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Trithemius Magia

domingo 31 de dezembro de 2023, por Cardoso de Castro

  

Trithemius — Epistolarium familiarum
J. Tritheim, carta de 25 de novembro de 1506 ao margrave de Brandenburg, texto latino: Epistolarium familiarum (1536, Huguenau), trad.: P. Chacornac, Grandeur et adversité de Jean Trithème, Éditions Traditionnelles, 1963, p. 63-68.
Magia
Oxalá a distância que nos separa fosse mais curta e que nenhuma preocupação com relação aos assuntos domésticos me retivesse, pois viria rapidamente para junto de vossa Alteza Sereníssima, para vos explicar, muito voluntariamente, os segredos mais ocultos da magia natural, que ninguém ou pouquíssimos homens, creio, é capaz de conhecer e de compreender hoje em dia.

De fato, todos aqueles que conheci, vi ou dos quais ouvi falar em magia natural, e que trabalham na composição de figuras, de anéis ou de selos, e nas operações ocultas da Natureza, não chegam a nenhum resultado, e não colhem nenhum fruto de seus trabalhos, mas após longas e inúteis operações, deixam-se levar frequentemente pelo desespero, inclinando-se para os lados frívolos e supersticiosos.

Ora, a magia natural é pura, sólida, estável e permitida, a que convém sobretudo aos príncipes, que jamais foi proibida pela Igreja, nem vedada pelo direito, pois se apoia primeiro nos princípios da Natureza e não admite superstição alguma.

A magia, entendo a magia natural, não opera somente os efeitos visíveis, mas também ilumina maravilhosamente, no conhecimento da divindade, o espírito do homem instruído nessa arte e obtém para a alma frutos invisíveis.

Mas constatamos que hoje em dia a designação magia é odiosa, vista com desdém por quase todos os homens, a ponto de eles condenarem por uma única sentença todos os que se aplicam a ela, considerando que todo uso da magia é absolutamente oposto e contrário à religião cristã. E se desejas, príncipe sereníssimo, saber o que se encontra na origem da injusta condenação dessa boa e santa ciência, ouve minha opinião.

Depois que esses antigos sábios e filósofos, príncipes e reis, perfeitamente instruídos na ciência da magia natural, deram as costas à luz, deixaram essa ciência encoberta ao estudo pelos mistérios ocultos e muito encerrados, para que o acesso fosse proibido aos indignos.

Os homens que leram seus escritos e quiseram segui-los agiram de duas maneiras. De fato, alguns dentre eles, ao lerem as experiências maravilhosas dos sábios no domínio da magia, atraídos pelo desejo e pela curiosidade, o que eles fazem atualmente apesar de tudo, começaram a praticar, segundo o aspecto exterior da leitura, não compreendendo o que liam; depois, como não obtinham nenhum resultado prometido pela operação, e também devido à sua ignorância total, rejeitaram e condenaram, de uma forma ignominiosa, como vãos, falsos, mentirosos e frívolos os livros excelentes e demonstrados pela experiência de homens inteligentes.

Outros, trabalhando sem resultado, seguindo o processo prescrito, uma vez que não obtinham proveito algum da composição das obras mágicas e porque se sentiam enganados pela promessa do autor, não admitindo estar fora do caminho, desejando ter companheiros em seu erro, prometeram muito mais do que tinham descoberto, e acrescentaram conscientemente aos livros dos sábios indicações vãs, frívolas e fabricadas. Inseriram diversas figuras, com nomes desconhecidos, nas quais deviam residir grandes segredos, e cujo conhecimento permitiria, diziam eles, executar feitos maravilhosos.

Outros ainda, não contentes em enganar os homens por meio do processo acima descrito, e com o objetivo de tornar mais confusa a magia natural, a qual não compreendiam, acrescentaram as doutrinas diabólicas, fazendo com que as obras dos sábios se tornassem de tal modo deturpadas e obscuras, que não somente não pudessem ser compreendidas e corrigidas, no momento atual, pelos indivíduos estudiosos, mas, o que é mais grave, fossem vistas como obras nefastas, supersticiosas, diabólicas, réprobas, contrárias à nossa sacrossanta fé, por quase todos os homens de bem, que não podem compreendê-las, uma vez que não as estudaram.

De modo que a magia santa e boa, outrora escrita pelos autores de uma forma correta e pura, ainda que oculta, está a tal ponto confusa e desfigurada, que a mera menção de seu nome parece provocar algo de medonho, seu nome se tornando um objeto de horror.

Em resumo, a magia nela mesma é assim detestada porque se tornou impenetrável.