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Kingsley (Reality:510-513) – o ser/estar-ciente que somos

quarta-feira 5 de outubro de 2022, por Cardoso de Castro

  

tradução (português)

Há um ponto crucial a ser observado sobre as instruções de Empédocles   para [seu discípulo] Pausânias. Isto é que as coisas que ele lhe diz para fazer são coisas que nós nunca fazemos nós mesmos.

Na verdade, estão completamente além de nossa experiência.

As pessoas podem viver o que para qualquer observador externo pareceria a mais plena das vidas sem ter tocado, nem uma vez, o estado que Empédocles está apontando. E isso ocorre porque passamos toda a nossa vida dormindo em um sonho.

Sua primeira instrução para Pausânias não é perceber, mas perceber que ele está percebendo – observar o próprio processo perceptivo. Em outras palavras, ele está lhe dizendo não apenas para olhar ou tocar ou ouvir, mas para olhar e tocar enquanto estiver plenamente consciente de olhar e tocar, ouvir com a ciência de que está ouvindo.

E quem começar a fazer isso com seriedade começará a se conscientizar de que o que se passa por existência humana comum não passa de um sonho.

Você pode achar fácil, agora mesmo, notar por uma fração de segundo os objetos na frente de seus olhos enquanto também percebe que você os está percebendo; para tomar ciência por um breve momento de todos os sons ou silêncio no fundo. Provavelmente parecerá tão fácil que você se afastará, bastante satisfeito porque agora você sabe que não há mistério aqui para você.

E você estará de volta no sonho.

Este estado de ser/estar-ciente [awareness] é a mais complicada das coisas porque nunca se estende além do momento presente. A razão pela qual Empédocles instrui seu discípulo sobre isso, apresenta a ele como uma prática tão específica, é porque ele não faz ele mesmo. Não é automático, mas dura apenas enquanto você permanecer consciente.

No momento em que você fica fascinado por algo que percebe, você será arrastado pelo nariz para um mundo aparentemente externo de formas e cores em espiral. No momento em que você vagar depois de algum pensamento fascinante dentro de sua cabeça, você ficará com olhos cegos, olhando fixamente para o espaço novamente, surdo aos sons suaves ao seu redor. E é assim que passamos nossas vidas, silenciosamente puxados para trás e para frente de um estado para outro: sempre perdidos, exceto talvez no momento mais fugaz, para nós mesmos.

Para Empédocles, exatamente como para Parmênides  , um dos fatos mais extraordinários sobre a existência humana é que as pessoas parecem ser tais criaturas dos sentidos e, no entanto, nunca usam seus sentidos.

Elas são apenas usados ​​por eles [sentidos] – espancadas por eles, esbofeteadas aqui e ali. E o pior desta situação é a forma como conseguimos acreditar, como cegos tão cegos que pensam que não são cegos, que podemos ver o todo.

Mas até agora mal tocamos na superfície do que Empédocles está dizendo a Pausânias nestas poucas palavras, para que ele faça.

Se ele o estivesse instruindo para não apenas a olhar mas se tornar ciente ao mesmo tempo em que olha, isto já seria bastante importante. Todavia, não é isto. Ele o está explicando que, além de estar ciente de tudo que está vendo, também precisa estar ciente de tudo o que está ouvindo; tocando; degustando; sentindo.

Nada deve ficar de fora. Nem a menor preferência deve ser mostrada a um sentido em oposição a qualquer outro. E esse abrangente ser/estar-ciente sem escolha só pode acontecer em um momento específico: agora. Pois se você perder alguma coisa agora, você está perdendo tudo. Você está dormindo novamente.

Até mesmo pensar no que você está fazendo é perder este ser/estar-ciente, porque no momento de pensar você já deixou o momento presente.

A exigência de uma atenção tão completa e intransigente é tão irracional que parece sensato atenuar o que Empédocles está dizendo; querer fazê-lo exigir menos do que realmente está exigindo.

Mas Empédocles não é, para dizer o mínimo, o mais razoável dos professores. E embora a prática que ele acaba de delinear seja muito mais árdua do que nossas mentes errantes podem conseguir, há aquela outra faculdade que ele já mencionou pelo nome que a qualquer momento ou a cada momento está perfeitamente à altura da tarefa — a prontidão insone, sempre presente por sua própria natureza, chamada metis.

Poucas coisas parecem exigir mais esforço do que o processo de se acostumar com esse ser/estar-ciente. Mas nada é mais fácil do que o próprio ser/estar-ciente. E o que parecia impossível no início torna-se mais fácil com o tempo porque, embora cada momento de ciência seja apenas uma ciência em um momento, métis é como um organismo que realmente se nutre. Ou, como Empédocles explica em uma única linha citada de sua poesia por filósofos posteriores que sentiram que deveria significar alguma coisa, mas estavam muito ocupados pensando para ver o que:

Para os humanos, a métis cresce em relação ao que está presente.

Esta frase dele, "em relação ao que está presente", passou a ser comum. Era usada com muita frequência para descrever como alguém familiarizado com os meandros de kairos, com a arte de responder efetivamente às necessidades do momento presente, planejaria e agiria. E isso, é claro, é essencial para o que é métis.

Mas aqui é onde nos encontramos sendo trazidos de volta ao coração daquela tradição à qual Empédocles, junto com Parmênides, pertenciam.

Para ambos, acumular metis o suficiente para se tornar um ser humano eficaz não era mais do que o menor dos começos. Qualquer métis que se realiza quando o navio chega ao porto ou uma corrida de bigas é vencida, dificilmente merece este nome. Para eles, seu valor não estava em ajudá-los a viver a vida humana ao máximo. Em vez disso, o que a tornou crucial foi sua capacidade de levá-los para além da existência humana.

Nada poderia ser mais paradoxal do que esta tradição a que ambos pertenciam. Ensinava que, para nos libertarmos da ilusão, tudo o que precisamos fazer é aceitar a ilusão de todo o coração. Para descobrir o que está por trás do movimento, tudo o que precisamos fazer é abraçá-lo completamente.

E, da mesma forma, para ir além deste mundo dos sentidos, basta usar nossos sentidos ao máximo. Pois abrir nossas "palmas", esses instrumentos da métis, e perceber tudo com total alerta agora mesmo, é abrir o caminho para um mundo de quietude bastante desconhecido para nossas mentes inquietas — é tomar ciência do fator comum que liga cada sentido, imóvel, sem traço, sem lugar e sem tempo, que é a conscientidade [consciousness] que somos.

tradução (français)

Il y a un point crucial à noter au sujet des instructions d’Empédocle pour [son disciple] Pausanias. C’est que les choses qu’il lui dit de faire sont des choses que nous ne faisons jamais nous-mêmes.

En fait, ils sont tout à fait au-delà de notre expérience.

Les gens peuvent vivre ce que n’importe quel observateur externe pourrait sembler être la vie la plus complète sans toucher, même une fois, l’état qu’Empédocle indique. Et c’est parce que nous passons toutes nos vies endormies dans un rêve.

Sa première instruction à Pausanias n’est pas de percevoir mais de percevoir qu’il perçoit — de regarder le processus perceptif lui-même. En d’autres termes, il lui dit non seulement de regarder ou de toucher ou d’entendre mais de regarder et de toucher tout en étant pleinement conscient de regarder et de toucher, d’entendre avec la conscience qu’il entend.

Et quiconque commence à le faire sérieusement commencera à prendre conscience que ce qui passe pour l’existence humaine ordinaire n’est qu’un rêve.

Vous pouvez trouver facile, en ce moment, de remarquer pendant une fraction de seconde les objets devant vos yeux tout en remarquant que vous les remarquez; de prendre conscience pour le moment le plus bref de tous les sons ou du silence en arrière-plan. Probablement il vous semblera si facile que vous vous en éloignerez, tout content parce que maintenant vous savez qu’il n’y a pas de mystère ici pour vous.

Et vous reviendrez dans le rêve.

Cet état de conscience est la chose la plus délicate car elle ne dépasse jamais le moment présent. La raison pour laquelle Empédocle en instruit son disciple, le lui présente comme une pratique si spécifique, c’est parce qu’elle ne se fait pas elle-même. Ce n’est pas automatique mais dure seulement tant que vous restez conscient.

Au moment où vous serez fasciné par quelque chose que vous percevez, vous serez entraîné par votre nez dans un monde apparemment extérieur de formes et de couleurs en spirale. Au moment où vous vous promenez après une pensée fascinante à l’intérieur de votre tête, vous vous retrouverez avec des yeux aveugles, fixant à nouveau l’espace dans l’espace, sourd aux sons doux autour de vous. Et c’est ainsi que nous passons nos vies, tirées silencieusement en arrière d’un état à l’autre: toujours perdu, sauf peut-être dans le moment le plus éphémère, à nous-mêmes.

Pour Empédocle, exactement comme pour Parménide, l’un des faits les plus extraordinaires sur l’existence humaine est que les gens semblent être de telles créatures des sens et ne jamais utiliser leurs sens du tout.

Ils sont juste utilisés par eux — défoncés par eux, ballottés ici et là. Et le pire aspect de cette situation est la façon dont nous arrivons à croire, comme des aveugles si aveugles qu’ils pensent qu’ils ne sont pas aveugles, que nous pouvons voir le tout.

Mais jusqu’ici, nous n’avons presque pas touché à la surface de ce qu’Empédocle dit à Pausanias.

S’il lui demandait non seulement de regarder, mais de prendre conscience en même temps que de regarder, cela serait assez important. Il n’est pas, cependant. Il lui explique que tout en étant conscient de tout ce qu’il voit, il doit aussi être conscient de chaque chose qu’il entend; touche; déguste; sent.

Rien n’est à exclure. Pas la moindre préférence doit être montré à un sens par opposition à un autre. Et cette conscience sans choix, embrassant tout ne peut arriver que dans un moment particulier: maintenant. Car si vous manquez quelque chose maintenant, il vous manque tout. Vous êtes endormi à nouveau.

Même penser à ce que vous faites, c’est perdre cette conscience, parce qu’au moment de penser, vous avez déjà quitté le moment présent.

La demande d’une telle attention complète et intransigeante est si déraisonnable qu’il semble logique d’atténuer ce que dit Empédocle; vouloir le faire exiger moins qu’il ne l’exige vraiment.

Mais Empédocle est, pour le moins, pas le plus raisonnable des enseignants. Et tandis que la pratique qu’il vient d’esquisser est beaucoup plus ardue que ne peuvent jamais le faire nos esprits errants, il y a cette autre faculté qu’il a déjà mentionnée par son nom qui, à tout moment, est parfaitement à la hauteur de la tâche. par sa nature même, appelé metis [μητις].

Peu de choses peuvent sembler exiger plus d’efforts que le processus de s’habituer à cette prise de conscience. Mais rien n’est plus facile que la conscience elle-même. Et ce qui semblait impossible au départ devient plus facile avec le temps car même si chaque instant de conscience n’est qu’une prise de conscience à un moment donné, la metis est comme un organisme qui se nourrit réellement. Ou, comme l’explique Empédocle dans une seule ligne citée dans sa poésie par des philosophes plus tard, qui ont senti que cela devait signifier quelque chose, mais étaient trop occupés à penser à voir qu’est-ce que c’est:

Pour les humains, metis se développe par rapport à ce qui est présent.

Cette phrase de lui, «par rapport à ce qui est présent», se donne comme étant commune. Elle était très souvent utilisé pour décrire comment quelqu’un connaissant les entrés et les sorties du kairos, avec l’art de répondre efficacement aux besoins du moment présent, planifierait et agirait. Et cela, bien sûr, est essentiel à ce que metis est.

Mais c’est là que nous nous retrouvons ramenés au cœur de cette tradition à laquelle Empédocle et Parménide appartenaient.

Pour les deux, accumuler suffisamment de metis pour devenir un être humain efficace n’était rien de plus que le plus petit des débuts. Toute metis qui prend fin lorsque le navire arrive au port ou une course de chars est gagnée ne mérite guère le nom du tout. Pour eux, sa valeur n’est pas de les aider à vivre la vie humaine au maximum. Au contraire, ce qui la rendait crucial était sa capacité à les mener au-delà de l’existence humaine.

Rien ne pourrait être plus paradoxal que cette tradition à laquelle ils appartenaient tous les deux. Il a enseigné que, pour se libérer de l’illusion, tout ce que nous devons faire est d’accepter l’illusion de tout cœur. Pour trouver ce qui se cache derrière le mouvement, tout ce que nous avons à faire est de l’adopter complètement.

Et, de la même manière, pour aller au-delà de ce monde des sens, tout ce que nous avons à faire est d’utiliser pleinement nos sens. Car ouvrir nos «paumes» [1], ces instruments de metis, et percevoir tout avec une vigilance totale en ce moment, c’est ouvrir la voie à un monde de calme tout à fait inconnu à nos esprits inquiets — c’est prendre conscience du facteur commun reliant chaque sens ensemble, immobiles, sans traits, sans placages et intemporels, ce qui est la conscience que nous sommes.

Original

There is one crucial point to note about Empedocles’ instructions for [his disciple] Pausanias. This is that the things he tells him to do are things we never do ourselves.

As a matter of fact, they are altogether beyond our experience.

People can live what to any external observer would seem the fullest of lives without touching, even once, the state Empedocles is pointing to. And this is because we spend all our lives fast asleep in a dream.

His first instruction to Pausanias is not to perceive but to perceive that he is perceiving — to watch the perceptive process itself. In other words he is telling him not just to look or touch or hear but to look and touch while fully conscious of looking and touching, to hear with the awareness that he is hearing.

And anyone who starts to do this seriously will begin to become aware that what passes for ordinary human existence is nothing but a dream.

You may find it easy, right now, to notice for a split second the objects in front of your eyes while also noticing that you are noticing them; to become aware for the briefest moment of all the sounds or silence in the background. Probably it will seem so easy you will wander away, quite contented because now you know there is no mystery here for you.

And you will be back again in the dream.

This state of awareness is the trickiest of things because it never extends beyond the present moment. The reason why Empedocles instructs his disciple about it, presents it to him as such a very specific practice, is because it doesn’t do itself. It isn’t automatic but only lasts for as long as you stay conscious.

The moment you become fascinated by something you perceive, you will be dragged off by your nose into a seemingly external world of spiraling shapes and colors. The moment you wander off after some fascinating thought inside your head you will be left with unseeing eyes, staring blankly into space all over again, deaf to the gentle sounds around you. And this is how we pass our lives, silently tugged backwards and forwards from one state to the other: always lost, except perhaps in the most fleeting moment, to ourselves.

For Empedocles, exactly as for Parmenides, one of the most extraordinary facts about human existence is that people appear to be such creatures of the senses and yet never use their senses at all.

They are just used by them — bashed around by them, buffeted here and there. And the worst aspect of this situation is the way we manage to believe, like blind people so blind they think they are not blind, that we can see the whole.

But so far we have hardly even touched the surface of what Empedocles in these few words is telling Pausanias to do.

If he were instructing him not only to look but to become aware at the same time of looking, that would be important enough. He is not, though. He is explaining to him that as well as being aware of whatever he is seeing he also has to be aware of every single thing he is hearing; touching; tasting; feeling.

Nothing is to be left out. Not the slightest preference is to be shown to one sense as opposed to any other. And this choiceless, all-embracing awareness can only happen in one particular moment: right now. For if you miss anything now you are missing everything. You are asleep again.

Even to think about what you are doing is to lose that awareness, because in the moment of thinking you have already left the present moment.

The demand for such complete, uncompromising attention is so unreasonable that it seems only sensible to tone down what Empedocles is saying; to want to make him demand less than he really is demanding.

But Empedocles is, to say the least, not the most reasonable of teachers. And while the practice he has just outlined is far more strenuous than our wandering minds can ever manage, there is that other faculty he has already mentioned by name which at any or every moment is perfectly up to the task — the sleepless alertness, always present by its very nature, called metis.

Few things could seem to demand more effort than the process of getting used to this awareness. But nothing is more effortless than the awareness itself. And what had looked impossible to begin with becomes easier with time because even though each moment of awareness is only an awareness in the one moment, metis is like an organism that actually nourishes itself. Or, as Empedocles explains in a single line quoted from his poetry by later philosophers who sensed it must mean something but were rather too busy thinking to see what:

For humans, metis grows in relation to what is present.
This phrase of his, "in relation to what is present," happened to be a common one. It was used very often for describing how somebody acquainted with the ins and outs of kairos, with the art of responding effectively to the needs of the present moment, would plan and act. And that, of course, is essential to what metis is.

But here is where we find ourselves being brought right back to the heart of that tradition which Empedocles, along with Parmenides, belonged to.

For both of them, accumulating enough metis to become an effective human being was no more than the smallest of beginnings. Any metis that comes to an end when the ship arrives in port or a chariot race is won hardly deserves the name at all. To them, its value lay not in helping them live human life to the maximum. Instead, what made it crucial was its capacity to carry them beyond human existence altogether.

Nothing could be more paradoxical than this tradition they both belonged to. It taught that, to become free from illusion, all we need to do is accept illusion wholeheartedly. To find what lies behind movement all we have to do is embrace it completely.

And, in just the same way, to go beyond this world of the senses all we have to do is use our senses to the full. For to open up our "palms," those instruments of metis, and perceive everything with total alertness right now is to open the way to a world of stillness quite unknown to our restless minds — is to become aware of the common factor linking each sense together, motionless, featureless, placeless and timeless, which is the consciousness we are.


Ver online : Peter Kingsley


[1« Les paumes, si étroites et si fermées, ont été répandues sur les membres des gens. » (Empédocle)
Il y a une qualité surréaliste de l’image initiale en particulier — et très délibérément. Pour ces paumes, déversées sur nos membres, ne sont pas quelque chose que nous pouvons voir ou reconnaître comme les petits creux de nos mains ou les autres parties de notre corps. Ils sont ce que nous utilisons pour voir et reconnaître tout le reste.