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Patocka (1995:17-18) – o movimento

sábado 14 de setembro de 2024

  

[...] O movimento sobre o qual quero falar aqui não é apenas o movimento voluntário, mas qualquer tipo de movimento que seja inseparável de um sujeito, cujo significado íntimo implique um sujeito: os movimentos provocados pela dor, por exemplo, ou aqueles que realizamos de surpresa ou quando cedemos aos nossos automatismos. Os movimentos dos olhos seguindo seu objeto, a caminhada de um estudante em sua rota diária, o grito de dor são, nesse sentido, movimentos subjetivos.

Parece-me que há uma característica do movimento subjetivo que não se aplica nem às ações perceptivas do corpo nem à objetivação em geral. A percepção, não mais do que o resto da objetivação, nunca chega ao fim, está sempre dispersa em novos remetimentos; para ela, o ente jamais é apreendido de forma definitiva e exaustiva, em seu em-si, mas permanece nas perspectivas. O movimento, por outro lado, postula diretamente o ente, realiza ou se afasta do ente como tal. O movimento também pressupõe a coincidência direta do subjetivo e do objetivo, sendo possível somente porque um corpo (Körperliches) se submete ao nosso "eu posso" ou "eu faço" subjetivo. O movimento subjetivo está sempre aí, com a dação de sentido, fundado em mim, incapaz de estar sem mim; além disso, o "eu posso", que passa a um "eu faço", e o "eu faço", que se baseia em um "eu posso", nunca podem ser um visada vazia, na medida em que deve haver de fato um movimento subjetivo. É verdade que o que eu movo não é o corpo físico, mas minha mão subjetiva, e que o movimento, nesse sentido, ocorre em uma esfera de vida. Entretanto, esse desdobramento tem pressupostos objetivos nas estruturas do próprio corpo e um sedimento objetivo que todos podem observar e notar. E embora certamente haja casos de paralisia, em que o "eu posso" gasta seus esforços em vão e só faz a transição para um "eu faço" à custa de ilusões, o fato é que a dação de sentido pode sobreviver ao que fornece o impulso, sem que seu sentido seja comprometido, e o corpo subjetivo e o movimento subjetivo são de fato dações de sentido que se baseiam em impulsos predeterminados. Além disso, a anormalidade não pode ser usada como evidência contra a normalidade; pelo contrário, é uma deficiência que pressupõe a normalidade. O "poder sobre o próprio corpo" não é, portanto, um mero epifenômeno, mas o próprio movimento em sua realização. Nesse movimento, há um salto no ser. O dizer subjetivo não é o dizer "pura e simplesmente" subjetivo. É um ato em seu próprio direito. Não é uma perspectiva sobre algo objetivo: é o que torna o objetivo como tal, em pessoa. O caminho subjetivo de uma jornada é um caminho real.

Isso também implica em outra coisa. O movimento deve ser um ato autêntico, e não uma mera experiência dele. Em outras palavras, não pode ser considerado como algo "mental" ou "psíquico", como Bergson   às vezes parece pensar. Tampouco, é claro, é a jornada feita em uma sucessão contínua. A jornada é algo objetivo, assim como o processo da jornada é objetivo. O ato em si não está contido em nenhum estágio dessa jornada. O movimento como um fenômeno espaço-temporal nada mais é do que a multiplicidade contínua de posições ocupadas sucessivamente em um determinado tempo pelo mesmo objeto. O movimento subjetivo, por outro lado, não é apenas experimentado como, mas é de fato um — um ato único, uma realização, uma concretização.


Ver online : Jan Patocka