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Rosset (Pior:19-22) – expressão trágica e expressão pessimista

quarta-feira 15 de novembro de 2023, por Cardoso de Castro

  

Ribeiro & Bentes

Notar-se-á, em primeiro lugar, que este cuidado de expressão trágica diverge fundamentalmente daquilo que parece, à primeira vista, constituir a forma a mais elementar e a mais radical de lógica do pior: o pessimismo. Tal como se manifesta em Lucrécio  , em Montaigne, em Pascal  , a intenção terrorista não é comandada por uma visão pessimista do mundo, mesmo se a filosofia que se segue é, num certo sentido, mais pessimista que qualquer pessimismo. Duas diferenças maiores, uma de “conteúdo”, outra de intenção, distinguem tais pensadores dos filósofos propriamente pessimistas, como Schopenhauer  . A primeira consiste no fato mesmo da “visão de mundo”: dado primeiro do pessimismo, ela é recusada enquanto tal pelos filósofos trágicos. O pessimista fala [19] após ter visto; o terrorista trágico fala para dizer a impossibilidade de ver. Dito de outro modo: o pessimismo — enquanto doutrina filosófica, presente por exemplo em Schopenhauer ou Edouard von Hartmann   — supõe o reconhecimento de um “algo” (natureza ou ser) do qual ele afirma posteriormente o caráter constitutivamente insatisfatório. Nesse sentido o pessimismo constitui, bem evidentemente, uma afirmação do pior. Mais precisamente: só nesse sentido, ou seja a partir de um certo sentido, ou uma certa ordem, já dado, do qual será lícito mostrar — em seguida — o caráter insatisfatório ou incoerente. O pior afirmado pela lógica pessimista toma então seu ponto de partida na consideração de uma existência dada (assim como o pessimismo de Zola se dá de saída um edifício a destruir). Ele é um dos limites aos quais pode chegar a consideração do dado: ou seja a pior das combinações compatíveis com a existência. Melhor: ele é o limite ao qual pode chegar—e chega com efeito, se o pensamento é sem fundamentos teológicos — a consideração do já ordenado. Mau ordenamento, mas ordenamento: o mundo está reunido (mal reunido), ele constitui uma “natureza” (má); e é precisamente na medida em que ele é um sistema que o filósofo pessimista poderá declará-lo tenebroso in aeterno, não suscetível de modificação ou melhora. Não somente o pessimista não acede ao tema do acaso, como ainda a negação do acaso é a chave-mestra de todo pessimismo, assim como a afirmação do acaso é aquela de todo pensamento trágico. O mundo do pessimista está constituído de uma vez por todas; donde a grande palavra do pessimista: “Não se escapa.” O mundo trágico não foi constituído; donde a grande questão trágica: “Aí não se entrará jamais.” O “pior” do qual fala a lógica pessimista não tem relações com o “pior” da lógica trágica: o primeiro designa um dado de fato, o segundo a impossibilidade prévia de todo dado (enquanto natureza constituída). Ou ainda: o pior pessimista designa uma lógica do mundo, o pior trágico, uma lógica do pensamento (descobrindo-se incapaz de pensar um mundo).

[...] O pessimismo é a grande filosofia do dado. Mais precisamente: a filosofia do dado enquanto já ordenado — ou seja a filosofia do absurdo. Tal é a filosofia de Schopenhauer, e tal seria a filosofia de Leibniz  , principal inspirador da componente pessimista do sistema schopenhaueriano, se não houvesse, em Leibniz, Deus para dar o mundo e conceder, de uma só vez, a razão do seu ordenamento. Já se ressaltou — devido à outrora célebre Filosofia do inconsciente de Edouard von Hartmann — que o que distingue aqui Schopenhauer de Leibniz não é o humor (pessimista ou otimista), mas o tema teológico: uma vez reconhecido que o mundo é mau, ou pelo menos manchado de mal, nada pior do que a fórmula leibniziana segundo a qual ele não constitui menos o melhor dos mundos possíveis; o “pior” de Schopenhauer e o “melhor” de Leibniz têm finalmente a mesma significação. Desde que ele se dá — sem referências teológicas ou teleológicas — uma natureza a pensar, o pessimista chega necessariamente a uma filosofia do absurdo; isto em dois tempos: 1. A lógica do dado é forçosamente uma lógica do ordenado; 2. Nada legitimando este ordenamento, a lógica do ordenado é uma lógica do absurdo. Esse itinerário é particularmente nítido naquele que pensa o pessimismo da maneira a mais rigorosa, Schopenhauer. Sabe-se que Schopenhauer não se dá senão um único pensamento a pensar para estar em condições de descrever o mundo: a vontade. Esta vontade é cega, ilusória, repetindo-se mecanicamente: o mais pobre dos pensamentos, o mais magro dos “dados”. Contudo, ela basta para fazer passar do caos ao mundo do ordenamento: na medida em que constitui um acontecimento. O acontecimento, que significa ao mesmo tempo relevo sobre a existência e fracasso quanto ao acaso, permite por si só, e seja ele qual for; passar do caos ao pensamento da ordem. Para o pensador trágico, “o que existe” [“Ce qui existe”] — que não é nem natureza, nem ser, nem objeto adequado de pensamento — não dá nunca lugar a acontecimentos: “aí se passam” encontros, ocasiões, que não supõem nunca o recurso a qualquer princípio que transcenda as perspectivas trágicas da inércia e do acaso. Pois o acontecimento é a transcendência mesma: o sinal de uma impossibilidade fundamental em dar conta das peripécias “do que existe”, a marca de uma intervenção necessária para “fazer existir” o que existe. Ora, Schopenhauer representa-se precisamente a vontade como um tal acontecimento: a vontade é o acontecimento por cuja mediação encontrou-se um dado a pensar, o ato pelo qual um dado — o mundo — se constituiu. Ato isolado e único: após ele não haverá nunca mais acontecimentos no mundo, que não fará senão repetir-se cegamente de modo inerte (de maneira geral, Schopenhauer foi o maior pessimista porque foi aquele que se deu o mínimo de acontecimentos a pensar: uma vez “sobrevinda” a vontade, todo o resto é silêncio). Mas o acontecimento dado revela um mundo ordenado: pois Schopenhauer dispõe doravante de uma “natureza”, de um “mundo”. “Existe” — vontade. Grau zero do ordenamento, sem dúvida. Mas grau essencial: passou-se do acaso “do que existe” ao dado de um mundo. Assim, ingredientes esparsos e contíguos podem por vezes “combinar-se” em certos molhos: mas, para que o molho venha a ser, é preciso a intervenção de um acontecimento transcendente, a ação do misturador. O lugar onde se fabrica, assim, ser a partir do acaso chama-se, quanto à alimentação, cozinha; quanto à filosofia, metafísica.

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Original

On remarquera, en premier lieu, que ce souci d’expression tragique diverge fondamentalement de ce qui semble à première vue constituer la forme la plus élémentaire et la plus radicale de logique du pire : le pessimisme. Telle qu’elle se manifeste chez Lucrèce, chez Montaigne, chez Pascal, l’intention terroriste n’est pas commandée par une vision pessimiste du monde, même si la philosophie qui s’ensuit est, en un certain sens, plus pessimiste que tout pessimisme. Deux différences majeures, l’une de « contenu », l’autre d’intention, distinguent de tels penseurs des philosophes proprement pessimistes, tel Schopenhauer. La première consiste dans le fait même de la « vision du monde » : donnée première du pessimisme, elle est récusée en tant que telle par les philosophes tragiques. Le pessimiste parle après avoir vu ; le terroriste tragique parle pour dire l’impossibilité de voir. Autrement dit : le pessimisme — en tant que doctrine philosophique, en œuvre par exemple chez Schopenhauer ou Edouard von Hartmann — suppose la reconnaissance d’un « quelque chose » (nature ou être) dont il affirme après coup le caractère constitutionnellement insatisfaisant. En ce sens le pessimisme constitue, bien évidemment, une affirmation du pire. Mais précisément : seulement en ce sens, c’est-à-dire à partir d’un certain sens, ou un certain ordre, déjà donnés, dont il sera loisible de montrer — ensuite — le caractère insatisfaisant ou incohérent. Le pire affirmé par la logique pessimiste prend donc son point de départ dans la considération d’une existence donnée (tout comme le pessimisme de Zola se donne d’emblée un édifice à détruire). Il est une des limites auxquelles peut aboutir la considération du donné : soit la pire des combinaisons compatibles avec l’existence. Mieux : il est la limite à laquelle peut aboutir — et aboutit en effet, si la pensée est sans assises théologiques — la considération du déjà ordonné. Mauvaise ordonnance, mais ordonnance : le monde est assemblé (mal assemblé), il constitue une « nature » (mauvaise) ; et c’est précisément dans la mesure où il est un système que le philosophe pessimiste pourra le déclarer sombre in aeterno, non susceptible de modification ou d’amélioration. Non seulement donc le pessimiste n’accède-t-il pas au thème du hasard, encore la négation du hasard est-elle la clef de voûte de tout pessimisme, comme l’ affirmation du hasard est celle de toute pensée tragique. Le monde du pessimiste est constitué une fois pour toutes ; d’où le grand mot du pessimiste : « On n’en sort pas. » Le monde tragique n’a pas été constitué ; d’où la grande question tragique : « On n’y entrera jamais. » Le « pire » dont parle la logique pessimiste n’a pas de rapports avec le « pire » de la logique tragique : le premier désigne un donné de fait, le second l’impossibilité préalable de tout donné (en tant que nature constituée). Ou encore: le pire pessimiste désigne une logique du monde, le pire tragique, une logique de la pensée (se découvrant incapable de penser un monde).

[...] Le pessimisme est la grande philosophie du donné. Plus précisément : la philosophie du donné en tant que déjà ordonné — c’est-à-dire la philosophie de absurde. Telle est la philosophie de Schopenhauer, et telle serait la philosophie de Leibniz, principal inspirateur de la composante pessimiste du système schopenhauerien, s’il n’y avait, chez Leibniz, Dieu pour donner le monde, et livrer du même coup la raison de son ordonnancement. On a déjà remarqué — à la suite de la jadis célèbre Philosophie de l’ inconscient d’Edouard von Hartmann — que ce qui distingue ici Schopenhauer de Leibniz n’est pas l’humeur (pessimiste ou optimiste), mais le thème théologique : une fois reconnu que le monde est mauvais, ou du moins empreint de mal, rien de pire que la formule leibnizienne selon laquelle il n’en constitue pas moins le meilleur des mondes possibles ; le « pire » de Schopenhauer et le « meilleur » de Leibniz ont finalement la même signification. Dès lors qu’il se donne — sans références théologiques ou téléologiques — une nature à pensé, le pessimiste aboutit nécessairement à une philosophie de l’absurde ; ceci en deux temps : 1) La logique du donné est forcément une logique de l’ordonné ; 2) Rien ne légitimant cet ordonnancement, la logique de l’ordonné est une logique de l’absurde. Cet itinéraire est particulièrement net chez celui qui pensa le pessimisme de la manière la plus rigoureuse, Schopenhauer. On sait que Schopenhauer ne se donne qu’une pensée à penser pour être en mesure de décrire le monde : la volonté. Encore cette volonté est-elle aveugle, illusoire, se répétant mécaniquement : la plus pauvre des pensées, la plus maigre des « données ». Pourtant, elle suffît à faire passer du chaos au monde de l’ordonnancement : dans la mesure où elle constitue un événement. L’événement, qui signifie à la fois relief sur l’existence et échec au hasard, permet à lui seul, et quel qu’il soit, de passer du chaos à la pensée de l’ordre. Pour le penseur tragique, « ce qui existe » — qui n’est ni nature, ni être, ni objet adéquat de pensée — ne donne jamais lieu à des événements : « s’y passent » des rencontres, des occasions, qui ne supposent jamais le recours à quelque principe qui transcende les perspectives tragiques de l’inertie et du hasard. Car l’événement est la transcendance même : le signe d’une impossibilité fondamentale à rendre compte des péripéties de « ce qui existe » à partir seulement de « ce qui existe », la marque d’une intervention nécessaire pour « faire exister » ce qui existe. Or, Schopenhauer se représente précisément la volonté comme un tel événement : la volonté est l’événement à la faveur duquel il s’est trouvé du donné à penser, l’acte par lequel un donné — le monde — s’est constitué. Acte isolé et unique : après lui, il n’y aura plus jamais d’événements dans le monde, qui ne fera que se répéter aveuglément sur le mode inerte (de manière générale, Schopenhauer fut le plus grand pessimiste parce qu’il fut celui qui se donna le moins d’événements à penser : une fois « survenue » la volonté, tout le reste est silence). Mais l’événement donné livre un monde ordonné : car Schopenhauer dispose désormais d’une « nature », d’un « monde ». « II existe » — de la volonté. Degré zéro de l’ordonnancement, sans doute. Mais degré essentiel : on est passé du hasard de « ce qui existe » au donné d’un monde. Ainsi des ingrédients épars et contigus peuvent-ils parfois « se prendre » en certaines sauces : mais, pour que la sauce vienne à l’être, il y faut l’intervention d’un événement transcendant, l’action du mixeur. Le lieu où l’on fabrique ainsi de l’être avec du hasard s’appelle, pour l’alimentation, la cuisine ; pour la philosophie, la métaphysique.