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Manifestos Midiológicos

terça-feira 22 de março de 2022, por Cardoso de Castro

  

Régis Débray - Manifestos Midiológicos
Citações Livres

Ideologia: “não deveríamos entender por essa palavra-armadilha a antítese de um saber – a ideologia como ilusão ou reflexo, inversão especular do real, desconhecimento, falsa consciência, etc. – mas o meio de organização, de uma incorporação, de uma encarnação coletiva.

As questões ditas, há bem pouco tempo, ideológicas – hoje em dia, diríamos simbólicas ou culturais – trabalham o corpo das sociedades: é a razão pela qual elas não são leves ou confusas, mas pesadas, graves   e “orgânicas”.

“O mediador substitui o mensageiro”; “O Triunfo do Cristianismo”: a estátua de Mercúrio em pedaços diante do Cristo na cruz (obra de Laurentis Tommaso). A comunicação é fluida enquanto a mediação é pesada.
Dupla tragédia: incorporação e distorção.
O mediador toma o lugar do que ele mediatiza e o canal que estabelece a conexão, acaba por destruí-la.

A mediação determina a natureza da mensagem existe primazia da relação sobre o ser.

A exigência da incorporação produz corporações, ou seja, esses corpos intermediários e instituições do saber, normalizados e normativos, batizados escolas, igrejas, partidos, associações, sociedades de pensamento, etc.

Midiologia: ocupa-se dos signos, em sentido amplo e não restrito como na lingüística; ocupa-se de todos os vestígios sensíveis a uma intenção de sentido; diferente da semiologia enfoca o poder dos signos, e não apenas o sentido; visa, além do enfoque da pragmática da comunicação, além das relações da palavra e dos calorosos cara-a-cara da intersubjetividade, alguma coisa como uma pragmática do pensamento na história lenta e longa das sociedades, onde as mensagens se vestem de palavras, gestos, figuras e imagens, toda a panóplia dos arquivos do signo.

Objeto da midiologia é o estudo das vias e meios da eficácia simbólica; em lugar de formular a questão: “este pensamento é o produto de quê?”, propõe-se “o que é que produziu efetivamente?”.

Descrever o desenvolvimento de uma filosofia em não filosofia, de um discurso em não discurso, requer mais do que se acomodar na episteme subjacente a este ou aquele campo de enunciados, levantar fenômenos mais obscuros e triviais de encaminhamento, difusão e propagação; não se tratando de decifrar o mundo dos signos, mas compreender o processo pelo qual os signos tornam-se mundo.

Atraso em que se encontra o conhecimento dos mecanismos da influência e do controle em relação ao conhecimento da produção das verdades experimentais e falsificáveis.

O fato de que uma representação de mundo – e não somente sua percepção, considerada como natural – terá de ser encarada como um enigma.

Midiologia: disciplina que trata das funções sociais superiores em suas relações com as estruturas técnicas de transmissão.

Método midiológico: o estabelecimento, caso a caso, de correlações se possível verificáveis, entre as atividades simbólicas de um grupo humano, suas formas de organização e seu modo de coleta, arquivamento e circulação de vestígios. As produções simbólicas de uma sociedade no instante t não podem ser explicadas independentemente das tecnologias da memória utilizadas no mesmo instante. Isso quer dizer que uma dinâmica do pensamento é inseparável de uma física dos vestígios.

O meio de encaminhamento de uma mensagem, no sentido McLuhan, é um elemento de análise limitado, não passando do nível térreo.

O texto como unidade ideal é menos pertinente do que o livro como objeto, que por sua vez, é menos pertinente que suas metamorfoses. Objetos e obras contam menos que as operações; nosso campo é o intermediário ou o campo intercalar já que nos dedicamos aos intervalos, intercessores e interfaces da transmissão.

Na transmissão de uma mensagem, mídia pode ser entendida em quatro sentidos: procedimento geral de simbolização; código social de comunicação; suporte material de inscrição e estocagem; dispositivo de gravação conectado a determinada rede de difusão.

Insuficiência das antíteses sumárias do tipo escrito/oral, por fazerem abstração dos suportes e redes.

Poderíamos definir a ideologia como o jogo das idéias no silêncio das técnicas.

Campo – porque em um campo existem lutas e, por conseguinte, história. O que poderia ser assimilado a uma biosfera do espírito poderia dissimular o jogo de conflitos e concorrências, e reduzir as margens de iniciativa dos operadores simbólicos, assim como sua responsabilidade pessoal e o coeficiente político das operações.

Sistema: implica auto-organização e auto-regulação.

Midiaesfera não tem essência trans-histórica.

Esfera – engloba “campo”; sugere a interdependência dos elementos e a dependência por inclusão. Estamos submetidos a uma esfera porque estamos “dentro”; “esfera” nos convida a globalizar nossa percepção, reintegrar elementos a uma paisagem de conjunto; a “esfera” reconduz o sistema visível ao macrosistema invisível que lhe dá sentido.

A conversação faz-se sempre no plano mais tolo (Alain).

Tecnocentrimso, forma despercebida de etnocentrismo, que consiste em aplicar, retrospectivamente, a experiências históricas anteriores as normas implícitas de nossa tecnologia.