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Barbuy: Progresso (6) - progressismo e fatos históricos

quinta-feira 7 de outubro de 2021, por Cardoso de Castro

  

6. Se para o que se refere à origem e ao progresso do mundo cósmico, o monismo não é senão uma forma do panteísmo, isto é, uma teoria de que não se pode destacar uma causa substancial causante, a situação absolutamente não é outra, quando a ideia de progresso se exerce no exclusivo domínio da história, que é o seu terreno habitual. Não se distinguindo essencialmente entre matéria e forma, entre causa eficiente e causa final, torna-se indiferente indicar como fonte do desenvolvimento a elevação dos sentimentos com a vitória do altruísmo sobre o egoísmo; ou os progressos da inteligência que suprimem a teologia e a metafísica pelos conhecimentos “positivos”, que recalcam toda experiência vital no domínio do sensível; ou as formas da produção econômica, as quais assumem, no materialismo dialético, o mirífico papel de originar o indivíduo, a família, o Estado, as instituições morais e religiosas, as artes, as filosofias e todas as paisagens da vida interior: uma sinfonia de Beethoven não há de ser aqui precisamente um produto refinado do azoto, do hidrogênio, do oxigênio e do carbono e sim um produto das relações econômicas; por causa das relações econômicas a burguesia substituiu o feudalismo e será a seu turno substituída pelo proletariado; o Cristianismo e as Cruzadas, a Revolução Francesa e o Romantismo, tudo, sem exceção alguma, aparece como resultado das relações de produção econômica. [1] E não só se pode indicar [112] indiferentemente uma causa ou outra produtora do progresso total, como ainda é impossível distinguir entre um e outro dos elementos progredientes: pois, para o positivismo  , o materialismo e o idealismo só existe um todo originalmente homogêneo, em desenvolvimento. Nada mais arbitrário pois, do que a indicação pelo progressismo de uma causa do desenvolvimento histórico.

Ora bem, para o que se refere a esse desenvolvimento, indicada arbitrariamente a causa geral do progresso, nada mais fácil do que demonstrar a realidade da sua atuação nos fatos históricos. Em torno dos menores fatos históricos gravita uma multiplicidade de fatores e com a mesma facilidade qualquer um deles pode ser tomado como ponto de partida ou como ponto de chegada; com a mesma exatidão se pode demonstrar que as relações econômicas, a elevação dos afetos ou o crescimento da inteligência prática são a causa real do progresso; basta para tanto sublinhar um dos fatores constantes e estudar os demais como efeitos, para que o golpe de mágica se torne capaz de embair até o seu próprio autor. Já se demonstrou com a mesma correção que o calvinismo derivou do capitalismo e que o capitalismo derivou do calvinismo.

Os fatos históricos são os mesmos para todos; mas o colorido e a interpretação que se lhes dá varia de indivíduo para indivíduo, de nação para nação e de época para época. Tanto mais que, tendo o racionalismo ignorado um critério moral transcendente à luz do qual os fatos históricos pudessem ser objeto, ao menos de um juízo de valor, as explicações da história apareceram unicamente com o caráter de perspectivas sentimentais do mundo e do passado, que frequentemente melhor explicam o tempo em que foram elaboradas do que a época sobre a qual foram escritas. E dada a multiplicidade inextricável dos fatores que atuam em cada fato, o mesmo fato poderia ser perfeitamente explicado por teorias opostas. O século XIX analisou, reconstituiu, refez e dilatou os pobres [113] conhecimentos históricos das épocas anteriores, que só tinham como fontes a Bíblia e as referências dos escritores clássicos; remotas línguas e caracteres foram descobertos e decifrados e reconstruídos largos períodos históricos, enquanto que a história toda se refundiu à luz de novos conhecimentos. Todo este movimento interpretativo se exauriu na esmagadora obra de Oswald Spengler   sobre a Decadência do Ocidente, que determinou o colapso da ideia do progresso em linha reta, estabelecendo o ciclo fechado do progresso como desenvolvimento limitado das possibilidades essenciais de cada cultura: tal é realmente uma physiognomonia das culturas, onde apenas compete perguntar se os princípios da Inteligência e os da Vontade não são os mesmos em todas as culturas.


[1Não cabe neste trabalho a exposição dos subterfúgios de que lança mão o materialismo histórico para explicar a história. De todas as causas apontadas para a explicação do movimento histórico, aquela que exige maiores artifícios é a causa econômica; mas, os materialistas fogem às dificuldades, com a maravilhosa expressão: última instância. Quando a história não pode ser explicada pelos fatores econômicos, então estes últimos atuam somente em última instância; e quando por acaso não conseguem atuar nem mesmo em última instância, então se acompanha o exemplo de Engels, na carta que foi publicada por Ludwig Woltmann nos “Documentos do Socialismo” e onde a “base econômica da história” se alarga de tal modo que chega a compreender até as raças, as culturas, as filosofias e as religiões. Ademais, encerrando um debate sobre a linguística soviética, Stalin estabeleceu contra N. A. Marr que as línguas não são produtos da base econômica da sociedade. A tendência a explicar economicamente a história não resulta de nenhuma experiência científica mas sim de uma simples atitude apriorística, que tanto poderia ser essa como outra qualquer.