Hegel (CL1-Livro1) – “eu”

português

Mas não podemos deixar de mencionar um início original da filosofia que se tornou famoso na época moderna, o início com Eu. Esse início veio em parte da reflexão de que, do primeiro verdadeiro, todo o resto tem de ser derivado e em parte da necessidade de que o primeiro verdadeiro seja algo bem conhecido e ainda mais algo imediatamente certo. Esse início não é, em geral, uma representação que é contingente e que pode ser constituída num sujeito assim e noutro de outro modo. Pois Eu, essa autoconsciência imediata, aparece inicialmente ela mesma em parte como algo imediato, em parte como algo bem conhecido em um sentido muito mais elevado do que uma outra representação; algo diferentemente bem conhecido pertence, com efeito, ao Eu, mas ainda é um conteúdo diferente dele e, assim, um conteúdo imediatamente contingente; Eu, ao contrário, é a certeza simples de si mesmo. Mas o Eu em geral é também, ao mesmo tempo, um concreto, ou melhor, o Eu é, antes, o mais concreto — a consciência de si como mundo infinitamente multíplice. Para que o Eu seja o início e o fundamento da filosofia, é exigida a separação desse concreto — o ato absoluto por meio do qual Eu é purificado de si mesmo e, como Eu abstrato, entra em sua consciência. Só que esse Eu puro não é agora um Eu imediato, nem o Eu conhecido, o Eu comum de nossa consciência, ao qual a ciência deveria ser amarrada de modo imediato e para cada um. Aquele ato não seria propriamente outra coisa senão a elevação para o ponto de vista do saber puro, no qual a diferença entre o subjetivo e o objetivo desapareceu. Mas como essa elevação é exigida de modo imediato, ela é um postulado subjetivo; para se provar como exigência verdadeira, o movimento progressivo do Eu concreto da consciência imediata até o saber puro teria de ser mostrado e apresentado nele mesmo por meio de sua própria necessidade. Sem esse movimento objetivo, o saber puro, também determinado como a intuição intelectual, aparece como um ponto de vista arbitrário ou mesmo como um dos estados empíricos da consciência, a respeito do qual depende se um o encontra em si ou pode produzi-lo, mas outro não. Mas na medida em que esse Eu puro precisa ser o saber puro essencial e o saber puro é posto na consciência individual apenas através do ato absoluto da autoelevação e não está presente imediatamente dentro dela, perde-se justamente a vantagem que deve decorrer desse início da filosofia, a saber, que ele seria algo pura e simplesmente bem conhecido, o que cada um encontraria imediatamente dentro de si e ao qual poderia ligar a reflexão ulterior; aquele Eu puro em sua essencialidade abstrata é antes algo desconhecido à consciência comum, algo que ela não encontra dentro de si. Com isso, entra muito mais a desvantagem da ilusão de que se deve tratar de algo bem conhecido, do Eu da autoconsciência empírica, enquanto, de fato, trata-se de algo distante dessa consciência. A determinação do saber puro como Eu leva consigo, em retrospecto, a recordação perdurante do Eu subjetivo, cujas barreiras devem ser esquecidas, e mantém a representação presente, como se as proposições e relações que surgem do Eu no desenvolvimento ulterior pudessem ocorrer e ser encontradas na consciência comum, já que é dela que tais proposições e relações tratam. Esse equívoco, ao invés de clareza imediata, engendra, antes, apenas uma confusão ainda mais gritante e uma desorientação total; na exterioridade, ela provocou de modo completo os mais grosseiros mal-entendidos.

Além disso, no que concerne à determinidade subjetiva do Eu em geral, o saber puro toma certamente do Eu seu significado limitado de ter num objeto sua oposição insuperável. Por essa razão, seria pelo menos supérfluo conservar ainda essa postura subjetiva e a determinação da essência pura como Eu. Contudo, essa determinação não leva consigo apenas aquela incômoda ambiguidade, mas ela também permanece, considerada mais de perto, um Eu subjetivo. O desenvolvimento efetivo da ciência que parte do Eu mostra que o objeto tem e mantém nele a determinação perene de um outro para o Eu, de modo que o Eu do qual se parte não é o saber puro que superou na verdade a oposição da consciência, mas ainda está preso ao fenômeno.

Aqui ainda tem de ser feita a observação essencial de que se o Eu certamente pudesse ser determinado em si, como o saber puro ou como intuição intelectual e afirmado como início, não se trataria, na ciência, de saber o que estaria presente em si ou internamente, mas do ser aí do interno no pensar e da determinidade que o pensar tem nesse ser aí. Mas o que é aí da intuição intelectual ou — se seu objeto é nomeado o eterno, o divino, o absoluto — o que do eterno ou do absoluto é aí no início da ciência, isso não pode ser outra coisa senão a determinação primeira, imediata e simples. Independentemente do nome mais rico do que aquele que expressa o “mero ser” que seja dado a isso, o que pode ser considerado é apenas [saber] como um tal absoluto entra no saber pensante e no enunciar desse saber. A intuição intelectual é, certamente, a violenta rejeição do mediar e da reflexão que prova, reflexão exterior. Mas o que ela enuncia mais do que a imediatidade simples é um concreto, algo que contém em si diversas determinações. O enunciar e a apresentação de algo assim, contudo, é, como já foi observado, um movimento mediador que inicia com uma das determinações e prossegue para a outra, mesmo quando essa também retorna à primeira; — é um movimento que, ao mesmo tempo, não pode ser arbitrário ou assertório. Em tal apresentação, portanto, inicia-se não com o concreto mesmo, mas apenas com o imediato simples, do qual parte o movimento. Além disso, quando um concreto é tornado início, falta a prova da qual precisa a ligação das determinações contidas no concreto.

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