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Schopenhauer (MVR1): minha vontade

quinta-feira 25 de janeiro de 2024, por Cardoso de Castro

  

Please write here thPortanto, apenas do lado indicado, apenas na medida em que é representação, consideramos o mundo neste primeiro livro. Todavia, que semelhante consideração, sem prejuízo de sua verdade, seja unilateral, consequentemente produzida por uma abstração arbitrária, anuncia-se a cada um pela resistência interior com a qual aceita o mundo como sua mera representação. Aceitação a que, por outro lado, nunca pode furtar-se. A unilateral idade dessa consideração, entretanto, o próximo livro complementará mediante uma verdade — não tão imediatamente certa quanto à verdade da qual partimos — à qual só a investigação mais aprofundada, a abstração mais difícil, a separação do diferente e a unificação do idêntico podem conduzir: tal verdade, que tem de ser deveras séria e grave para cada um, quando não terrível, e que cada um justamente pode e tem de dizer, soa: “O mundo é MINHA VONTADE”. [MVR1: §1]

Por fim, o conhecimento que tenho da MINHA VONTADE, embora imediato, não se separa do conhecimento do meu corpo. Conheço MINHA VONTADE não no todo, como unidade, não perfeitamente conforme sua essência, mas só em seus atos isolados, portanto no tempo, que é a forma da aparência de meu corpo e de qualquer objeto: por conseguinte, o corpo é condição de conhecimento da MINHA VONTADE. Por consequência, não posso, propriamente dizendo, de modo algum representar a vontade sem representar meu corpo. No ensaio sobre o princípio de razão, à vontade, ou, antes, o sujeito do querer, já era tratado como uma classe especial de representação ou objeto: lá vimos esse objeto coincidindo com o sujeito, quer dizer, cessando de ser objeto; naquela ocasião denominamos essa coincidência milagre: em certo sentido todo o presente livro é um esclarecimento de tal milagre. — Ora, na medida em que conheço MINHA VONTADE propriamente dita como objeto, conheço-a como corpo: com isso me encontro novamente em meio à primeira classe de objetos abordada no ensaio sobre o princípio de razão, ou seja, em meio aos objetos reais. Na sequência perceberemos cada vez mais nitidamente que essa primeira classe de representações recebe seu esclarecimento, sua decifração apenas pela quarta classe de representações abordada naquele mesmo ensaio, classe esta que em realidade não se encontra em oposição, como objeto, ao sujeito; em função disso temos de compreender a essência íntima da lei de causalidade, válida na primeira classe, e o que ocorre em conformidade com essa lei, a partir da lei de motivação, que rege a quarta classe. [MVR1: §18]

A identidade da vontade com o corpo, aqui provisoriamente apresentada, pode ser evidenciada apenas do modo como foi feito aqui pela primeira vez, e como continuará sendo cada vez mais na sequência de nossa exposição; noutros termos, ela pode ser elevada da consciência imediata, do conhecimento in concreto, ao saber da razão, ou ser transmitida ao conhecimento in abstracto: porém, segundo sua natureza, nunca pode ser demonstrada, isto é, deduzida como conhecimento media to a partir de outro mais imediato, justamente porque se trata ali do conhecimento mais imediato; se não a concebemos e fixamos desse modo, em vão esperaremos obtê-la novamente de maneira mediata como conhecimento deduzido. Trata-se de um conhecimento de ordem inteiramente outra, cuja verdade, justamente por isso, não pode ser incluída nas quatro rubricas por mim arroladas no § 29 do ensaio Sobre o princípio de razão, que reparte todas as verdades em lógica, empírica, metafísica e metalógica: pois agora a verdade não é, como nos outros casos, a referência de uma representação abstrata a outra representação, ou à forma necessária do representar intuitivo ou abstrato; mas é a referência de um juízo à relação que uma representação intuitiva, o corpo, tem com algo que absolutamente não é representação, mas toto genere diferente dela, a saber: vontade. Gostaria, por conta disso, de destacar essa verdade de todas as demais e denominá-la VERDADE FILOSÓFICA. A expressão da mesma pode ser dita de diversas maneiras: meu corpo e MINHA VONTADE são uma coisa só; ou, o que como representação intuitiva denomino meu corpo, por outro lado denomino MINHA VONTADE, visto que estou consciente dele de uma maneira completamente diferente, não comparável com nenhuma outra; ou, meu corpo é a OBJETIDADE da MINHA VONTADE; ou, abstraindo-se o fato de que meu corpo é minha representação, ele é apenas MINHA VONTADE etc. [MVR1: §18]

Quando, elevados pela força do espírito, nós deixamos de lado o modo comum de consideração das coisas, cessamos de seguir suas relações mútuas conforme o princípio de razão, cujo fim último é sempre a relação com a própria vontade; logo, quando não mais consideramos o Onde, o Quando, o Porquê e o Para Que das coisas, mas única e exclusivamente o seu QUÊ; noutros termos, quando o pensamento abstrato, os conceitos da razão não mais tomam conta da consciência, mas, em vez disso, todo o poder do espírito é devotado à intuição, afundando-nos completamente nesta, e a consciência inteira é preenchida pela calma contemplação do objeto natural que acabou de se apresentar, seja uma paisagem, uma árvore, um penhasco, uma construção ou outra coisa qualquer; quando, conforme uma significativa expressão germânica, a gente se PERDE por completo nesse objeto, isto é, esquece o próprio indivíduo, a própria vontade, e permanece apenas como claro espelho do objeto: então é como se apenas o objeto ali existisse, sem alguém que o percebesse, e não se pode mais separar quem intui da intuição, pois ambos se tornaram uma coisa só, na medida em que toda a consciência é integralmente preenchida e tomada por uma única imagem intuitiva. Quando, por assim dizer, o objeto é separado de toda relação com algo exterior a ele e o sujeito de sua relação com a vontade, o que é conhecido não é mais a coisa isolada enquanto tal, mas a IDEIA, a forma eterna, a objetidade imediata da vontade nesse grau: justamente por aí, ao mesmo tempo, quem concebe nessa intuição não é mais o indivíduo, pois este se perdeu na intuição, e sim o atemporal PURO SUJEITO DO CONHECIMENTO destituído de vontade e sofrimento. Este tema, no momento tão surpreendente, tornar-se-á cada vez mais claro e menos estranho caso se pense que foi exatamente isso o que tinha em mente Espinosa   quando escreveu: mens aeterna est, quatenus res sub aeternitatis specie concipit. Em tal contemplação, de um só golpe a coisa singular se torna a IDEIA de sua espécie e o indivíduo que intui se torna PURO SUJEITO DO CONHECER. O indivíduo enquanto tal conhece apenas coisas isoladas; o puro sujeito do conhecer, somente ideias. Pois o indivíduo é o sujeito do conhecer na sua referência a um aparecimento particular e determinado da vontade, a esta servil. Tal aparecimento isolado da vontade está, enquanto tal, submetido ao princípio de razão em todas as suas figuras: todo conhecimento que se relaciona com o indivíduo também segue, por conseguinte, o princípio de razão, e nenhum outro conhecimento é da maior serventia para a vontade do que justamente este, que sempre tem por objeto apenas relações. O indivíduo que conhece, enquanto tal, e a coisa isolada conhecida por ele estão sempre em algum lugar, num dado momento, e são elos na cadeia de causas e efeitos. Ao contrário, o puro sujeito do conhecimento e seu correlato, a ideia, estão excluídos de todas aquelas formas do princípio de razão: o tempo, o lugar, o indivíduo que conhece e o indivíduo que é conhecido não têm nenhuma significação para o referido puro sujeito. Só quando, de acordo com a maneira descrita, um indivíduo que conhece se eleva a puro sujeito do conhecer e precisamente por aí o objeto considerado se eleva a ideia é que aparece pura e inteiramente o MUNDO COMO REPRESENTAÇÃO; ocorre a objetivação perfeita da vontade, uma vez que só a ideia é a sua OBJETIDADE ADEQUADA. A ideia compreende em si e de maneira igual tanto o objeto quanto o sujeito, já que estes constituem ali sua única forma: na ideia, sujeito e objeto mantêm equilíbrio pleno: ora, como também aqui o objeto nada é senão representação do sujeito, do mesmo modo o sujeito, na medida em que se abandona por inteiro no objeto intuído, torna-se esse objeto mesmo, visto que a consciência inteira nada mais é senão a imagem mais nítida do objeto. Essa consciência mesma — caso se pense em todas as ideias, ou série sucessivamente percorrida dos graus de objetidade da vontade — constitui de fato todo o MUNDO COMO REPRESENTAÇÃO. As coisas isoladas, em todos os tempos e espaços, são apenas as ideias multiplicadas pelo princípio de razão, forma do conhecimento dos indivíduos enquanto tais. Da mesma maneira que, quando a ideia surge, sujeito e objeto não são mais diferenciáveis — já que só quando estes se preenchem e compenetram reciprocamente é que se origina a ideia, a objetidade adequada da vontade, o mundo como representação propriamente dito —, também o indivíduo que conhece e a coisa individual que é conhecida não são mais, como coisa em si, diferenciáveis. Pois, quando abstraímos por completo o MUNDO COMO REPRESENTAÇÃO, nada mais resta senão o MUNDO COMO VONTADE. Esta é o Em si da ideia, que a objetiva perfeitamente. A vontade também é o Em si da coisa isolada e do indivíduo que a conhece, os quais a objetivam imperfeitamente, vontade que, exterior à representação e a todas as suas formas, é uma e a mesma tanto no objeto contemplado quanto no indivíduo que se eleva à contemplação e se torna consciente de si como puro sujeito; objeto contemplado e indivíduo, por conseguinte, não são em si diferentes, pois em si são a vontade que aqui se conhece a si mesma; plural idade e diferença existem apenas devido à maneira como esse conhecimento chega à vontade, ou seja, existem apenas no mundo aparente e em virtude de sua forma, o princípio de razão. Assim como eu, sem o objeto, sem a representação, não sou sujeito que conhece, mas pura vontade cega; assim também sem mim, como sujeito do conhecimento, o objeto não é coisa conhecida, mas pura vontade, ímpeto cego. A vontade em si mesma, isto é, alheia à representação, é uma e idêntica com a MINHA VONTADE: somente no mundo como representação, cuja forma é sempre ao menos sujeito e objeto, é que os indivíduos separam-se entre indivíduos que conhecem e que são conhecidos. Assim que o conhecimento, o mundo como representação, é suprimido, nada resta senão pura vontade, ímpeto cego. Para a vontade chegar a ser objetidade, representação, ela põe de um só golpe tanto o sujeito quanto o objeto; contudo, para que essa objetidade da vontade seja pura, perfeita, adequada, ela põe o objeto como ideia, livre das formas do princípio de razão, e o sujeito como puro sujeito do conhecimento, livre da individualidade e servidão da vontade. [MVR1: §34]

ARREPENDIMENTO nunca se origina de a vontade ter mudado, mas de o conhecimento ter mudado. O essencial e próprio daquilo que eu sempre quis, tenho de ainda continuar a querê-lo: pois eu mesmo sou esta vontade que reside fora do tempo e da mudança. Portanto, nunca posso me arrepender do que quis, mas sim do que fiz, visto que, conduzido por falsas noções, agi de maneira diferente daquela adequada à MINHA VONTADE. O ARREPENDIMENTO é a intelecção disso por via de um conhecimento mais preciso. E isto se estende não só à sabedoria de vida, à escolha dos meios, ao julgamento do mais adequado fim à MINHA VONTADE, mas também ao ético propriamente dito. Assim, por exemplo, posso ter agido mais egoisticamente do que era adequado ao meu caráter, visto que fui guiado por representações exageradas da carência na qual eu mesmo me encontrava, ou pela astúcia, falsidade, maldade dos outros, ou posso ter sido precipitado: numa palavra, agi sem ponderação, determinado não por motivos distintamente conhecidos in abstracto, mas por simples motivos intuitivos, pela impressão do presente e o afeto que este provocou, o qual foi tão violento que me privou do uso propriamente dito da razão; aqui, também, o retorno da capacidade deliberativa não passa de conhecimento corrigido, do qual pode resultar arrependimento, que sempre dá sinal de si mesmo por reparação do acontecido, até onde é possível. No entanto, deve-se notar que para enganar a si mesmas as pessoas fingem precipitações aparentes, que em realidade são ações secretamente ponderadas. Porém, mediante tais truques sutis não enganamos nem adulamos ninguém, senão a nós mesmos. — Também o caso contrário ao mencionado pode ocorrer: posso ser ludibriado pela confiança excessiva nos outros, ou pelo desconhecimento do valor relativo dos bens da vida, ou por algum dogma abstrato cuja crença doravante perdi, e assim ser levado a agir menos egoisticamente do que é adequado ao meu caráter, com isso preparando um arrependimento de outro gênero. Portanto, o arrependimento é sempre o conhecimento corrigido da relação entre o ato e a intenção verdadeira. — E assim como a vontade que manifesta suas ideias apenas no espaço, ou seja, mediante a simples figura, já encontra a resistência de outras ideias que dominam a matéria, neste caso forças naturais, e desse modo raramente permitem a irrupção perfeitamente pura e distinta, isto é, bela, da figura que se esforça por visibilidade; assim também a vontade que se manifesta apenas no tempo, isto é, via ações, encontra uma resistência análoga no conhecimento, que quase nunca lhe fornece os dados inteiramente corretos, fazendo o ato não corresponder de maneira precisa e integral à vontade, preparando dessa forma o arrependimento. Logo, o arrependimento sempre resulta do conhecimento corrigido, não da mudança da vontade, o que é impossível. O peso de consciência em relação a atos praticados não é arrependimento, mas dor sobre o conhecimento do próprio si mesmo, ou seja, como vontade. Baseia-se na certeza de que ainda se tem sempre a mesma vontade. Se esta tivesse mudado e assim o peso de consciência fosse mero arrependimento, então este se suprimiria, pois o passado não poderia despertar pesar algum, visto que expunha a exteriorização de uma vontade que agora já não é mais a do arrependido. Adiante discutiremos em detalhes a significação desse peso de consciência. [MVR1: §55]

Pois a PROPRIEDADE, que não será usurpada SEM INJUSTIÇA, só pode ser, seguindo nossa explanação da injustiça, aquilo que alguém trabalhou com as próprias forças; portanto, quem a usurpa serve-se das forças do corpo da vontade ali objetivada a fim de fazê-las servir à vontade objetivada num corpo alheio. Assim, o praticante da injustiça, ao atacar não um corpo alheio, mas uma coisa sem vida, totalmente diferente dele, invade do mesmo modo a esfera de afirmação estrangeira da vontade, pois as forças, o trabalho do corpo alheio, por assim dizer, confundem-se e identificam-se com essa coisa. Segue-se daí que todo autêntico direito de propriedade, isto é, direito moral de propriedade, está originariamente baseado única e exclusivamente no trabalho elaborador, como também o foi admitido de maneira geral antes de Kant  , sim, inclusive é dito clara e belamente no mais antigo de todos os códigos de lei: “Os sábios, que conhecem os tempos pretéritos, declaram que um campo cultivado é propriedade de quem cortou a madeira, o limpou e lavrou, do mesmo modo que um antílope pertence ao primeiro caçador que o acertou mortalmente”. — Quanto a Kant, só a sua debilidade senil pode explicar a sua doutrina do direito, este entrançamento estranho de erros, uns se seguindo aos outros, chegando ele a fundamentar o direito de propriedade na primeira ocupação. Mas como deveria a mera declaração de MINHA VONTADE excluir aos outros do uso de uma coisa e até mesmo atribuir um DIREITO a ela? Obviamente a declaração mesma precisa de um primeiro fundamento de direito, em vez de, como Kant supõe, ser ela tal fundamento. E como deveria agir injustamente em termos morais quem observa apenas a própria pretensão, baseada tão somente na sua declaração de posse exclusiva de uma coisa? Como sua consciência moral deveria cobrá-lo? Salta aos olhos, é fácil de reconhecer, que, absolutamente, não existe nenhum DIREITO LEGÍTIMO DE OCUPAÇÃO, mas tão somente uma legítima APROPRIAÇÃO ou AQUISIÇÃO da coisa pelo emprego originário das próprias forças sobre ela. De fato, lá onde uma coisa, pelo esforço de outra pessoa, por menor que ele seja, é trabalhada, melhorada, protegida de acidentes, conservada, mesmo sendo esse esforço apenas a colheita ou o recolher do chão um fruto silvestre — se uma outra pessoa se apodera dela, manifestamente priva outrem do trabalho de suas forças e portanto faz o corpo do outro, em vez do próprio, servir a SUA vontade; afirma assim a própria vontade para além de sua aparência até a negação da vontade alheia, ou seja, pratica injustiça. — Por outro lado, simplesmente usufruir de uma coisa sem nenhum trabalho elaborador ou nenhuma defesa contra sua destruição dá tão pouco direito a ela quanto a declaração da própria vontade de ser sua possuidora exclusiva. Por conseguinte, se uma única família tivesse caçado por um século numa extensão de terra sem contudo ter aí feito uma benfeitoria, não pode de modo algum, sem injustiça moral, impedir que um estrangeiro ali cace se ele quiser. Portanto, o chamado direito de primeira ocupação é, em termos morais, por inteiro destituído de fundamento. De acordo com ele, só por ter usufruído de uma coisa exige-se como recompensa o direito exclusivo para usufruí-la no futuro. A quem se apoiasse exclusivamente sobre tal direito, um estrangeiro poderia assim contestar com melhor direito: “Justamente porque já usufruíste por tanto tempo é justo que agora outros usufruam”. Para toda coisa não passível de trabalho elaborador, seja por melhoria ou defesa contra a destruição, não há posse alguma moralmente fundamentada, a não ser que haja uma cessão voluntária da parte de todos, algo assim como uma recompensa por serviços prestados, o que já pressupõe uma comunidade regida por convenção, o Estado. — Em contrapartida, a natureza do direito de propriedade moralmente fundamentado, tal como o deduzimos acima, dá ao possuidor um poder tão ilimitado sobre as suas coisas como aquele poder que possui sobre o próprio corpo; do que se segue que a sua propriedade pode ser transmitida através de troca ou doação a outros, os quais possuem a coisa com o mesmo direito moral que o transmissor. [MVR1: §62]

No que concerne à PRÁTICA da injustiça em geral, ela ocorre pela VIOLÊNCIA ou pela ASTÚCIA, as quais, em termos morais, são em essência a mesma coisa. Em primeiro lugar, em relação ao homicídio, é moralmente indistinto se me sirvo do punhal ou do veneno; de maneira análoga no caso de cada lesão corporal. Os demais casos de injustiça sempre são redutíveis ao fato de eu, praticando-a, obrigar outro indivíduo a servir, em vez de à sua, à MINHA VONTADE, a agir, em vez de em conformidade com a sua, em conformidade com a MINHA VONTADE. Se sigo a via da violência, alcanço isso mediante causalidade física; se sigo a via da astúcia, entretanto, alcanço isso mediante motivação, isto é, por meio da causalidade que passa pelo conhecimento, logo, apresento à vontade de outrem MOTIVOS APARENTES em função dos quais segue a MINHA VONTADE, embora acredite seguir a SUA. Ora, visto que o médium no qual residem os motivos é o conhecimento, se consigo obter sucesso em semelhante tarefa recorrendo à falsificação do conhecimento alheio, trata-se da MENTIRA. Esta intenta todas às vezes exercer influência sobre a vontade do outro, não apenas sobre o seu conhecimento, para si e enquanto tal, mas servindo-se deste como meio, a saber, na medida em que determina a sua vontade. Pois minha própria mentira, ao provir da MINHA VONTADE, precisa de um motivo: mas este motivo só pode ser a vontade alheia, não o conhecimento alheio, em e para si, pois este nunca pode ter influência sobre a MINHA VONTADE, logo, nunca pode movimentá-la, nunca pode ser um motivo de seus fins; mas só a vontade alheia e seus atos é que podem ser tal motivo e, dessa forma, apenas de maneira- mediata o conhecimento alheio. Isso vale não somente em relação a todas as mentiras nascidas do óbvio interesse pessoal, mas também em relação àquelas nascidas de pura maldade, que quer comprazer-se nas consequências dolorosas dos erros alheios que provocou. Até mesmo o mero charlatanismo de cabeças de vento intenta grande ou pequena influência sobre o querer e os atos dos outros por intermédio da elevada consideração angariada, ou da opinião feita. Por sua vez, o simples não dizer a verdade, isto é, a recusa de uma declaração em geral, não é em si injustiça alguma; no entanto, qualquer imposição de uma mentira é injustiça. Quem se recusa a mostrar ao andarilho perdido o caminho correto não pratica injustiça; mas quem lhe aponta o caminho errado pratica-a. — Do que foi dito segue-se que toda MENTIRA, igual a qualquer ato de violência, é nela mesma INJUSTIÇA; visto que em si tem por fim estender o domínio da MINHA VONTADE sobre os outros indivíduos, portanto intenta afirmar a vontade pessoal através da negação da vontade alheia, exatamente como o faz a violência. — A mentira mais bem consumada é a QUEBRA DE CONTRATO; porque aqui se reúnem de maneira completa e distinta todas as recém mencionadas determinações. Pois, na medida em que pactuo um contrato, a realização prometida da outra pessoa é imediata e admitida mente o motivo da minha realização que então se segue. As promessas são deliberadas e formalmente trocadas. Assume-se que a verdade da declaração de cada um encontra-se em poder das partes. Ora, se o outro quebra o contrato, me enganou e, pela manipulação de motivos aparentes em meu conhecimento, dirige o meu querer segundo suas intenções, estendendo o domínio da sua vontade sobre outro indivíduo, logo, pratica uma injustiça perfeita. Nisso se baseiam a legalidade e validade moral dos CONTRATOS. [MVR1: §62]

O conceito de JUSTIÇA, como negação da injustiça, encontra sua principal aplicação, e sem dúvida sua primeira origem, nos casos em que uma tentada injustiça por violência é impedida; ora, como tal defesa não pode ser uma injustiça, é consequentemente justa, embora o ato de violência ali praticado, considerado em si e isoladamente, seja injustiça — no entanto aqui justificado por seu motivo, isto é, converte-se em direito. Se um indivíduo vai tão longe na afirmação de sua vontade até invadir a esfera de afirmação da vontade essencial à minha pessoa enquanto tal e assim a nega, então minha defesa dessa invasão é a negação daquela negação e, nesse sentido, de minha parte nada mais é senão a afirmação da vontade que aparece essencial e originariamente em meu corpo e implicite expressa-se por meio da simples aparência desse corpo; em consequência, não é injustiça, portanto, é algo JUSTO. Noutros termos: tenho o DIREITO de negar aquela negação alheia com a força necessária para a sua supressão; e é fácil ver que isso pode ir até a morte do outro indivíduo, cuja ação danosa, enquanto violência exterior impositiva, pode ser impedida sem injustiça alguma com uma reação poderosa que se lhe sobrepõe, por conseguinte com direito. Pois tudo o que acontece do meu lado reside apenas na esfera da afirmação da vontade essencial à minha pessoa enquanto tal, que expressa tal afirmação; ora, isso não invade a esfera da afirmação alheia, logo, é apenas negação da negação, portanto, afirmação, e não em si mesma negação. Dessa perspectiva, se a vontade de outro nega a MINHA VONTADE, como esta aparece em meu corpo e no uso das forças deste para minha conservação, posso, SEM INJUSTIÇA, exercer COAÇÃO sobre aquela vontade para que ela desista de sua negação, sem que isso implique a negação da vontade alheia, a qual se mantém em seu limite; ou seja, tenho nesse alcance um DIREITO DE COAÇÃO. [MVR1: §62]

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