Fernandes (SH:67-69) – Metodologia

A noção de “metodologia é muito ambiciosa, pois a logia da palavra ‘metodologia’ sugere que se possa usar a lógica para conhecer o método. Ora, “método”, por sua vez, é o caminho para uma meta. De que maneira a lógica nos poderia ajudar a conhecer esse caminho? A implicação material parece ser a única relação lógica não-trivial, neste caso. Mas como interpretar, aqui, o nosso “p implica q” ou “a premissa implica materialmente a conclusão”? Será o caminho a premissa, que implica a meta, como conclusão? Ou, inversamente, é a meta a premissa, que implica o caminho, como conclusão? A implicação material é verdadeira se a premissa e a conclusão forem verdadeiras ou se a premissa for falsa. Este último caso pode ser desprezado, pois não iremos muito longe imaginando que um descaminho, um caminho errado, possa conduzir-nos, seja à meta ou a uma falsa meta. Ou que uma “falsa meta”, a meta que não é verdadeiramente a meta, possa conduzir-nos tanto ao caminho certo como ao caminho errado. Já o primeiro caso, em que a premissa e a conclusão são verdadeiras, é, aparentemente, promissor. Se a metodologia é apenas o estudo das relações possíveis entre a meta e o caminho, podemos colocar a meta ou o caminho no lugar da conclusão. Mas se a metodologia é algo mais ambicioso do que isso, ou seja, é a maneira, digamos, “lógica”, de descobrirmos qual é o caminho que nos leva à nossa meta, então o correto é colocar o caminho no lugar da conclusão. Colocar o caminho no lugar da conclusão significa que esperamos conhecê-lo, não como resultado da análise da noção que temos da meta a atingir. Lembre-se de que “método” é o caminho “correto”: “metodologia” é uma noção normativa. Por isso, como já disse, descartamos a implicação lógica. Seria demais pedir à razão que a ideia do caminho estivesse presente no conteúdo da ideia da meta, de modo que nos bastasse inspecionar, com olhos de racionalista, nossa noção de meta a atingir, para descobrirmos o “como” chegar a produzi-la, ou realizá-la; o procedimento, o tipo de ação, a prática correta — dentre tantas — que nos levaria a satisfazer nosso desejo.

Mas se, por um lado, o racionalismo em metodologia pede demais à razão, por outro, o pedir menos parece insuficiente. Pois colocar o caminho no lugar da conclusão de uma implicação material que tem como premissa a meta é justamente a interpretação tradicional de “metodologia” que constitui nossa noção teleológica de “racionalidade”. Se você quer tal efeito, aplique tal causa. Se a meta que você quer atingir é B, então o procedimento correto é A. Ora, esse tipo de conhecimento de qual é o procedimento correto — a conclusão — pressupõe o conhecimento de que é verdadeira a implicação inversa, ou seja, a de que a causa, ou o procedimento correto, ou o método A, implica materialmente o fim a atingir, a meta, ou o efeito B. Como se isso não bastasse, essa implicação, sob tal interpretação, só se sustenta se o enunciado que descreve a causa for asserido em conjunção com um enunciado universal do tipo “Para todo x, se Ax, então Bx”. Mas havendo múltiplas premissas alternativas, umas verdadeiras e outras falsas, implicando materialmente a mesma conclusão verdadeira, há múltiplos procedimentos, corretos ou incorretos, produzindo o mesmo resultado. De modo que nossa noção do que fazer, racionalmente, para obter um resultado, é apenas a noção do que “basta”, ou é suficiente fazer, não a do que deva necessariamente ser feito, suposta uma interpretação extensional do enunciado universal, compatível com a mera coincidência. Pois que não haja exceção é compatível com a ideia de que todos os resultados obtidos o foram por mera coincidência. Como podemos, então, saber que o que fazemos é realmente o que temos que fazer para obter um determinado resultado?

Não há, portanto, um método, ou seja, o conhecimento de um caminho que leve, necessariamente, de onde estamos para onde desejamos ir. Na verdade, o caminho estará onde nós o pusermos e nunca o pomos onde nós estamos. Tudo o que fazemos com o objetivo de obter um resultado é feito, em última análise, às cegas, como quem aposta irracionalmente que o futuro repetirá o passado. Mesmo sem considerar a dificuldade adicional de que as consequências de cada ação são infinitas e, portanto, imprevisíveis na sua totalidade, de modo que cada consequência pretendida, correspondendo a uma razão para agir, acaba por fazer de nós, de qualquer modo, aquele que age sem razão, a expectativa da repetição, ou da semelhança do futuro com relação ao passado, é pura ignorância. E essa ignorância é que tem gerado todas as perplexidades tradicionais da ciência e da chamada “metodologia”.

Abellio, Raymond (29) Antiguidade (26) Aristotelismo (28) Barbuy, Heraldo (45) Berdyaev, N A (29) Bioética (65) Bréhier – Plotin (395) Coomaraswamy, Ananda (473) Enéada III, 2 (47) (22) Enéada IV, 3 (27) (33) Enéada IV, 4 (28) (47) Enéada VI, 1 (42) (32) Enéada VI, 2 (43) (24) Enéada VI, 3 (44) (29) Enéada VI, 7 (38) (43) Enéada VI, 8 (39) (25) Espinosa, Baruch (37) Evola, Julius (108) Faivre, Antoine (24) Fernandes, Sergio L de C (77) Ferreira da Silva, Vicente (21) Ferreira dos Santos, Mario (39) Festugière, André-Jean (41) Gordon, Pierre (23) Guthrie – Plotinus (349) Guénon, René (699) Jaspers, Karl (27) Jowett – Platão (501) Kierkegaard, Søren Aabye (29) Lavelle, Louis (24) MacKenna – Plotinus (423) Mito – Mistérios – Logos (137) Modernidade (140) Mundo como Vontade e como Representação I (49) Mundo como Vontade e como Representação II (21) Míguez – Plotino (63) Nietzsche, Friedrich (21) Noções Filosóficas (22) Ortega y Gasset, José (52) Plotino (séc. III) (22) Pré-socráticos (210) Saint-Martin, Louis-Claude de (27) Schuon, Frithjof (358) Schérer, René (23) Sophia Perennis (125)