Página inicial > Sophia Perennis > Leo Schaya > Schaya: Ser Humano na Cabala

Schaya: Ser Humano na Cabala

segunda-feira 1º de janeiro de 2024, por Cardoso de Castro

  

Leo Schaya  : O HOMEM E O ABSOLUTO SEGUNDO A CABALA  

O Zohar   faz alusão ao Mistério da metamorfose do ser individual no ser universal do homem, nas passagens seguintes: “Da criação do homem (individual) a Escritura diz (Jó, X,11): “Tu me revestistes de pele e carne, Tu me firmastes de ossos e nervos”. O que é então o homem? É feito de pele, de carne, de ossos e de nervos? Não, é a alma que constitui realmente o homem; a pele, a carne, os ossos e os nervos só formam seu envelope, seu “hábito” , mas não são de modo algum o homem ele mesmo. Quando o homem morre, é despojado de todos estes envelopes (e sua alma continua a viver além do plano corporal)”. “E YHWH Elohim toma o homem e o põe no Jardim do Éden, afim que o cultivasse e o guardasse” (Gen II, 15). Do onde o tomou? Ele o tomou (a saber seu corpo) dos quatro elementos, aos quais é feita alusão no versículo 10: “... e daí, ele (Avir, o Éter, a “Quintessência” indistinta dos quatro elementos) se dividia em quatro braços”. “Deus separou o homem destes quatro elementos (os reintegrando no Éter, que reside em seu coração e envelopa sua alma de uma maneira homogênea, translúcida, indistinta; esta última, liberada das condições corporais, reencontra então sua “Forma” supra-individual ou universal: Metatron), e (Deus) o pôs no Jardim do Éden (o Mundo da Criação espiritual, pleno da única Shekinah; é assim que Deus age com os homens, formados dos quatro elementos; quando estes homens fazem penitência e se consagram ao estudo da Torá, Deus os separa dos elementos dos quais foram formados”. Trata-se, verdadeiramente, não somente dos quatro elementos corporais, mas também dos quatro elementos sutis ou psíquicos, dos quais é constituída a individualidade humana, a saber: Nephesch (lit. “vitalidade”), a “alma animal”; Ruah (lit. “ar” ou “vento”), a “alma mental”; Neschamah (lit. “sopro”), a “alma sagrada”, espiritual; e Hayah, a “alma (eternamente) vivente”. Estes quatro elementos anímicos saíram de uma só “Quintessência” indistinta: Yehidah, a “Alma Única” e divina; eles têm seu pendor macrocósmico nos quatro Hayoth ou “Seres Viventes” e angélicos da Visão de Ezequiel que, eles, “estão sob a ordem do Chefe (Metatron, seu Princípio comum) denominado Nome do Mestre: Shaddai (o Todo-Poderoso. Ora, quando, na transformação espiritual do homem, os quatro elementos corporais se reintegram no Avir, os quatro elementos psíquicos, por repercussão ascendente, se recolhem, por sua vez, na Yehidah, a “Alma Única, que se identifica em sua natureza substancial ao Éter, e em sua natureza espiritual a Metatron e, por ele, à Shekinah. Eis porque é dito que “o homem, quando tenha observado a Lei, dominará os quatro elementos (corporais e suas causas imediatas, sutis ou psíquicas), que se transformam em um (só) rio (uma só Emanação divina: Shekinah-Metatron-Avir, do qual ser alimentado (em todos os graus — espiritual, sutil e corporal — de seu ser manifestado).

Destacando o homem individual dos quatro elementos corporais e de suas causas sutis, quer dizer em recolhendo toda a diferenciação individual do homem em seu centro único, Deus o transforma no Homem supra-individual ou universal, cujo “corpo” é Avir, cuja “alma” é Metatron e cujo “espírito” é a Shekinah. Se Deus é a Causa Primeira desta transformação, o homem dela é a causa segunda: ele coopera ativamente a sua própria universalização e “santificação”, pelo estudo e a observação da Lei revelada, que o conduz à “penitência”, quer dizer ao recolhimento de todas suas possibilidade individuais em seu centro comum e divino. é o que se chama a concentração espiritual sobre Deus, no qual o homem, pela absorção de seus cinco sentidos corporais e o recolhimento de sua alma diferenciada em sua essência única, provoca — no seio de seu ser, e com a ajuda de Deus — a união dos elementos corporais e sutis, na única Imanência Divina; e esta “união de em baixo provoca a união de em cima”, aquela do ser imanente com o Transcendente.


Adin Steinsaltz   (Adin Even Yisrael) Excertos de "A Rosa de Treze Pétalas". Maayanot, 1992.

A alma humana, dos seus níveis mais baixos até os mais altos, é uma entidade única e singular, apesar de ter muitas facetas. Em seu ser mais profundo, a alma do homem é uma parte do Divino e, a este respeito, é uma manifestação de D-us no mundo. Com certeza, o mundo como um todo pode ser visto como uma manifestação divina, mas o mundo permanece algo diferente de D-us, enquanto que a alma do homem, em suas profundezas, pode ser considerada como uma parte de D-us. De fato, somente o homem, em virtude de sua alma divina, tem o potencial e algo da capacidade real, de D-us em Si Mesmo. Este potencial se expressa como a capacidade de ir além dos limites de uma existência dada, de deslocar-se livremente, e escolher outros caminhos, possibilitando ao homem atingir as maiores alturas — ou cair nos infernos mais profundos. Em outras palavras, é o poder de querer e de criar.

Portanto, do livre-arbítrio do homem deriva seu único potencial, do fato que é uma parte da vontade divina, sem limites e sem restrição. O poder criativo do homem também é derivado do mesmo poder divino de criar coisas que nunca existiram antes, destruir coisas que já existem, e inventar novas formas. Neste sentido, também, o homem é feito à imagem de D-us.

É compreensível que o Divino não apareça no homem em toda a infinitude do seu ser; e falamos somente de um aspecto de D-us, ou de uma faísca divina, que constitui a essência da vida interior do ser humano. Por mais velada e mascarada que esteja, em seu contexto mais amplo a raça humana também pode ser considerada como manifestação de D-us no mundo. E cada pessoa é uma parte intrínseca desta divina fonte de luz, o ponto da essência. Este ponto essencial e fonte é conhecido num certo nível como a Shekhinah, e em outro nível, como Knesset Israel, o poder vitalizante divino, que dá vida ao mundo. Knesset Israel é o reservatório onde todas as almas do mundo estão contidas como uma essência única, apesar de não se revelar como tal, porque no mundo, apenas um brilho das faíscas da santidade em certas pessoas é revelado. Então, toda alma é um fragmento da luz divina. Como faísca, uma parte que contém algo do todo, a inteireza essencial da alma não pode ser alcançada se não pelo esforço, através do trabalho com o todo maior.

No entanto, apesar de todos os laços que unem a alma individual com uma fonte superior ou com todas as outras almas, cada faísca particular, cada alma individual é única e especial, em termos de sua essência, sua capacidade, e o que dela se exige. Não há duas almas que coincidam em suas ações, funções e caminhos. Nenhuma alma pode tomar o lugar de outra, e nem o maior dos maiores pode preencher a função especial, o lugar especial, de outro que talvez seja o menor dos menores. Desta noção, aliás, deriva o profundo respeito do judaísmo pela vida humana. A vida de uma pessoa é algo que não tem substituto nem troca possível; nada, nem ninguém, pode ocupar o seu lugar.

A alma como existência primordial — ou seja, antes de sua conexão com o Mundo da Ação, ou mundo físico — já é portanto uma entidade espiritual diferente, no sentido de que ela é uma combinação especial de várias Sefirot de mundos diferentes. Nenhuma alma pertence somente a uma Sefirah, apesar que em toda alma há uma tendência a manifestar mais de uma Sefirah que de outras. Geralmente, as almas são produto de combinações entre Sefirot; e pode haver centenas e milhares dessas combinações numa vasta variedade de formas, numa única alma. Então, pode-se dizer que as almas diferem de acordo com a diferença nas Sefirot que forma a combinação e na própria combinação, assim como no nível dos mundos dos quais a alma é manifestada. Tudo isso ainda está no campo de ação espiritual e abstrato.