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Barbuy: Progresso (1) - mito do século XVIII a nossos dias

quinta-feira 7 de outubro de 2021, por Cardoso de Castro

  
“Qu’est ce donc que nous crie cette avidité et cette impuissance, sinon qu’il y a eu autrefois dans l’homme un véritable bonheur, dont il ne lui reste maintenant que la marque et la trace toute vide, et qu’il essaye inutilement de remplir de tout ce qui l’environne, recherchant de choses absentes le secours qu’il n’obtient pas des présentes, mais qui en sont toutes incapables, parce que le gouffre infini ne peut être rempli que par un objet infini et immuable, c’est-à-dire que par Dieu même?”

Pascal  , Pensées.

1. O mito do progresso indefinido se consubstanciou numa ideia mestra que modelou o pensamento ocidental dominante nos séculos XVIII e XIX e constitui ainda nos dias atuais o fundo explicativo de quase todos os movimentos políticos e econômicos. — A imagem mais clara desse mito foi a de uma progressão em linha reta, na direção de um aperfeiçoamento global ilimitado, como o pregava a “philosophie rationaliste des lumières”, com o seu dogma da perfectibilidade indefinida da espécie humana. A certeza progressista de que o presente é superior ao passado e de que o homem atual em cada época constitui o ponto mais elevado de uma evolução contínua — de um caminhar sempre para a frente — de tal sorte que todo ser é apenas acidente da experiência e toda experiência se inscreve numa atualidade cada vez mais rica, — esta ilusão, embora não tenha sido a de todos os filósofos dos últimos dois séculos, dominou no entanto as correntes mais expressivas da mentalidade contemporânea e veio também a fundamentar aquele falso historicismo para o qual o homem é [101] um produto da história e não a história um produto do homem. Historicismo esse que nega os valores absolutos, como se as afirmações do absoluto fossem puras afirmações históricas e como se tudo fosse unicamente resultado da História. São erros comuns de todo progressismo a inadequada generalização dos dados da experiência externa e a concretização artificial do abstrato, que faz por exemplo da História uma entidade miraculosa que fosse a causa, o continente e a síntese de tudo: em vez de considerar a história como o desenvolvimento das sociedades humanas, esse historicismo, ao contrário, considera as sociedades como produto do desenvolvimento histórico. Todo progressismo repousa igualmente no pressuposto de que a realidade se constitui não de substâncias e acidentes e sim do puro vir-a-ser, como se fosse possível afirmar a mudança negando a existência da cousa que muda.

Negadas as substâncias da ontologia realista tradicional, o idealismo e o materialismo destruíram a hierarquia ôntica de realidade, apresentando o mundo, não como um conjunto de seres que se desenvolvem pelo ato e segundo a potência, mas sim, como simples devenir, o werden hegeliano, o qual não é ele próprio senão a encarnação do mito do progresso indefinido; indefinido porque, subtraídas do real as substâncias que dão um sentido e um limite ao desenvolvimento dos seres, este último só se pode conceber como ilimitado. Assim também na sociologia “dinâmica” de Comte o progresso se realiza segundo o modelo de uma lei física, com toda a sua necessidade e irreversibilidade, num eterno caminhar tão destituído de objetivo, como as sucessivas trilogias hegelianas, cujo último fim ideal é a reabsorção do Espírito em si mesmo. — Um dos traços comuns do idealismo e do materialismo — como filosofias monistas que são — é abolirem a heterogeneidade dos seres, declarando a sua homogeneidade e considerando os caracteres distintivos dos seres, não como essenciais e específicos e sim apenas como acidentais e quantitativos. O monismo, considerando a distinção entre os seres como de grau e não de natureza, como acidental e não como substancial, implica por isso mesmo a ideia do progresso indefinido, não só na ordem da espécie humana, como também no universo de todos os seres, em constante processo de formação e vir-a-ser, ou seja, descrevendo a linha de um desenvolvimento que não tem limite nem sentido. O progresso pode ser entendido assim como um contínuo auto-fazer-se, mas não como o auto-fazer-se [102] de um ser que realiza pelo ato o conteúdo essencial da sua potência e sim com um auto-fazer-se que implica uma constante fabricação da realidade ex-nihilo e que não tem outra direção, nem outro sentido senão aquele que o próprio auto-fazer-se se impõe a si mesmo. Para o progressismo, que nega o ser substancial, não é o ser que se-auto-perfaz que se impõe um limite e um fim, mas sim a própria auto-perfactura, erigida arbitrariamente na substância anteriormente negada, que determina o seu próprio limite; a partir daquela contradição, a aparente liberdade absoluta do auto-fazer-se, não é a liberdade de nenhum ser concreto e substancial e sim a liberdade do abstrato, a liberdade da própria liberdade, que reside no todo homogêneo em constante progresso. O progressismo significa com isto a crença numa liberdade irreal, abstrata, com a destruição de toda liberdade concreta.