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Schumacher (GP:40-43) – Adaequatio I

quarta-feira 13 de outubro de 2021, por Cardoso de Castro

  

nossa tradução

O que capacita um homem a conhecer qualquer coisa que seja sobre o mundo ao seu redor? «Conhecer demanda o órgão ajustado ao objeto», disse Plotino   (aC 270). Nada pode ser conhecido sem que haja um «instrumento» na conformação do conhecedor. Esta é a Grande Verdade da adaequatio (adequação), a qual define o conhecimento como adaequatio rei et intellectus: a compreensão do conhecedor deve ser adequada à coisa a ser conhecida.

De Plotino, de novo, vem o famoso dito: «Nunca o olho vê o sol a não ser que primeiro se torne como o sol, e nunca pode a alma ter a visão da Primeira Beleza a não ser que ela mesma seja bela». John Smith o Platonista (1618-1652) disse: «Aquilo que no capacita a conhecer e compreender corretamente nas coisas de Deus, deve ser um princípio vivo de santidade dentro de nós»; ao qual podemos adicionar a afirmação de ((Tomás de Aquino  )) (125-1274) que «conhecimento vem na medida que o objeto conhecido está dentro do conhecedor».

Já vimos que o homem, em certo sentido, compreende os quatro grandes Níveis de Ser; há portanto algun grau de correspondência ou «conaturalidade» entre a estrutura do homem e a estrutura do mundo. Esta é uma ideia muito antiga e tem sido usualmente expressa por chamar o homem um «microcosmo» que de algum modo «corresponde» ao «macrocosmo» que é o mundo. Ele é um sistema físico-químico, como o resto do mundo e, também possui os invisíveis e misteriosos poderes de vida, consciência e auto-consciência, alguns dos quais também pode detectar em muitos seres ao seu redor.

Nossos cinco sentidos corporais nos fazem «adequados» ao mais baixo Nível de Ser — matéria inanimada. Mas podem suprir nada mais do que massas de dados sensoriais, para «fazer sentido» dos quais requeremos habilidades ou capacidade de uma ordem diferente. Podemos chamá-los «sentidos intelectuais». Sem eles, estaríamos incapazes de reconhecer forma, padrão, regularidade, harmonia, ritmo, e significado, sem mencionar vida, consciência e auto-consciência. Enquanto os sentidos do corpo podem ser descritos como relativamente passivos, meros recebedores do que acontece ao redor e até certo ponto controlados pela mente, os sentidos intelectuais são a mente-em-ação, e sua agudez e alcance são qualidade da mente ela mesma. Com relação aos sentidos corporais, todas as pessoas saudáveis possuem uma dotação similar; mas ninguém poderia possivelmente omitir o fato que há diferenças significantes no poder e alcance das mentes das pessoas. Com relação aos sentidos intelectuais, é portanto bastante irrealista tentar definir e delimitar as capacidade do «homem» como tal — como se todos os seres humanos fossem muito semelhantes, como animais da mesma espécie. As habilidades musicais de Beethoven, mesmo na surdez, eram incomparavelmente maiores que as minhas, e a diferença não estava no sentido da audição; estava na mente. Algumas pessoas são incapazes de apreender e apreciar uma dada peça de música, não porque são surdas, mas por causa de uma falta de adaequatio na mente. O sentido da audição recebe nada mais do que uma sucessão de notas; a música é apreendida pelos poderes intelectuais. Algumas pessoas possuem estes poderes a tal grau que podem apreender, e também reter em sua memória, um sinfonia inteira no esforço de uma audição ou de uma leitura da pauta; enquanto outras são tão fracamente dotadas que não podem absorvê-la de todo, não importa quão frequente e quão atentivamente a escutem. Para os primeiros a sinfonia é tão real quanto era para o compositor; para os últimos, não há nenhuma sinfonia: nada há senão uma sucessão de mais ou menos agradáveis, mas ao mesmo tempo sem sentido, ruídos. A mente dos primeiros é adequada à sinfonia; a mente dos últimos é inadequada, e assim incapaz de reconhecer a existência da sinfonia. O mesmo se aplica através de todo um campo de experiência humanas possíveis e atuais. Para cada um de nós, só «existem» aqueles fatos e fenômenos para os quais possuímos adaequatio, e como não somos permitidos assumir que somos necessariamente adequados para tudo, todo tempo, e em qualquer condição que possamos nos encontrar, assim não somos permitidos insistir em que algo inacessível para nós não tenha existência em absoluto e que nada é senão um fantasma da imaginação de outras pessoas.

Há fatos físicos que os sentidos corporais captam; mas há também fatos não-físicos que permanecem não notados a não ser que o trabalho dos sentidos seja controlado e completado por certas faculdades «superiores» da mente. Alguns destes fatos não-físicos representam «graus de significância», para usar um termo cunhado por Mr. G.N.M. Tyrrel, que dá a seguinte ilustração:

Tomemos um livro, por exemplo. Para um animal um livro é meramente um forma colorida. Qualquer significância superior que um livro possa ter encontra-se acima de seu pensamento. E o livro é uma forma colorida; o animal não está errado. Indo um degrau acima, um selvagem iletrado pode olhar um livro como uma série de marcas em papel. Isto é o livro como visto em um mais alto nível de significância do que do animal, e algo que corresponde ao nível de pensamento do selvagem. De novo não está errado, só que o livro pode significar mais. Pode significar uma série de letras arranjadas de acordo com certas regras. Isto é o livro em um mais alto nível de significância do que o do selvagem... Ora finalmente, em uma nível mais alto, o livro pode ser uma expressão de sentido...

Em todos estes casos os «dados dos sentidos» são os mesmos; os fatos dados ao olho são idênticos. Não o olho, somente a mente, pode determinar o «grau de significância». As pessoas dizem: «Deixem os fatos falar por si mesmos»; esquecem que a fala dos fatos é real somente se é ouvida e compreendida. É pensado ser uma questão fácil distinguir entre fato e teoria, entre percepção e interpretação. Na verdade, é extremamente difícil.

Original

What enables man to know anything at all about the world around him? “Knowing demands the organ fitted to the object,“ said Plotinus (died A.D. 270). Nothing can be known without there being an appropriate “instrument” in the makeup of the knower. This is the Great Truth of “adaequatio” (adequateness), which defines knowledge as adaequatio rei et intellectus —the understanding of the knower must be adequate to the thing to be known.

From Plotinus, again, comes: “Never did eye see the sun unless it had first become sunlike, and never can the soul have vision of the First Beauty unless itself be beautiful.“John Smith the Platonist (1618-1652) said: “That which enables us to know and understand aright in the things of Cod, must be a living principle of holiness within us”; to which we might add the statement by Saint Thomas Aquinas that “Knowledge comes about insofar as the object known is within the knower.”

We have seen already that man, in a sense, comprises the four great Levels of Being; there is therefore some degree of correspondence or “connaturality” between the structure of man and the structure of the world. This is a very ancient idea and has usually been expressed by calling man a “microcosm” [40] which somehow “corresponds“ with the “macrocosm” which is the world. He is a physicochemical system, like the rest of the world, and he also possesses the invisible and mysterious powers of life, consciousness, and self-awareness, some or all of which he can detect in many beings around him.

Our five bodily senses make us adequate to the lowest Level of Being—inanimate matter. But they can supply nothing more than masses of sense data, to “make sense“ of which we require abilities or capabilities of a different order. We may call them “intellectual senses.“ Without them we should be unable to recognize form, pattern, regularity, harmony, rhythm, and meaning, not to mention life, consciousness, and self-awareness. While the bodily senses may be described as relatively passive, mere receivers of whatever happens to come along and to a large extent controlled by the mind, the intellectual senses are the mind-in-action, and their keenness and reach are qualities of the mind itself. As regards the bodily senses, all healthy people possess a very similar endowment, but no one could possibly overlook the fact that there are significant differences in the power and reach of people’s minds.

It is therefore quite unrealistic to try to define and delimit the intellectual capabilities of “man” as such—as if all human beings were much the same, like animals of the same species. Beethoven’s musical abilities, even in deafness, were incomparably greater than mine, and the difference did not lie in the sense of hearing; it lay in the mind. Some people are incapable of grasping and appreciating a given piece of music, not because they are deaf but because of a lack of adaequatio in the mind. The music is grasped by intellectual powers which some people possess to such a degree that they can grasp, and retain in their memory, an entire symphony on one hearing or one reading of the score; while others are so weakly endowed that they cannot get it at all, no matter how often and how attentively they listen to it. For the former, the symphony is as real as it was to the composer; for the latter, there is no symphony: there is nothing but a succession of more or less agreeable but altogether meaningless noises. The former’s mind is adequate [41] to the symphony; the latter’s mind i s inadequate, and thus incapable of recognizing the existence of the symphony.

The same applies throughout the whole range of possible and actual human experiences. For every one of us only those facts and phenomena “exist” for which we possess adaequatio, and as we are not entitled to assume that we are necessarily adequate ito everything, at all times, and in whatever condition we may find ourselves, so we are not entitled to insist that something inaccessible to us has no existence at all and is nothing but a phantom of other people’s imaginations.

There are physical facts which the bodily senses pick up, but there are also nonphysical facts which remain unnoticed unless the work of the senses is controlled and completed by certain “higher” faculties of the mind. Some of these nonphysical facts represent “grades of significance,” to use a term coined by G. N. M. Tyrrell, who gives the following illustration:

Take a book, for example. To an animal a book is merely a coloured shape. Any higher significance a book may hold lies above the level of its thought. And the book is a coloured shape; the animal is not wrong. To go a step higher, an uneducated savage may regard a book as a series of marks on paper. This is the book as seen on a higher level of significance than the animal’s, and one which corresponds to the savage’s level of thought. Again it is not wrong, only the book can mean more. It may mean a series of letters arranged according to certain rules. This is the book on a higher level of significance than the savage’s. ... Or finally, on a still higher level, the book may be an expression of meaning. . . .’

In all these cases the “sense data” are the same; the facts given to the eye are identical. Not the eye, only the mind, can determine the “grade of significance.” People say: “Let the facts speak for themselves”; they forget that the speech of facts is real only if it is heard and understood. It is thought to be an easy matter to distinguish between fact and theory, between perception and interpretation. In truth, it is extremely difficult. You see the full moon just above the horizon behind the silhouettes of some trees or buildings, and it appears to you as a [42] disc as large as that of the sun; but the full moon straight above your head looks quite small. What are the true sizes of the moon images actually received by the eye? They are exactly the same in both cases. And yet, even when you know this to be so, your mind will not easily let you see the two discs as of equal size. “Perception is not determined simply by the stimulus pattern,” writes R. L. Gregory in Eye and Brain; “rather it is a dynamic searching for the best interpretation of the available data.”2 This searching uses not only the sensory information but also other knowledge and experience, although just how far experience affects perception, according to Gregory, is a difficult question to answer. In short, we “see” not simply with our eyes but with a great part of our mental equipment as well, and since this mental equipment varies greatly from person to person, there are inevitably many things which some people can “see” but which others cannot, or, to put it differently, for which some people are adequate while others are not.