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Perenialistas Beatitudes

sexta-feira 29 de dezembro de 2023, por Cardoso de Castro

  

PERENIALISTAS — Sermão da Montanha

Frithjof Schuon  : O ESOTERISMO COMO PRINCÍPIO E COMO VIA

O Véu que se abre suavemente representa a acolhida em alguma bem-aventurança; o Véu que se abre de forma brusca — ou o rasgamento do Véu — significa, pelo contrário, um fiat lux súbito, uma iluminação deslumbrante, um satori como diriam os zenistas, caso não seja — na escala cósmica — um dies irae: a irrupção inesperada de uma Luz celeste simultaneamente vingadora e salvadora, enfim equilibrante. Quanto ao Véu que se fecha de forma suave, ele o faz caridosamente e sem intenção de rigor; se, pelo contrário, se fecha bruscamente, representa uma desgraça.
A virtude una, ou a devoção substancial, é repousar no Ser, simultaneamente transcendente e imanente, estando sacramentalmente presente hic et nunc. Por participar da sua própria essência, toda virtude é uma forma de adoração e, portanto, de bem-aventurança.
...a Infinidade é, de certa forma, a aura do Absoluto, ou Maya é a shakti de Atma e, consequentemente, toda hipóstase do Real absoluto — qualquer que seja o grau — faz-se acompanhar de uma resplandecência que poderíamos procurar definir com a ajuda das noções de "harmonia", de "beleza", de "bondade", de "misericórdia" e de "bem-aventurança".

François Chenique  : O IOGA ESPIRITUAL DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS  

No Antigo Testamento  , a bem-aventurança é a do homem piedoso, que observa a Lei de Deus e medita sobre ela dia e noite [1]; o Novo Testamento abre-se com o Sermão da Montanha e com as bem-aventuranças (Mat. V, 1-12), que são os frutos perfeitos [2] das virtudes e dos dons do Espírito Santo entre os cristãos [3].

— A primeira bem-aventurança (os pobres de espírito) corresponde ao dom do Temor, pois o que teme a Deus não procura toe glorificar, nem ser glorificado pelos seus bens materiais.

— A segunda bem-aventurança (os mansos) corresponde ao dom da Piedade, que cria em nós uma afeição verdadeira por Deus e pelo próximo.

— A terceira bem-aventurança (os que choram) corresponde ao dom da Ciência, porque os que são enganados pelas criaturas adquirem a verdadeira ciência de Deus.

— A quarta bem-aventurança (os que têm fome de justiça) corresponde ao dom da Força, porque a busca insaciável das obras de justiça pressupõe uma força divina.

— A quinta bem-aventurança (os misericordiosos) corresponde ao dom de Conselho, que nos mostra a caridade para com Deus e o próximo como a mais importante das virtudes.

— A sexta bem-aventurança (os corações puros) corresponde ao dom da Inteligência, que nos abre para a contemplação das coisas divinas.

— A sétima bem-aventurança (os pacíficos) corresponde ao dom da Sabedoria, que dispõe todas as coisas para seu fim supremo e as pacifica, impondo-lhes a ordem desejada por Deus.

— A oitava bem-aventurança (os perseguidos) confirma as sete bem-aventuranças precedentes, porque elas pressupõem, todas, uma certa forma de perseguição ou de sofrimento.

As bem-aventuranças são como que o sinete divino na alma, testemunho da ação dos dons e sinal visível do progresso espiritual. Eis como Santo Boaventura  , citando Hughes de Saint-Victor, explica os três graus do caminho do conhecimento: "A fé, avançando em três etapas, dirige-se e sobe para a sua perfeição: de início ela acolhe a doutrina segundo a piedade; a seguir ela a aprova segundo a razão; enfim, ela a apreende segundo â verdade. A partir disso tem-se a impressão que também é tríplice a forma de saber: primeiramente, a confiança de uma aprovação piedosa; em segundo lugar, a aprovação de uma justa razão; em terceiro lugar, o uso da contemplação pura. Um se refere à posse e ao uso de uma virtude que é a fé; o outro, à posse e ao uso de um dom, o da inteligência; o último, à posse e ao uso de uma bem-aventurança, que é a pureza de coração" [4].

Enfim, Deus pode ser interpretado e conhecido pelos cinco sentidos espirituais, que são funções especiais dos dons de Inteligência e Sabedoria [5]. Eis o que escreve Santo Agostinho  , em suas Confissões: "Que é que eu amo, quando vos amo? não é a beleza dos corpos, nem sua graça perecível, nem o brilho da luz — essa luz tão cara a meus olhos —, nem as doces melodias das cantilenas em tons variados, nem o suave perfume das flores, nem o maná, nem o mel, nem os membros feitos para os abraços da carne. Não, não é tudo isso que eu amo, quando amo meu Deus. Contudo, é uma luz, uma voz, um perfume, um alimento, um abraço, que eu amo, quando amo meu Deus: é a luz, a voz, o perfume, o alimento, o abraço do homem interior que está em mim, lá onde resplandece para a minha alma uma luz que não tem limites, onde se desenvolvem melodias que o tempo não leva consigo, onde se exalam perfumes que o sopro do vento não dissipa, onde se toma um alimento que voracidade alguma faz desaparecer, e há abraços que saciedade alguma possa desfazer; eis o que amo, quando amo meu Deus!" [6].

São Boaventura explica assim a função dos sentidos espirituais: "Os sentidos espirituais designam percepções mentais da verdade contemplada. Essa contemplação existiu nos profetas, pela revelação, em tríplice visão, corporal, imaginativa e intelectual; nos outros justos, ela parte da especulação que começa nos sentidos e vai ter à razão, da razão ao intelecto, da inteligência à sabedoria, ou conhecimento excessivo que começa nesta vida e se completa na glória eterna" [7]; depois ele declara: "Então, o homem está preparado para a contemplação, para a visão e para o abraço do esposo e da esposa, que aparecem quando ele possui os sentidos espirituais pelos quais vê a soberana beleza de Cristo esposo sob o aspecto do Esplendor, ele ouve a harmonia soberana sob o aspecto do Verbo, saboreia a doçura "soberana sob o aspecto da Sabedoria, que compreende os dois aspectos precedentes, o Verbo e o Esplendor, ele cheira o perfume soberano sob o aspecto do Verbo inspirado no coração, ele abraça a soberana suavidade sob o aspecto do Verbo encarnado que habita em nós corporalmente, deixando-se tocar, abraçar, estreitar pela caridade ardente, que através do êxtase e do transporte leva nosso espírito a passar deste mundo para o Pai" [8].


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[1Salmo I: Bem-aventurado o varão que não se deixou ir após o conselho dos ímpios, e que não se deteve no caminho dos pecadores e que não se assentou na cadeira da pestilência, mas sua vontade está posta na Lei do Senhor, e na sua Lei meditará de dia e de noite.

[2Dizemos "frutos perfeitos" para os distinguir dos frutos enumerados segundo Gal. V, 22-23, e do qual já falamos na meditação correspondente ao caminho da devoção. Para uma discussão sutil desses pontos, v. S. Teo. I, II, q. 70.

[3Existem vários sistemas de correspondência entre os dons e as bem-aventuranças; seguimos aquele comumente tirado de São Tomás, que cita, com frequência, opiniões diferentes da sua. As referências estão na IIa IIae para as sete bem-aventuranças: q. 19, a. 12; q. 121, a. 2; q. 9, a. 4; q. 139, a. 2; q. 52, a. 4; q. 8, a. 7; q. 45, a. 6; para a oitava bem-aventurança: I, II, q. 69, a. 3, ad 5 e q. 69, a. 4, ad. 2; v., igualmente, J. Goettmann. Tobie, cap. XVII: Das bem-aventuranças do peregrino de Jerusalém.

São Boaventura desenvolve as mesmas correspondências em Breviloquium, 5.a parte, c. 6, n. 5: "O temor dispõe, pois, à pobreza de espírito. A piedade dispõe à doçura, porque aquele que ama alguém não o irrita e não é irritado por ele. A ciência dispõe às lágrimas, porque sabemos, pela ciência, que estamos afastados do estado de beatitude, neste vale de miséria e de lágrimas. A força dispõe à fome de justiça, porque o que é forte prende-se tão avidamente à justiça, que prefere deixar a vida corporal e não deixar a justiça. O conselho dispõe à misericórdia e coloca esse ato acima de todos os holocaustos. A inteligência dispõe à pureza de coração, porque a especulação da verdade purifica nosso coração de todas as imaginações. A sabedoria dispõe à paz, porque a sabedoria nos une ao verdadeiro e ao bem soberano nos quais se encontram o fim e a tranquilidade de todo o nosso vivo desejo racional".

[4Sermão: Único é vosso Mestre, o Cristo; Bougerol. Op. cit., p. 72. São Tomás (I, II, q. 69, a. 3 e 4) nota que as três primeiras bem-aventuranças voltam-se contra a vida voluptuosa; as riquezas e as honras são substituídas pelo Reino dos Céus (1.° b.), as paixões mundanas são substituídas pela posse tranquila da terra (2.° b.), as tristes consequências das paixões são substituídas pela consolação divina (3.° b.). As duas bem-aventuranças seguintes referem-se à vida ativa: cumprir as obras de justiça (4.° b.), o que supõe certa fome de justiça, e amar ao próximo (5.° b.), que nos faz amar a Deus. As duas últimas bem-aventuranças referem-se à vida contemplativa: a pureza de coração (6.° b.) dispõe à visão divina, e a paz com o próximo (7.° b.) é a marca dos imitadores de Deus.

[5Não se deve confundir o sentido espiritual com o sentido imaginativo: estes são usados em algumas formas de contemplação; v., por exemplo, a aplicação dos cinco sentidos ao mistério da Natividade, no início da segunda semana dos exercícios de Santo Inácio. Ao dom da Inteligência estão ligados a vista e o ouvido espirituais; ao dom da Sabedoria estão ligados o paladar, o olfato e o tato espirituais.

[6Confissões, 1, cap. VI, trad. Labriolle, ed. Les Belles Lettres. São Boaventura oferece um texto muito belo sobre os sentidos espirituais em Itinerarium (IV, 3), onde ele os liga às três virtudes teologais, e onde deixa bem claro que se trata de um dom, é mais de uma experiência do coração do que de uma consideração racional.

[7Breviloquim. 5.a parte, cap. 6, n. 7.

[8Ibid., n. 6. V. também as notas, muito abundantes e muito ricas, da quinta parte do Breviloquium das Éditions franciscaines, p. 144-47.