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Evola Antonio Carlos Carvalho

quinta-feira 28 de dezembro de 2023, por Cardoso de Castro

  

Apresentação a Julius Evola   — O Mistério do Graal

APRESENTAÇÃO
Julius Evola (Giulio Caesar Evola) nasceu em Roma, em 1898, e morreu na mesma cidade, em 1974, mais precisamente em 11 de Junho desse ano.

0 seu período adolescente está envolto em obscuridade. Sabemos apenas que nasceu numa família da nobreza italiana e, portanto, que a sua educação terá sido de certo modo condicionada por essa circunstância — durante toda a vida Evola dará provas e terá atitudes de autêntica aristocracia.

A primeira referência mais exata que temos a seu respeito pertence ao tempo da Primeira Guerra Mundial (1916), na qual ele combate como oficial de artilharia. A experiência do conflito deve ter sido fundamental para ele, como para tantos outros combatentes (e para a própria Europa, afinal), uma vez que, poucos anos depois, em 1920, o vemos alinhar no grupo Dada italiano. Estabelece relações com Tristan Tzara, colabora nas revistas futuristas «Noi», «Bleue» e «Dadaphone», expõe quadros seus em Roma e em Berlim, decora um «cabaret» onde depois promove leituras do poema a quatro vozes «A paisagem obscura da paisagem interior», sobre música de Schonberg, Satie e Bartok, e publica «Arte Astratta», uma recolha de poemas, teorias e composições desse período Dada.

A respeito dessa época e das posições que então tomou, escreverá: «Interessei-me pela vanguarda, por tudo o que ela tinha de anarquista, pela vontade de escapar às formas feitas». E ainda: «Aderi ao movimento Dada como movimento limite, e não como movimento artístico. Quando se é sério, não se pode ficar aí (...) Ou se passa além, o que eu fiz. A partir de 1922, separei-me».

Decide, então, seguir outro rumo. Da fase niilista passa à fase construtiva e estuda as doutrinas orientais, descobrindo, através delas, o próprio conceito de Tradição (NA: Acerca deste tema ler «A Crise do Mundo Moderno, de René Guénon, nesta coleção.).

Desse estudo acaba por resultar «yoga della potenza», publicado em 1925. É o seu período eminentemente especulativo (entre 1923 e 1921), no qual sofre a influência de Nietzsche   e Weininger (que lhe mostram um determinado conceito de Filosofia), Guido de Giorgio (sobre o conceito de Tradição), Herman Wirth (que lhe dá uma certa visão da História ligada à tradição nórdica) e de J. J. Bachofen (para quem existiam dois tipos de civilização: uma nórdico-viril e outra telúrico-lunar). Descobre, também, a obra de René Guénon, de quem reconhece logo o valor e a importância nos nossos tempos.

Nessa época escreve «Saggi sull’idealismo mágico», «L’uomo come potenza», «Teoria dell’indivíduo assoluto» e «Fenomenologia dell’indivíduo assoluto», que publicará nos anos seguintes.

Entre 1928 e 1929 funda o grupo «Ur», que se dedica ao estudo da Magia e do Esoterismo, no meio de grande mistério (ainda hoje se sabe muito pouco acerca das suas atividades). «Ur» é a raiz da palavra «fogo» puro em grego, e um prefixo alemão que significa «primordial».

A TENTAÇÃO DA POLÍTICA
Entretanto, o movimento fascista começa a dar que falar, ao mesmo tempo que Evola procura ver as «conseqüências das doutrinas tradicionais na realidade», ano sentido de uma organização social e política do Estado». Era, portanto, natural que Evola, vivendo em Itália numa época de tão grande ebulição política, se interessasse por esse novo movimento, o qual, ainda por cima, parecia tão fascinado pela forma política do Império, que Evola também advogava.

Assim, nos anos 30 publica um panfleto «cheio de ’pathos’ revolucionário e anarquista», segundo as suas próprias palavras, intitulado «Imperialismo pagão» e que apareceu com o «Apêndice polêmico sobre a reação do partido guelfo». Nele Evola colocava o seguinte dilema ao Fascismo: «ou a retórica, ou a seriedade no tema da tradição romana como alma do movimento, e, então, deve regular a questão do Cristianismo visto que a moral fascista se liga com a realidade paga, incompatível com a visão católica de vida».

Este panfleto causou, evidentemente, grande escândalo em Itália, enquanto no estrangeiro se julgava que Evola era a eminência parda do Fascismo (NA: Em contrapartida, no volume dedicado ao «Ocultismo», e assinado por Charles Henri Favroud, de uma enciclopédia de bolso que circula no nosso mercado, Evola é dado como «oculista alemão», «que foi um dos inspiradores do Nazismo») — na Alemanha nazi, Rosenberg acreditou nesse boato... «Nada disso era verdade», dirá Evola, mais tarde.

Ainda em 1930 dá vida a uma nova publicação, «La Torre», que terá em Guido de Giorgio um dos seus mais fiéis inspiradores e na qual Evola abandona «as teses extremistas e pouco meditadas do ’Imperialismo Pagão’, que tinham influído principalmente na orientação do grupo Ur». Esta revista pretendia ser um símbolo, «não de um refúgio ou lugar de uma maior ou menor mística, mas sim de um posto de resistência, de combate e de realismo superior», da parte dos que queriam precisamente resistir à atual civilização, protestando contra a «omni-prevalência insolente da tirania econômica e social e contra o naufrágio de todo o ponto de vista superior ao que é mais mesquinhamente humano».

Em 1931 publica «La Tradizione Ermetica» e, em 19S2, «Maschere e volto dedo spiritualismo contemporaneo», análise dos pseudo-espiritualismos do nosso tempo (Teosofismo, Espiritismo, Antroposofismo, Psicanálise, doutrina do Super-Homem, etc).

Aquela que alguns consideram a sua obra principal, «Rivolta contro il mondo moderno», data de 1934 (NA: Quanto a «Il mistero dei Graal, obra que consideramos igualmente fundamental, seria publicada em 1937). Trata-se (à semelhança, aliás, de um livro de Guénon com um título muito parecido, «A Crise do Mundo Moderno») de um longo estudo sobre a civilização moderna, em contraste com a civilização tradicional. O livro não encontrou qualquer eco em Itália, mas sim na Alemanha («na época, a cultura fascista era miserável», dirá Evola). Aí, sim, teve grande repercussão, principalmente nos círculos mais sensíveis aos aspectos do mito e do símbolo, tanto mais que Evola elaborava nessa obra a idéia de uma raça primordial, boreal. Em 1935, é convidado a visitar Berlim, onde contata o «Herrenklub», local de reunião dos «junkers», que se consideravam a si próprios como uma elite dentro da nação alemã. Ê perante esse público especial que Evola fala, faz conferências e desenvolve as suas teses raciais (NA: O conceito de raça defendido por Evola nada tem a ver com o conceito biológico do Nacional-Socialismo. A respeito deste, Evola, dirá que Trotsky não foi de todo injusto quando o definiu como «um materialismo zoológico...).

A QUESTÃO RACIAL
Só em 1941, quando publica «Sintesi di dottrina della razza» (antecedido, em 1937, por um outro livro dedicado ao mesmo tema, «II mito dei sangue»), é que Mussolini «descobre» que a questão racial, tal como era exposta por Evola, lhe poderia dizer alguma coisa. Estabelecem contados e Evola aconselha Mussolini a exercer uma ação decidida sobre os alemães, baseada no elemento ario-romano. Propõe, indutivamente, a criação de uma revista tendo colaboração italiana e alemã, dedicada ao estudo desses temas, idéia que nunca se concretiza.

Em 1943 publica um livro dedicado à essência do Budismo, «La dottrina dei risveglio».

Em 1945, pouco antes de os Aliados entrarem em Viena, é aí atingido pela explosão de uma bomba, durante um bombardeamento aéreo, que o deixa paralisado da cintura para baixo.

Com o final da guerra, Evola retoma a sua atividade doutrinária e escreve «Orientamenti». Ê então preso e julgado como pensador «antidemocrático». No tribunal, responde calmamente que, se pretendem julgar a doutrina do Estado que defende, então deveriam também julgar Platão, Metternich, Bismarck ou o próprio Dante  ...

Escreve, depois, «Gli uomini e le rovine» (1953), «Metafísica dei Sesso» (1958), «Cavalcare la tigre» (1961), «L’Arco e la Clava» (1968), «Il Fascismo con note sul Terzo Reich» (1970) e «Il Cammino dei Cinabro» (1972).

Nos últimos anos da sua vida tenta desesperadamente dar uma orientação, tanto quanto possível tradicional, a certos movimentos de ativistas políticos do seu país — esforço louvável, mas que se revelou inglório...

De acordo com testemunhas oculares, quando se encontrava já no leito de morte, pediu que o ajudassem a pôr-se de pé, e assim morreu, certamente sublinhando com essa atitude uma das suas máximas favoritas, durante toda a vida: ficar de pé, mesmo no meio das ruínas.

O seu corpo foi depois incinerado, de acordo com as suas últimas vontades, e as cinzas depositadas num glaciar do monte Rosa, no norte da Itália.

EVOLA, UM «FASCISTA»...?
Quando Evola, morreu, em Junho de 1974, as agências noticiosas anunciaram o seu falecimento nestes termos: «morreu um fascista»...

Era a maneira mais fácil e mais cômoda de «arrumar» este autor «herético» numa prateleira; uma vez rotulado com o ferrete da vergonha, a opinião pública poderia dormir descansada...

Simplesmente, a verdade, como sempre, não é tão linear como isso. Por exemplo, Evola nunca foi um político (NA: Pelo contrário, defendia a noção de «apatheia», de desprendimento em relação à ação imediata (entendida mais como mera agitação), embora reconhecesse que, se o Ocidente se tinha orientado para a acção, seria mais «lógico» formular uma tradição sob esse signo e não sob o da contemplação, corno afirmava Guénon.) e muito menos um militante do Partido Nacional Fascista de Itália, acerca do qual manteve sérias reservas (NA: Leia-se, por exemplo, «Ricognizioni, uomini e problemi», em que Evola escreve o seguinte: «Fala-se da Direita referindo-se a sistemas políticos de tipo «fascista». Mas a esse respeito devem formular-se reservas(...) Esses sistemas não podem ser chamados de Direita, no sentido antigo e habitual do termo, visto que são mais caracterizados por uma mistura da Direita com a Esquerda, porque, se por um lado defendem o principio da autoridade, por outro lado são baseados em partidos de massas e incorporam instâncias «sociais» e revolucionárias próprias da Esquerda.).

O seu erro foi o de ter cedido à fascinação da política, mesmo ficando, como sempre ficou, no plano doutrinário. Ao contrário de Guénon, seu contemporâneo, que nada queria com a política (NA: «Não temos senão a mais perfeita indiferença pela política e por tudo o que se lhe assemelha de perto ou de longe, e não exageraremos dizendo que as coisas que não são de ordem espiritual não contam para nós»; «o domínio do político sendo-nos absolutamente estranho, recusamos formalmente associar-nos a toda a conseqüência desta ordem que se pretenda tirar dos nossos escritos».), Evola julgava ainda possível que os seus surdos compatriotas conseguissem ouvir e entender os princípios que ele defendia — como, por exemplo, que o fundamento de qualquer verdadeiro Estado é a transcendência dos seus princípios: soberania, autoridade e legitimidade. O que Mussolini e os seus «camisas negras», e depois os neo-fascistas, nunca poderiam compreender...

EVOLA E GUENON
Definindo-se a si mesmo como um «Kshatriya» («a minha disposição pessoal de Kshatriya, que me impelia o fazer o que devia ser feito, sem ser determinado pela idéia do êxito e do fracasso»), era lógico que Evola se sentisse bastante longe das posições de Guénon, que considerava um «Brahmane»: «A diferença é que Guénon é um «Brahmane», um pensador afastado do mundo, e eu um «Kshatriya», um guerreiro, um homem de ação».

Efetivamente, ele via o autor de «O Esoterismo de Dante  » como «um prudente», «um contemplativo», que se teria «limitado a expor a doutrina tradicional» e, por isso, poderia ser tomado como «o chefe da escola do tradicionalismo integral».

Quanto a Guénon, acusava Evola de fazer interpretações «um pouco tendenciosas», querendo ver tudo não propriamente à luz da Tradição, (como seria normal), que é impessoal, mas, antes, de acordo com as suas próprias concepções. Assim, em 1982, a propósito de uma introdução e notas de Evola na edição de «Il mondo mágico degli Herói», de Cesare delia Riviera, Guénon afirmava que Evola fora seduzido «pela assimilação do Hermetismo à «Magia», entendida aqui num sentido muito distante daquele que ela tem vulgarmente, e pela do Adepto ao Herói, onde julgou encontrar algo de semelhante às suas próprias concepções, o que o arrastou para interpretações um pouco tendenciosas».

E, fazendo a recensão crítica de «Rivolta contro il mondo moderno», apresentou diversas reservas quanto a alguns pontos do texto: «quando se trata da fonte original única dos dois poderes, sacerdotal e real, o autor tem uma tendência muito marcada para pôr o acento sobre o aspecto real, em detrimento do aspecto sacerdotal».

Ora é nesta questão que reside a origem das maiores divergências entre Evola e Guénon. Enquanto este sempre afirmou a supremacia do espiritual, e que o poder temporal, para subsistir, tem necessidade da consagração que lhe vem da autoridade espiritual, concedendo-lhe legitimidade, conformidade com a própria ordem das coisas (e ainda que, «em caso de conflito entre a autoridade espiritual, qualquer que seja, e o poder temporal, devemos colocar-nos, em princípio, do lado da primeira»), Evola via as coisas exatamente ao contrário («para mim, a acção pode integrar-se de maneira autônoma na vida espiritual»), partindo da noção, que lhe é tão cara, de Império e da experiência da luta entre guelfos e gibelinos — como iremos ver ao longo deste livro.

Além disso, Evola é furiosamente anti-cristão, vendo no Cristianismo a principal causa da decadência da civilização romana (escapando-lhe, portanto, todo o significado verdadeiramente tradicional do advento do Cristianismo). Daí que ouse dizer que a religião cristã «se reduz a uma espiritualidade de caráter lunar, ascético-contemplativo no máximo, incapaz de constituir o ponto supremo de referência para uma reconstrução tradicional integral».

Para essa visão deformada do Cristianismo (falamos do verdadeiro, do «primitivo», o dos Sete Concílios Ecumênicos), muito terá contribuído, como ele próprio confessa, o seu contato com o Catolicismo romano, que se precipita vertiginosamente na heresia, pelo menos desde o século XI, altura em que se separou da Tradição (da Ortodoxia). O Cristianismo autêntico, esse, teria Evola que procurá-lo no Oriente, ou onde quer que existam comunidades ortodoxas.

Antônio Carlos Carvalho