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Cabiros

segunda-feira 29 de abril de 2024

  

ALQUIMIA   — CABIROS

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Pierre Gordon  : IMAGEM DO MUNDO NA ANTIGUIDADE
Os Cabiros são os iniciadores e os iniciados cuja energia sobrenatural se confunde com aquela da colina sagrada.
No Afeganistão, a capital, foi inicialmente denominada Caburra, e sua famosa cidadela foi um centro dos Cabiros.

René Alleau  : ASPECTS DE L’ALCHIMIE TRADITIONNELLE

Tais foram os «teurgos do Fogo», os «Deuses Fortes», os «Poderosos», os robustos Cabiros da Samotrácia cujos pés tocavam os abismos de Hefesto-Vulcano e o chapéu cônico ou estrelado, os abismos incandescentes de Hélio-Apolo, enquanto do alto até em baixo e de baixo até o alto, em um movimento incessante, circulava o verbo de Hermes.

Hermes, Hélio, Hefesto, tal deve ser com efeito a tríade cabírica velada sob os nomes de Axieros, Axiokersos e Axiokersa, que nos transmitiu o historiador Mnaseas, segundo o escoliaste Apolônio de Rodes, fragmento preciosos dos dogmas originais sobre os quais repousavam os mistérios de Samotrácia.

Estes nomes estranhos parecem não ter recebido até o presente nenhuma etimologia verdadeira embora se tenha relacionado seja ao copto, seja ao hebreu, ou ao grego. Sem pretender resolver definitivamente o problema, propomos aí ver, por um lado um radical indo-europeu comum «Aks», atestado pelo sânscrito «aksah», pelo grego «axon», pelo latino «axis», termo que tem o sentido primitivo de «eixo das rodas», e derivado de «eixo, por outro lado, duas outras raízes indo-europeias, a primeira «Er», atestada pelo grego «Eros» e «oros», pelo védico «arta», pelo sânscrito «rnoti», pelo latim «ortus», «oriens», termo cujo sentido implica a noção de «uma luz que começa, de elevar luminosos, de uma origem», o segundo, «kerd» que significa «o coração», grego «ker, kardia», hitita «kardis», velho eslavo «kerda».

«Axieros» nos parece portanto uma deformação de «Aks-Eros», derivado de duas raízes «Aks» e «Er» enquanto «Axiokersos» e «Axiokersa» representariam derivações de duas raízes «Aks» e «Kerd». Segundo esta etimologia possível, «Axieros» significaria «o eixo da luz original», e «Axiokersos, Axiokersa», o «eixo do coração», segundo dois polos, positivo e negativo.

Se consideramos o primeiro termo da tríade, «o eixo da luz original», vê-se que, em relação a ele, o segundo e o terceiro termos não são distintos mas constituem uma mesma realidade: «o eixo do coração». Partindo de seu princípio, a tríade se afirma uma díade composta de dois termos complementares: «a «luz original» e o «coração». Nestas condições, o centro do «coração» está situado sobre o eixo da «luz original» e o centro da interioridade corresponde assim à natureza original, eterna, do ser, noção que se refere diretamente à metafísica indo-europeia tradicional. «Menor do que é o mais diminuto, maior do que é o mais grandioso, o Atman repousa, oculto, no coração da criatura. Quem, senão nosso próprio atman, é capaz de conhecer este Deus ao qual não se pode conceber nenhum atributo?» está escrito no Katha Upanixade  .

Entre o Logos que Platão, no «Crátilo  » identifica a Hermes e Axieros, primeiro termo da tríade cabírica, existe um semelhança essencial. Sem dúvida conviria se desejamos compreender a dimensão do idealismo platônico, mostrar que este Logos principial é distinto do Logos-Hélio que representa a razão manifestada, o inteligível, e do Logos-Hefesto que anima, pelo desejo, as forças múltiplas da natureza. Pois é a esta terceira hipóstase do Logos que está relacionada a figura de Kora e de Vênus-Afrodite, a saber a ideia formalmente projetada.

A associação constante nos monumentos e medalhões lembra o papel fecundante que a religião antiga atribuía ao Verbo e como o Hermes-Logos, pela mediação do Hermes-Kadmon, se torna Hermes-Ctônio, como «se faz carne e habita entre nós». Assim também, em virtude da ligação constante das divindades agrárias e das infernais, Hermes é denominado «psicopompo» ou «guia das almas», agindo no Céu, na Terra e nos Infernos, como o mestre dos «três mundos» que evoca o tri-reino pontifical. Enfim, se adicionamos a Hermes-Logos, a Hermes-Ctônio, a Hermes-Kadmon, a Hermes Psicopompo, a encarnação itifálica de Hermes, pai de Pan e protetor dos rebanhos, encontra-se os cinco aspectos fundamentais de Mercúrio que já distinguia Cícero que, lembremos, iniciado nos mistérios de Samotrácia.

Axieros ou Hermes-Logos, se não parece humanamente concebível, não é menos conhecível na medida que o «coração», embora represente senão um ponto de uma linha infinita, tem sua capacidade de conhecimento de sua identidade consubstancial central com a «luz original». Assim uma centelha participa da natureza do fogo sem que se possa confundi-la com o fogo ele mesmo. A «Palavra proferida» que o «eixo do coração» em relação à «Palavra interior ao Princípio» que parece ser o «eixo da luz original» permanece una, enquanto «Palavra» com o Logos supremo, e manifestamente distinta daquele pelo abismo que atravessa, só, o raio silencioso e obscuro da «Vontade do Princípio» que aparece à criatura sob o duplo aspecto do Amor e da Lei cujas duas «rodas» giram ao redor dos «polos» da «luz manifestada», a saber do «Sol, e da «forma» ou da «Lua».

O segundo termo da tríade cabírica, «Axiokersos», corresponde verdadeiramente, com efeito, à «roda solar» e a Hélio-Apolo. O nome de «Hélio», cretense, «Abelios» e as formas semíticas «Bel» ou «Hel», parecem repousar sobre uma raiz axial comum «El» que significa «ir», o que atestam as formas indo-europeias «El-u», «El-i» que têm o sentido de «subi», «saí». Esta raiz toma por vezes a forma «Ei» ou «I», com o mesmo sentido de «ir», sânscrito «Eti», «vai», velho eslavo «Ido», «vou». De certa maneira, a divindade solar representa, primitivamente, «aquele que vai», aquele que anda», o «viajante».

Quanto ao terceiro termo da tríade cabírica, Axiokersa, nos apoiaremos sobre o caráter muito geral do mito da grande-deusa geradora da natureza, tal qual aparece, sob uma indefinidade de formas, nas religiões antigas, para insistir na constante ambiguidade dos atributos da Vênus primitiva e, em particular, da Vênus síria. Sabe-se, pelas pesquisas de Félix Lajard sobre os símbolos e os monumentos de Vênus, que a deusa é frequentemente de natureza andrógina. Provavelmente, pensamos, que o casal Hefesto-Afrodite, Vulcano-Vênus, não constituía primitivamente senão uma mesma divindade, mestre do Céu e dos Infernos, rainha da Terra, ligada aos cultos de fecundidade e de fertilidade. Sem dúvida, seria possível ligar esta androginia ao hermafroditismo atribuído a Hermes mas é mais simples admitir que a Lua considerada, seja ora como fecundante, ora como fecundada, ora como fêmea, devia, desde época remota, possuir este duplo caráter.

Considerando a relação entre «metal» e «fusão», sendo aplicada à «fusão de naturezas» e à «fusão mística unitiva», e por outro lado, o terceiro termo da tríade cabírica, Hefesto-Afrodite, testemunha-se a androginia da «Grande Deusa Mãe primitiva designada pelo nome Axiokersa que se exprime pelo simbolismo duplo da «água-fogo» e do «fogo-água», da «água-ígnea» e do «fogo aquoso», simbolismo essencial metalúrgico.