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Huxley Absoluto

segunda-feira 1º de janeiro de 2024, por Cardoso de Castro

  

Aldous Huxley   — A Filosofia Perene
Excertos da tradução de Murillo Nunes de Azevedo

A Natureza da Base
Nosso ponto de partida tem sido a doutrina psicológica "Tu és Aquilo". A pergunta, que agora naturalmente se apresenta, é de natureza metafísica: O que é Aquilo a que o Tu pode descobrir ser semelhante?

A ela a Filosofia Perene plenamente desenvolvida tem dado, em todas as épocas e lugares, a mesma resposta fundamental. A Base Divina de toda existência é um Absoluto espiritual, inefável em termos de pensamento discursivo, mas (em certas circunstâncias) suscetível de ser diretamente experimentado e percebido pelo ser humano. Este Absoluto é o Deus-sem-forma dos hindus e da fraseologia mística cristã. A última finalidade do homem, a razão última da existência humana, é o conhecimento unitivo da Base Divina — o conhecimento pode chegar somente àqueles que estão preparados para "morrer para o ser", dando lugar a Deus. De uma determinada geração de homens e mulheres bem poucos alcançam a finalidade suprema da vida humana; a oportunidade de chegar ao conhecimento unitivo será, de uma forma ou de outra, oferecida, até que todos os seres humanos compreendam, de fato, quem eles são.

A Base Absoluta de toda existência tem um aspecto pessoal. A atividade de Brahman é Isvara, e Isvara é a seguir manifestado na trindade hindu, e de maneira mais distante, em outras divindades e anjos do Panteão Indiano. Analogamente, para os místicos cristãos, o inefável, a divindade sem atributos, é manifestada numa Trindade de Pessoas, às quais é possível atribuir qualidades humanas de bondade, sabedoria, misericórdia e amor, mas num grau supremo.

Finalmente, há uma encarnação de Deus no ser humano, que possui as mesmas qualidades de caráter de um Deus pessoal, mas que as exibe sob limitações necessariamente impostas pelo confinamento dentro de um corpo material nascido no mundo em determinado momento do tempo. Para os cristãos houve apenas uma única encarnação divina; para os hindus tem havido e haverá muitas. Na cristandade, bem como no Oriente, os contemplativos que seguem o caminho da devoção concebem, e na verdade percebem, a encarnação como uma experiência sempre renovada. Cristo está para sempre sendo gerado dentro da alma Pelo Pai, e os jogos de Krishna são um símbolo pseudo-histórico de uma verdade eterna da psicologia e da metafísica — o fato de que, em relação a Deus, a alma pessoal é sempre feminina e passiva.

O Budismo Mahayana ensina as mesmas doutrinas metafísicas em termos dos "Três Corpos" do Buda — O Absoluto Dharmakaya, conhecido também por Buda Primordial, ou Mente, ou a Clara Luz do Vazio; o Sambhogakaya, correspondente a Isvara ou o Deus pessoal do Islamismo, Judaísmo e Cristianismo; e, finalmente, o Nirmanakaya, o corpo material, no qual o Logos é encarnado sobre a terra como um ser vivo, o Buda histórico.

Entre os sufistas, Al Haqq, o Real, parece provir dos abismos da Divindade por trás do Alá pessoal, enquanto o Profeta é considerado na História como encarnação do Logos.

Algumas das riquezas inexauríveis da natureza divina podem ser obtidas pela análise, palavra por palavra, da invocação com a qual o Pai Nosso começa: "Pai nosso que estais no Céu." Deus é nosso — no mesmo sentido íntimo que nossa consciência e vida são nossas. Mas, se bem que imanentemente nosso, Deus é também transcendentemente o Pai pessoal, que ama suas criaturas e a quem amor e obediência são devidos em troca. "Pai nosso que estais": quando consideramos o verbo isoladamente, percebemos que o Deus pessoal imanente-transcendente é também o Ser Único imanente-transcendente, a essência e princípio de toda existência. E, finalmente, Deus estando no "Céu"; a natureza divina é outra, e incomensurável, em relação à natureza das criaturas em quem Deus é imanente. Esta é a razão por que podemos atingir o conhecimento unitivo de Deus somente quando nos tornarmos, de certa forma, à Sua semelhança, quando permitirmos que o reino de Deus chegue a nós com a nossa transformação em criatura desse reino.

Deus pode ser cultuado e contemplado em qualquer dos seus aspectos. Mas persistir apenas no culto de um aspecto, com a exclusão de todos os outros, é correr um grave perigo espiritual. Assim, se nos aproximarmos de Deus com a ideia preconcebida de que Ele é apenas o regente todo-poderoso, pessoal e transcendental do mundo, corremos o risco de envolver-mo-nos em rituais religiosos, sacrifícios propiciatórios (algumas vezes da mais horrível natureza), e observâncias legais. Isto é inevitável, pois quando Deus é considerado como um potentado que dá ordens misteriosas, esta espécie de religião é inteiramente apropriada à situação cósmica. O melhor que se pode dizer do legalismo ritualístico é que ele aprimora a conduta. Faz pouco, na verdade, para alterar o caráter e nada, em si mesmo, para modificar a consciência.

As coisas ficam um pouco melhores quando o onipotente Deus pessoal, transcendente, é considerado também como um Pai amantíssimo. O culto sincero de tal Deus muda o caráter e também a conduta, e faz algo para modificar a consciência.

Mas a completa modificação da consciência, que é "iluminação", "libertação", "salvação", chega somente quando Deus é concebido como a Filosofia Perene no-lo afirma que Ele é — tanto imanente como transcendente, tanto suprapessoal como pessoal — e quando as práticas religiosas são adaptadas a essa concepção.

Quando Deus é considerado exclusivamente imanente, as práticas externas e o legalismo são abandonados e há uma concentração na Luz Interna. Os perigos agora são o quietismo e o antinomismo, uma modificação parcial da consciência que é inútil, e até prejudicial, porque não é acompanhada pela transformação do caráter, que é o pré-requisito necessário para uma total, completa e espiritualmente frutífera transformação da consciência.

Finalmente, é possível pensar em Deus como um ser exclusivamente suprapessoal. Para muitas pessoas esta concepção é também muito "filosófica", de modo a fornecer um motivo adequado para fazer algo prático sobre suas crenças. Portanto, para elas, não tem qualquer valor.

Seria um engano, naturalmente, supor que pessoas que cultuam um aspecto de Deus com a exclusão de todo o resto têm de, inevitavelmente, incorrer nas diferentes espécies de males acima descritas. Se não forem tão obstinadas nas suas crenças pré-fabricadas, e se se submeterem com docilidade ao que lhes acontece no processo de culto, o Deus que é tanto imanente e transcendente, como pessoal e mais que pessoal, pode revelar-se a elas em sua plenitude. Não obstante, permanece o fato de que é mais fácil alcançar nossa meta se não nos apegarmos a um conjunto de crenças errôneas e inadequadas sobre o caminho correto e a natureza do que estamos procurando.

Quem é Deus? Não posso pensar melhor resposta do que: Aquele que é. Nada é mais apropriado à eternidade de Deus do que sentir que Ele é. Se chamarmos a Deus bom, grande, abençoado, sábio, ou qualquer coisa dessa espécie, tudo está incluído nesta frase: Ele é. S. Bernardo