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Schopenhauer (MVR2:7-10) - subjetivo e objetivo

terça-feira 25 de fevereiro de 2020, por Cardoso de Castro

  

Que o MUNDO OBJETIVO existiría ainda que não existisse ser algum que conhece parece à primeira vista algo naturalmente certo, já que se pode pensá-lo in abstracto sem que venha a lume a contradição que traz em seu interior. — Só quando se quer REALIZAR esse pensamento, vale dizer, remontá-lo a representações intuitivas, exclusivamente das quais ele (como tudo o que é abstrato) pode obter conteúdo e verdade, e assim intentar IMAGINAR UM MUNDO OBJETIVO SEM SUJEITO QUE CONHECE, é que se torna evidente que aquilo uma vez imaginado é em verdade o contrário do que foi intencionado, a saber, justamente apenas o processo no intelecto de um ser que conhece, que intui um mundo objetivo, portanto, precisamente aquilo que se queria excluir. Pois esse mundo intuitivo e real é claramente um fenômeno cerebral: por isso é contraditória a suposição de que ele também deveria existir, como tal, independentemente de todo cérebro.

A objeção principal contra a necessária e essencial IDEALIDADE DE TODO OBJETO, a objeção despertada em cada um, distinta ou indistintamente, é esta: também a minha própria pessoa é objeto para um outro, é portanto sua representação; e no entanto sei com certeza que eu existiría mesmo se esse outro não me representasse. Na mesma relação no entanto em que EU estou para com o intelecto desse outro, estão também para com ele todos os outros objetos: consequentemente estes também existiríam, mesmo se tal outro não os representasse. — A resposta é: aquele outro, de quem considero agora a minha pessoa como o seu objeto, não é em verdade O SUJEITO, mas, antes, um indivíduo que conhece. Por isso, ainda que aquele outro NÃO existisse, até mesmo se não houvesse outro ser que conhecesse senão eu mesmo, nem por isso seria suprimido o SUJEITO, em cuja representação apenas existem todos os objetos. Pois esse SUJEITO sou também eu mesmo, bem como qualquer ser que conhece. Por conseguinte, no caso admitido, minha pessoa continuaria a existir, mas de novo como representação, a saber, em meu próprio conhecimento. Pois minha pessoa é também por mim mesmo conhecida, apenas mediata e nunca imediatamente, já que todo ser-repre-sentação é algo mediato. De fato, eu conheço meu corpo como OBJETO, ou seja, como extenso, preenchendo o espaço e fazendo efeito, tão somente na intuição de meu cérebro: esta é mediada pelos sentidos, com cujos dados o entendimento que intui executa a sua função, que é passar do efeito à causa e, assim, na medida em que o olho vê o corpo, ou as mãos o tocam, constrói a figura espacial que se expõe no espaço como meu corpo. Contudo, de modo algum me são dadas imediatamente, seja no sentimento comum do corpo ou na autoconsciência interna, uma extensão, figura e atividade que coincidiriam com o meu ser mesmo, o qual para existir assim não precisaria de nenhum outro em cujo conhecimento se apresentasse. Antes, aquele sentimento comum, bem como a autoconsciência, existe imediatamente só em referência à VONTADE, vale dizer, como algo confortável ou desconfortável, e como ativo nos atos da vontade que se expõem para a intuição exterior como ações corporais. Daí segue-se que a existência de minha pessoa ou de meu corpo COMO ALGO EXTENSO E QUE FAZ EFEITO pressupõe sempre um SER QUE CONHECE distinto dele: porque é essencialmente uma existência na apreensão, na representação, portanto, uma existência PARA UM OUTRO. Em realidade, trata-se de um fenômeno cerebral, não importando se o cérebro no qual ele se apresenta pertence à própria pessoa, ou a um estranho. No primeiro caso, então, a própria pessoa cinde-se em conhecedor e conhecido, em sujeito e objeto, os quaps aqui, como em toda parte, confrontam-se de forma inseparável e incompatível. — Portanto, se minha própria pessoa para existir como tal precisa sempre de um conhecedor, o mesmo, pelo menos, vale em relação aos demais objetos, para os quais a objeção acima reivindicava uma existência independente do conhecimento e seu sujeito.

Entrementes, compreende-se fácil que a existência condicionada por um conhecedor é única e exclusivamente a existência NO ESPAÇO, por conseguinte, a de algo extenso e que faz efeito: apenas esta é uma existência sempre conhecida, portanto, para um outro. Decerto, tudo o que existe dessa forma pode ainda ter uma EXISTÊNCIA PARA SI MESMO, para a qual sujeito algum é requerido. No entanto, essa existência para si mesmo não pode ser a extensão e a atividade (que juntas preenchem o espaço); mas é necessariamente uma existência de outro gênero, a saber, a da COISA EM SI MESMA, que justamente enquanto tal jamais pode ser OBJETO. — Esta seria, pois, a resposta à objeção principal acima levantada, que, por consequência, não invalida a verdade fundamental de que o mundo existente objetivamente só pode existir na representação, portanto, só para um sujeito.

Observe-se aqui que também Kant  , pelo menos enquanto permaneceu consequente, não pôde ter pensado OBJETO algum sob sua coisa em si. Pois ele já parte do fato de ter demonstrado que o espaço, tanto quanto o tempo são uma mera forma de nossa intuição, por consequência, não pertencem às coisas em si. Ora, o que não está no espaço, nem no tempo, também não pode ser objeto: nesse sentido, o ser das coisas em si não pode ser objetivo, mas apenas de um gênero completamente diferente, vale dizer, um ser metafísico. Segue-se que, naquele princípio kantiano, reside também o de que o mundo OBJETIVO existe só como REPRESENTAÇÃO. (p. 7-10)


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