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Invariável Meio

terça-feira 30 de abril de 2024

  

Encontraremos uma outra significação do Centro como o que é propriamente o "meio", o ponto equidistante de todos os pontos da circunferência, e que divide todos os diâmetros em duas partes iguais. No que dizíamos antes, o Centro era considerado de algum modo anterior à circunferência, que só tinha realidade pela irradiação dele; agora, é considerado em sua relação com a circunferência realizada, isto é, trata-se da ação do Princípio no seio da criação. O meio entre os extremos representados pelos pontos opostos da circunferência é o lugar em que as tendências contrárias, tocando seus extremos, neutralizam-se por assim dizer e permanecem em perfeito equilíbrio. Certas escolas de esoterismo muçulmano, que atribuem à cruz um valor simbólico da maior importância, dão o nome de "estação divina" (el-maqamul-ilahi) ao centro da cruz, que designam como o lugar em que se unificam todos os contrários e se resolvem todas as oposições. A ideia que se exprime aqui de modo mais particular é a de equilíbrio, que se identifica à de harmonia; não são duas ideias diferentes, mas apenas dois aspectos de uma mesma ideia.

Existe ainda um terceiro aspecto, ligado mais em particular ao ponto de vista moral (embora passível de receber também outras significações), que é a ideia de justiça. Pode-se relacionar o que dissemos aqui à concepção platônica segundo a qual a virtude consiste em um justo meio entre dois extremos. De um ponto de vista muito mais universal, as tradições extremo-orientais falam seguidamente do "Invariável Meio", que é o ponto em que se manifesta a "Atividade do Céu", e, segundo a doutrina hindu, no centro de todo ser e de todo estado da existência cósmica, reside um reflexo do Princípio Supremo.

O próprio equilíbrio, aliás, nada mais é que o reflexo, na ordem da manifestação, da imutabilidade absoluta do Princípio. Para considerar as coisas sob essa nova relação, é preciso olhar a circunferência como estando em movimento em torno de seu centro, o qual não participa desse movimento. A própria ideia de roda (rota) evoca de imediato a ideia de rotação, e essa rotação é a representação da mudança contínua a que estão submetidas todas as coisas manifestadas. Nesse movimento, só há um ponto que permanece fixo e imutável: o Centro. Isso nos leva de volta às concepções cíclicas sobre as quais dissemos algumas palavras anteriormente: o percurso de um ciclo qualquer, ou a rotação da circunferência, é a sucessão, seja sob o modo temporal, seja sob outro qualquer. A fixidez do Centro é a imagem da eternidade, em que todas as coisas são apresentadas em perfeita simultaneidade. A circunferência só pode girar ao redor de um centro fixo; do mesmo modo, a mudança, que não é suficiente por si mesma, supõe necessariamente um princípio exterior à mudança: é o "motor imóvel" de Aristóteles, também representado pelo Centro. 0 Princípio Imutável é.por conseguinte e ao mesmo tempo, tudo aquilo que existe, muda ou se move; e não há realidade que, consequentemente, não dependa totalmente dele. E é isto que dá ao movimento seu impulso inicial e, também, o que a seguir o dirige e o governa; aquilo que lhe dá sua lei, pois a conservação da ordem do mundo é apenas uma espécie de prolongamento do ato criador. Ele é, segundo uma expressão hindu, o "ordenador interno" (antaryamf), pois dirige todas as coisas do interior, residindo ele próprio no ponto mais interior de todos, que é o Centro. [Guénon]


Ver online : René Guénon