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Huxley Filosofia Perene

segunda-feira 1º de janeiro de 2024, por Cardoso de Castro

  

Aldous Huxley   — A Filosofia Perene
The Perennial Philosophy: An Interpretation of the Great Mystics, East and West (P.S.) — venda Amazon

The Perennial Philosophy — texto digital na íntegra
Notável obra reunindo o pensamento do autor acompanhado de inúmeras citações de sábios, santos e pensadores de diferentes tradições. A tradução disponível na Internet não se equipara a cuidadosa tradução feita por Murillo Nunes de Azevedo, publicada em 1971. Desta tradução apresentamos a seguir alguns excertos.


Excertos:
  • ABSOLUTO
  • PERSONALIDADE
  • CONTEMPLAÇÃO
    Introdução Philosophia perennis — a frase foi cunhada por Leibniz  ; mas a coisa — a metafísica que reconhece uma Divina Realidade substancial ao mundo das coisas, vidas e mentes; a psicologia que encontra na alma algo similar ou mesmo idêntico à Divina Realidade; a ética que coloca a finalidade do homem no conhecimento da base imanente e transcendente de todo ser — a coisa é imemorial e universal. Rudimentos da Filosofia Perene são encontrados nas histórias tradicionais dos povos primitivos, em todas as regiões do mundo e, na sua forma plenamente desenvolvida, é encontrada em cada uma das religiões maiores. Uma versão deste Máximo Fator Comum em todas as precedentes e subsequentes teologias começou a ser escrita há vinte e cinco séculos, e desde então o tema, inexaurível, tem sido tratado repetidamente do ponto de vista de cada tradição religiosa em todas as principais linguagens da Ásia e da Europa. Nas páginas que se seguem procurei juntar certo número de seleções dessas obras, escolhidas principalmente por sua significação — porque, efetivamente, ilustram algum ponto particular no sistema geral da Filosofia Perene — mas, também, por sua beleza intrínseca e memorabilidade. As seleções são apresentadas sob vários títulos e precedidas, por assim dizer, de um comentário, destinado a ilustrar e ligar, desenvolver e, onde necessário, elucidar.

O conhecimento é uma função do ser. Quando há uma mudança no ser do conhecedor há uma mudança correspondente na natureza e na totalidade do conhecido. Por exemplo, o ser de uma criança é transformado, pelo crescimento e educação, no de um homem; entre os resultados dessa transformação está uma mudança revolucionária no modo de conhecer e na totalidade e caráter das coisas conhecidas. À medida que o indivíduo cresce, o conhecimento torna-se mais conceitual e sistemático na forma, e o seu conteúdo real e utilitário amplia-se consideravelmente. Mas essas vantagens são prejudicadas por certa deterioração da qualidade da apreensão imediata, por uma perda de nitidez e poder intuitivo. Consideremos a mudança individual que o cientista está apto a introduzir mecanicamente por meio de seus instrumentos. Equipado com um espectroscopio e um refletor de seis polegadas, um astrônomo torna-se, em relação à visão, uma criatura super-humana, e como podemos naturalmente esperar, o conhecimento possuído por essa criatura super-humana será muito diferente, em quantidade e qualidade, do adquirido por alguém que olhava as estrelas simplesmente a olho nu.

Não são apenas as mudanças no ser fisiológico e intelectual as únicas que afetam o seu conhecimento. O que sabemos depende daquilo que, como seres morais, resolvemos fazer de nós mesmos. "A prática", nas palavras de William James  , "pode mudar nosso horizonte teórico de duas maneiras: pode levar-nos a novos mundos e assegurar novos poderes. Um conhecimento que jamais atingiremos permanecendo o que somos pode ser obtido em consequência de poderes mais altos e de uma vida mais elevada, que podemos moralmente alcançar." Apresentando o assunto mais sucintamente: "Bem-Aventurados os puros de coração, pois eles verão a Deus." A mesma ideia foi expressa pelo poeta sufista, Jalaluddin-Rumi  , em termos de uma metáfora científica: "O astrolábio dos mistérios de Deus é o Amor."

Este livro, repito, é uma antologia da Filosofia Perene, mas, embora uma antologia, contém poucos extratos das obras dos homens de letras profissionais e, embora ilustrando uma filosofia, nada contém dos filósofos profissionais. A razão é muito simples. A Filosofia Perene é, primariamente, relacionada ao uno, à Realidade Divina substancial ao múltiplo mundo das coisas, das vidas e pensamentos. Mas a natureza desta Realidade Una é tal que não pode, direta e imediatamente, ser apreendida, exceto por aqueles que foram escolhidos por preencherem certas condições, tornando-se puros de coração, cheios de amor e pobres de espírito. Por que tem de ser assim? Não sabemos. É um desses fatos que temos de aceitar, queiramos ou não, apesar de toda a sua aparente implausibilidade. Nada em nossa experiência cotidiana nos dá qualquer razão para supor que a água é feita de hidrogênio e oxigênio; e, todavia, submetendo a água a certos tratamentos drásticos, a natureza dos seus componentes torna-se manifesta. Similarmente, nada em nossa experiência diária nos dá razão para supor que a mente do homem sensual comum tem como um dos seus componentes algo parecido ou idêntico à Realidade substancial ao mundo multiforme; mas quando a mente é submetida a certos tratamentos drásticos, o elemento divino, do qual, pelo menos em parte, ela é composta, torna-se manifesto, não apenas na própria mente, mas também por seu reflexo no comportamento externo, em outras mentes. Só fazendo experiências físicas é que podemos descobrir a natureza íntima da mente e suas potencialidades. Nas circunstâncias ordinárias da vida comum e sensória, essas potencialidades da mente permanecerão latentes e não-manifestadas. Para podermos realizá-las, temos de preencher determinadas condições e obedecer a certas regras que a experiência mostrou serem empiricamente válidas.

Não existem muitas provas de que os filósofos profissionais e os homens de letras se empenhassem para preencher as condições necessárias ao conhecimento espiritual direto. Quando os poetas ou metafísicos falam a respeito de assuntos da Filosofia Perene, quase sempre o fazem indiretamente. Mas em todas as idades tem havido alguns homens e mulheres que se determinaram a preencher as condições que permitem, como um fato empírico bruto, atingir o conhecimento imediato e direto. E dentre eles somente uns poucos deixaram relatos dessa Realidade que puderam apreender e tentaram comunicar, num sistema compreensível de pensamento, os fatos obtidos dessa experiência, assim como os de outras experiências. A esses expoentes de primeira mão da Filosofia Perene, os que os conheceram deram o nome de "santo" ou "profeta", "sábio" ou "ser iluminado". E foram principalmente esses, porque há boa razão para supor que sabem o que estão falando, e não os filósofos profissionais e escritores, que incluí nas minhas seleções.

Nas Índias são reconhecidas duas classes de escrituras: a Shruti, ou obras inspiradas que possuem sua própria autoridade, uma vez que são o produto de uma percepção imediata da Realidade Ultima, e a Smriti, baseada sobre a Shruti, de onde deriva sua autoridade. "A Shruti", nas palavras de Shankara  , "depende da percepção direta". A Smriti desempenha uma parte análoga à indução, uma vez que, como a indução, deriva sua autoridade de outra diferente de si mesma. Este livro é, portanto, uma antologia, com comentários explanatórios de passagens retiradas da Shruti e da Smriti de muitos locais e épocas. Infelizmente, a familiaridade com as escrituras tradicionalmente consideradas sagradas tende a gerar, não decerto um desdém, mas alguma coisa que, para objetivos práticos, é quase igualmente maléfica — ou seja, uma espécie de reverente insensibilidade, um estupor do espírito, uma surdez interna ao significado das palavras sagradas. Por essa razão, ao selecionar o material para ilustrar a doutrina da Filosofia Perene, como são formuladas no Ocidente, quase sempre procurei outras fontes que não a Bíblia  . Esta Smriti cristã, da qual recolhi exemplos, é baseada na Shruti dos livros canônicos, mas tem a grande vantagem de ser menos conhecida, tornando-se, portando, mais clara e, por assim dizer, mais audível. Além disso, muitas dessas Smriti constituem o trabalho de homens e mulheres genuinamente santos, que se qualificaram para saber, antes de tudo, o que estavam falando. Consequentemente, pode ser considerada em si mesma uma válida e inspirada forma de Shruti — em grau bem maior que muitos dos textos hoje incluídos no cânone bíblico.