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Barbuy: Cristianismo e Angústia
sexta-feira 8 de outubro de 2021
Tornou-se corrente na Filosofia da Cultura estabelecer distinções radicais entre o Tempo histórico e o Tempo mítico, entre o Tempo cósmico e o Tempo humano [1]. Em outra linha, a filosofia contemporânea, principalmente a partir de Kierkegaard , explicita o tempo do Cristianismo como um tempo essencialmente angustioso, porque um tempo em que nos salvamos e nos perdemos. A existência posta como drama é a existência posta pelo tempo cristão. O tempo cristão é dramático, por oposição ao tempo antigo, que é trágico. O tempo assume no Cristianismo um significado capital, porque no tempo se processa a Encarnação e a Redenção; o tempo é a duração tensa, porque nele reside a Liberdade e portanto a escolha suprema na ordem dos fins, a escolha entre o bem e o mal. Este é um tempo desconhecido do homem antigo. Os gregos, exatamente por fluírem no tempo trágico, que é o tempo divino, não punham diferenças essenciais entre a Eternidade e o Tempo, tanto que a palavra Aion não significa apenas Aeternitas, mas também Aevum. O Aion como significando Aevum e Aeternitas é completamente estranho ao tempo da salvação. A Eternidade não foi para o homem clássico o irremediável selado pela morte. Entre o tempo antigo e o tempo cristão medeia a diversidade essencial que separa o tempo universal e o tempo individual, o tempo supra-humano e o tempo humano, o tempo metafísico e o tempo como vivência. Em Plotino ainda, se prolonga esta visão antiga do Tempo. Força-se uma interpretação cristã do tempo em Plotino, tomando-o como duração individual, como biografia e drama interior. É uma interpretação artificial, porque o tempo em Plotino é o tempo dissociado da Alma e não o tempo da Encarnação e da Redenção. O tempo de Plotino era movimento, saída da imobilidade, quebra da unidade; era posto em referência com o Eterno, do qual fluía por degradação, e com esse logos spermatikos, que depois assumiu aspecto tão diferente nos platônicos cristãos. Os seres temporais saíam como de um germe imóvel, desenvolviam-se evoluindo, dividiam-se de sua unidade interna e perdiam sua força pelo seu progresso. Quanto mais distante da Unidade originária, mais pobre o ser, de sorte que os seres temporais pertencem à esfera das realidades mais ínfimas. O ser imerso no tempo está distante de si mesmo e de toda realidade verdadeira. O tempo se aproxima do nada; é a multiplicidade engendrada pela Alma; é alongamento progressivo cia vida da Alma, em que a Alma se multiplica de si mesma, se reproduz de si mesma, esvaindo-se em muitas vidas diferentes; se há tempos diferentes, é porque há vidas diferentes na Alma dissociada; o tempo é a diversidade das vidas da Alma, é multiplicação e perdição e perdição no caminho da matéria, que é o Mal absoluto. Mas a Eternidade é o repouso, a imobilidade, a unidade, a identidade, a infinitude; e por isso, como o Uno ignora o múltiplo, a Eternidade não conhece o tempo, já que o tempo é evolução, movimento e fuga. Ao contrário do Infinito, o qual é um Todo, o tempo é um progresso incessante para o Infinito, que se dá parte por parte; o tempo não é a Totalidade, que está toda presente a si mesma (e que por isso é Totalidade), mas um todo que vem parte por parte, que se desenrola, que está sempre vindo e sempre por vir.
Esta temporalidade de Plotino, como duração e como criação da Alma, que se perde na sua marcha para o múltiplo, é o desenvolvimento final do tempo grego, pode ser até um desvio da visão grega do tempo, mas não tem nada de comum com o tempo angustioso do Cristianismo. O tempo ainda é em Plotino um tempo supra-hurnano, que pende da tragédia divina. O drama dos indivíduos não é dos indivíduos, mas do Uno, que se fragmenta na Inteligência, da Inteligência, que se fragmenta na Alma, da Alma, que se aniquila na matéria. Como na tragédia grega, o indivíduo não é o protagonista do drama, mas a máscara que representa os papéis da tragédia. O tempo de Plotino não é premido pela angústia da salvação do indivíduo como tal. Não existe a perdição concreta, no sentido do inferno cristão (que também não se parece com o Hades antigo), porque a perdição é o nada. Não existe a salvação eterna, que se assimila ao Uno e não ao indivíduo. Salvar-se é deixar de ser indivíduo, porque o indivíduo se aproxima do mal, que é a matéria. A história não cumpre o desígnio divino, porque ela é o não-desígnio; não é a façanha da luta pela liberdade, como poderia pensar algum filósofo atual, mas o caminho do erro, uma não-realidade; a história é negativa, porque o tempo é a negação do Uno. O tempo é além disso ilusório, porque aparece ao fragmento individual, mas não tem realidade no Um. E como o indivíduo só tem de real o que não tem de fragmentado, ele só tem de real o que tem de Eterno e não o que tem de temporal. O mundo é o reino platônico da sombra e do mal; é caverna e escuridão, é ilusão dos sentidos, é multiplicação inútil. A nostalgia vem desta parcela de Eternidade que trazemos para o sepulcro do corpo. [2]
Seria fácil encontrar em Santo Agostinho todos os elementos do plotinismo. Mas o tempo augustiniano tem um sentido inteiramente diverso. Santo Agostinho precisamente é um dos fundadores da consciência da subjetividade e do tempo angustioso, e nem por menos está tão vivo na filosofia contemporânea. No tempo angustioso, o Uno de Plotino se torna um Deus pessoal, um Deus Ativo que cria o mundo, inclusive a matéria; os quatro elementos são ainda indissolúveis em Santo Agostinho, mas são obra da criação. A matéria deixa de ser o mal, porque todos os seres são bons enquanto seres; o mal não é a matéria, mas a deficiência, a falta, a privação; o corpo já não é a sepultura da alma, e sim ao contrário, é o reflexo da beleza divina. O homem é ainda em Agostinho uma alma que se serve de um corpo. Mas o corpo deixa de ser o símbolo da morte, não só porque Deus criou o corpo, como ainda porque os corpos ressuscitarão no dia do Juízo. Está posta em Agostinho a premissa depois desenvolvida pela Escolástica de que o homem é unidade substancial de alma e corpo e de que portanto o corpo é parte essencial do homem. A dignificação da matéria, que saiu como um bem das mãos de Deus, a justificação do corpo e da condição humana, decaída pelo pecado, mas que conserva ainda os vestígios da felicidade perdida, todos estes elementos puderam ser chamados a expressão do otimismo cristão. Mas este otimismo (que não parece muito claro na Patrística grega) não só não evitou, como ainda sublinhou a angústia do tempo. A angústia cresce se eu sou, não só o meu espírito, mas também o meu corpo, do qual estou condenado a separar-me no desenlace da morte. A condição do morto, na Igreja, é a condição das almas separadas. Além disso, se o mundo foi criado do Nada, o mundo, enquanto mundo, está posto entre dois não-tempos ou entre dois nadas. Ou então, o mundo se resolve por fim no repouso eterno do Absoluto, como acontece em Máximo, o Confessor, e em Hegel. O mundo havia sido outra cousa para os antigos; era um ponto de referência estável, fora do tempo, enquanto princípio maternal co-eterno, e enquanto receptáculo do sagrado [3]. Desde os pré-socráticos até Crisipo o Mundo teve a amplitude de uma conexão entre a Terra e o Céu, os Mortais e os Deuses [4]. Mas, a tese cristã tal como aparece em Santo Agostinho, é que o tempo foi criado com a matéria e o mundo; são sinônimos temporal e mundano; de maneira que o Cristianismo põe realmente a tese da angústia existencial (inclusive a angústia dos existencialistas que se dizem ateus), porque segundo o Cristianismo, estamos no mundo, não como num lugar, mas como num tempo, num processo, numa tensão; tal é em Heidegger o sentido do estar-no-mundo. O mundo deixou de ser no Cristianismo o ponto estável de referência; e por isso é que, na Idade Média, a palavra mundus, por oposição ao seu sentido antigo, se tornou sinônimo de sempre em movimento. Quer dizer que não havia compatibilidade entre o Cristianismo e o sentido antigo de Centrum, o sentido de Mundus, tal como este sentido aparece na Religião grega e romana e mais remotamente na Religião etrusca. O Mundus, com sua significação clássica, não podia subsistir, se o tempo já não era um desenrolar-se da tragédia dos deuses ou da Alma. Não há maior erro do que aplicar à cultura antiga as noções que se originaram do Cristianismo; o tempo arcaico, o tempo de Heráclito , não era tempo dramático, mas tempo catastrófico. O tempo se torna dramático quando se interioriza, quando se subjetiva e quando o indivíduo, portador do tempo, se vê como um contingente, posto na contingência universal do mundo. Ele se move no movente; ele é um abismo que se abisma. Porque o tempo cristão já não é um dissociar-se da Alma universal, mas um desenrolar-se do meu próprio drama. A Eternidade antiga não inquietava o homem, no sentido religioso do termo, tanto quanto não nos inquieta o tempo infinito que decorreu antes do nosso nascimento. O que nos inquieta é o tempo ou a Eternidade que vem depois da nossa morte; a morte é inquietante, porque nos espera no futuro, e o futuro cristão é o reino do possível: no futuro o cristão pode salvar-se; no futuro pode perder-se; mas, como disse tão bem Kierkegaard, no futuro o cristão só não pode desfazer-se de si mesmo. [252]
O tempo se torna angustioso, quando deixa de ser a memória de algo, para tornar-se a memória de si mesmo; o tempo se liga à memória, tornando-se pessoal, vivencial. O tempo cristão se torna inteiramente pessoal, se adstringe inteiramente a esta única vida, desde que se perdeu a possibilidade, na qual acreditavam os platônicos, de explicar a reminiscência da felicidade perdida, por vidas pessoais anteriores. A reminiscência cristã da felicidade perdida não vem de vidas pessoais anteriores, mas dessa Iluminação Divina, explanada por Santo Agostinho, desse Mestre Interior, que nos fala do fundo da nossa subjetividade e que apela constantemente para a urgência do tempo, a urgência da salvação. O cristão, na sua existência irrepetível e única, faz a sua eternidade no seu tempo; como qualquer outro, ele nasce, vive e morre no tempo. Mas a possibilidade de um ponto de apoio num espaço particular sagrado, como por exemplo o espaço simultâneo do Centrum e do Mundus, esta possibilidade se extinguiu com a subjetivação do tempo, que implicou a planificação do espaço, tornando uniformes todos os espaços, de sorte que já não estamos no espaço sacral de nenhum Mundus, mas num tempo aflitivo em que nos salvamos e nos perdemos. Este é o tempo da preocupação, da angústia, Sorge, como diz Heidegger, por que nele eu me faço o que sou e o que me torno; é um tempo tendido para futuro, e nada obstante, feito só de passado, porque o presente, como bem via Santo Agostinho, está sempre a cair no passado, é um presente que já passou. Se o tempo fosse presente, seria então a eternidade e não o tempo; se o tempo fosse presente, não haveria angústia. É o que compreendeu Schopenhauer , cujo conselho, a quem quer afirmar a vontade de viver, é afirmar o presente com a sua eternidade, porque o tempo não é senão atributo do fenômeno. Mas o que sucede é que o fenômeno, para Schopenhauer, não tem em si a sua realidade, sendo a representação da Vontade de Viver; é então fácil aconselhar ao aflito transeunte do tempo, que afirme a eternidade da Vontade de viver, ignorando o tempo da sua existência como fenômeno. No Cristianismo, porém, este conselho não tem sentido, porque o fenômeno é uma realidade substancial, o indivíduo não é representação, mas pessoa. E é pessoa que tem em si um tempo limitado e único, um tempo que é devorado pelo passado e aspirado pelo futuro.
Se o espaço se planificou com o Cristianismo (pois não há o espaço sagrado e o espaço se tornou indiferente para a salvação), o tempo, ao contrário, sublinhou a sua heterogeneidade, o que sublinha também a sua angústia. A cada instante praticamos atos que podem decidir da eternidade. No tempo arcaico, os momentos eram heterogêneos, mas como derivado de uma hierarquia eterna, e não no sentido processual do tempo cristão: não há no Cristianismo dois momentos como o da Encarnação e o da Redenção; não há dois momentos como o da nossa morte; se no tempo está a Liberdade, na morte está o Destino. Inútil é comunicar ao cristão a fórmula da tranquilidade antiga: Onde estamos, a morte não está; onde a morte está, nós não estamos; inútil, porque estamos exatamente onde a morte está, porque somos os portadores da morte, e porque com a morte não morremos. É preciso compreender que só podemos morrer, com a condição de termos a consciência da morte, com a condição também de que a morte no tempo se refira ao Intemporal. Existem seres que não têm a consciência da morte; seres que se repetem, se multiplicam, seres que desaparecem, mas não morrem. O que faz com que se possa morrer é a consciência da morte, a consciência da responsabilidade diante da morte, pelo uso que fizemos da liberdade no tempo. Se a morte fosse a extinção, não referiríamos os nossos atos ao futuro desconhecido. No entanto, quanto mais solene um ato, mais vinculado está ele ao futuro, e o que faz a sua solenidade é a sua vinculação ao futuro. O ato do espírito se transcende a si mesmo, como o que se dirige ao intemporal. A fórmula de todo amor, que é o voto de fidelidade perpétua, revela a íntima conexão entre a tensão para o futuro e a Eternidade. Quanto mais tenso um estado vital, mais funda a sua referência ao infinito da nostalgia. Compreende-se aqui por qual motivo o Romantismo associou tão estreitamente o amor e a morte. Os amantes que morrem de amor, como Tristão e Isolda morreram, supõem a fixação pela eternidade, de um sentimento que em vão teriam procurado fixar num tempo sem eternidade. É no amor que a alma dilacerada sente a nostalgia de uma obscura integridade primitiva. Mas é no amor também que se revela toda a angústia da eternização impossível do tempo. O ato sexual visa a eternidade, pela reprodução da vida; mas, multiplicando o ser, a sua contradição é que perpetua o tempo e imortaliza a morte [5].
Sob nenhum ponto de vista é discutível a tese de que realmente o Cristianismo produziu o tempo angustioso, o tempo da salvação. O tempo, tal como é vivido, depois do Cristianismo, inclusive pelos hereges, pelos materialistas e os ateus, é o tempo angustioso, o tempo que perturba. A angústia do tempo revive em todas as Filosofias que dissolvem o tempo na Eternidade ou que desdobram a Eternidade no tempo. Nas Filosofias do Cristianismo contemporâneo, e em particular no Idealismo alemão, se exprime de modo claro a tensão do futuro. Porém o tempo como vivência se manifesta de maneira capital na música do contraponto, a música da tensão angustiosa, a música da reminiscência. Na mais emocional de todas as artes, na arte única, também é mais angustiosa a vivência do tempo. Mas exatamente a música revela esta verdade profunda, que a tensão para o tempo não se explicaria se o tempo não fosse tocado pela Eternidade. A música desperta sentimentos tão fundos, que parecem vir da origem do tempo, onde o tempo tem o seu ponto de conexão com a Eternidade. O tempo não poderia ser vivido sem a Eternidade que paira sobre o tempo. O que procuramos no tempo é a Eternidade, se não [255] o tempo não teria sentido. O tempo é um tempo para; e por isso, nos Padres gregos e nos filósofos românticos, o mundo se resolve por fim no Absoluto porque o tempo pelo tempo seria um tempo absurdo. Na música, a descoberta do leit-motif teve por finalidade conjugar as variações do tema com a repetição do motivo eterno. De Wagner se diz que procurou criar a música do infinito, como superando o tempo e como desenvolvendo no tempo a simbólica dos mitos originários.
A busca dos arquétipos inconscientes em Jung , o retorno ao mais antigo em Heidegger, a sedução do arqueológico e do primigênio, são modos de surpreender a Eternidade através do tempo, estabelecendo um contacto com o primordial, com o anterior ao tempo: Kerényi diz claramente que, na mitologia, o retorno ao arcaico é o retorno ao Grund; o Grund, nos românticos, é o anterior ao tempo, é como a Eternidade no tempo.
Há, porém, formas frustras patentes de procura da Eternidade no tempo. O Cristianismo dotou o homem de um tempo angustioso, de uma consciência histórica e de um sentimento tão agudo de sua existência, que todos os movimentos espirituais do Ocidente, ou têm como fim avivar a consciência do tempo dramático, ou fugir a essa consciência, por meio de heresias que apenas a confirmam. A utopia do paraíso terrestre no futuro é uma fuga à consciência angustiosa do tempo. O caráter do marxismo, por exemplo, como heresia cristã, é visível, quando esta teoria propõe o fim da história, pela supressão da luta de classe, dada como fundamento da história; é o mesmo que propor um tempo sem tempo, ou um tempo sem história, de onde seja banida essa angústia do tempo da salvação. Na sua comovente compaixão do homem, quer libertar o homem, não pela porta da Eternidade, mas pela eternização do tempo. Mas o paraíso extra-temporal no futuro, não é senão a inversão da perspectiva cristã do paraíso extra-temporal no passado. Todas as teorias progressistas operam esta inversão de perspectivas, porque a redenção do homem no paraíso terrestre futuro, se funda na ilusão da possibilidade de suspender o tempo. Como o indivíduo vê que seu futuro não pode diferir muito de seu passado e como o futuro é o portador seguro da morte, ele consegue anular o tempo angustioso deslocando o ponto de referência para a coletividade, a humanidade, que viverá então um paraíso onde o tempo terá sido suspenso. Esta ilusão domina a civilização contemporânea, que traz na sua técnica, a marca frustra da angústia cristã. Mas a eternidade, não só não é sustação do tempo, como ainda é o princípio graças ao qual o tempo transcorre e não pode deixar de transcorrer.
Dissemos que o tempo não poderia passar, se não contivesse um elemento de Eternidade. Tal como nós mudamos, com a condição de permanecer (se não permanecêssemos, não mudaríamos, a cada mudança seríamos outro), assim também o tempo, só pode aparecer como sucessão, a partir de um princípio intemporal, onde não há sucessão. Da presença da Eternidade no tempo vem a fascinação do Eterno. Esta fascinação do Eterno dominou a Filosofia medieval, com o desprezo do tempo sucessivo que é um tempo acidental e contingente na Metafísica. Não foi pela sua indiferença pela emoção como faculdade cognitiva; não foi só porque o tempo vivido não se deixa captar nas redes do silogismo; não foi só em virtude do seu Intelectualismo, que a Escolástica desconheceu o tempo vivido, o tempo emocional de cada existência humana. Esta feição da Escolástica mostra que não há no Cristianismo somente o tempo angustioso, mas também a fascinação do Eterno, a fascinação do tempo ritual. O tempo angustioso, que sem dúvida é o tempo cristão, se liberta na Igreja medieval pela mediação do tempo ritual. O reflexo do Eterno, na vida católica, se encontra no Ano Litúrgico, repetição imutável dos mesmos ritos, em que o tempo simboliza a Eternidade. O mistério da Redenção se deu no tempo, mas está a repetir-se em cada vida e a cada momento, como um drama que reproduz a eternidade e não o tempo. Por isso, no dogma católico, a missa é a reconstituição exata, dia por dia, do mesmo mistério, que repete no tempo o ritmo da Eternidade. O rito católico, imutável e universal, alheio ao suceder histórico, alheio à variação das interpretações, exprime o intemporal no tempo. Se foi portanto a Filosofia contemporânea e não a Filosofia medieval, que explicitou a essência angustiosa do tempo cristão, isto se deve a que a Cristandade medieval (e inclusive a patrística, com Santo Agostinho e outros platônicos), assumia o tempo sucessivo no tempo ritual, no tempo como ritmo. A descrição do tempo angustioso tinha como fim levar o cristão a imergir-se no Corpo Místico por meio do tempo ritual. Por isso, o rito é essencial ao Catolicismo. Ele instaura, na polaridade extrema da vida cristã, a conexão entre a esperança e a angústia, entre a Eternidade e o tempo. [257]
[1] Além da literatura alemã a este respeito, vide a obra monumental de J. Evola, Rivolta Contro il Mondo Moderno, Fratelli Bocca, 2.a ed., 1951.
[2] NOTA: Na falta de outra, usamos impropriamente esta palavra indivíduo; impropriamente porque indivíduo significa indivisível, e em Plotino, o que chamamos indivíduo já é o dividido, o dissociado.
[3] A respeito do sentido da palavra Matéria, como proveniente de Mater, vide a comunicação deste autor ao Congresso Internacional de Filosofia em Veneza, sob o título Ombre et Lumière de la Nature.
[4] Esta visão do Mundo é retomada por Heidegger em seu ensaio Das Ding.
[5] Como se lê na extraordinaria exégèse de Máximo, o Confessor, dada por Hans Urs von Balthasar em sua Kosmische Liturgie, 1941 e trad. francesa, Aubier, 1947.