa de la mort initiatique vers la mort organique, et les enfers devinrent le séjour des trépassés. Mais c’est le monde souterrain des vivants qui servit de patron, et les défunts s’y firent admettre afin d’accéder à l’existence immortelle qu’y obtenaient les vivants. Les enfers restèrent par là le domaine de la vie.