Página inicial > Antiguidade > Finamore (Veículo da Alma:11-27) – Composição, geração e destino do (…)

Finamore (Veículo da Alma:11-27) – Composição, geração e destino do veículo da alma

domingo 23 de outubro de 2022, por Cardoso de Castro

  

Jâmblico   discorda de Porfírio   sobre o “veículo da alma” sobre três pontos: a composição, a geração e o destino final.

A composição do veículo seria de uma série de misturas (phyramata) coletadas das esferas celestiais. Jâmblico em seu comentário ao Timeu   afirma que o veículo é feito de “pantos tou aitheros” (do éter ele mesmo e não de vários corpos etéreos) e que este éter teria um poder criativo.

A geração do veículo, associada a sua composição, é originária segundo Jâmblico “dos deuses eles mesmos, que organizam o cosmos e desempenham todos seus atos eternamente”; o veículo é mutável por sua própria natureza. A geração, segundo Jâmblico, se dá sem qualquer perda de substância para os deuses celestiais e sem ter sido coletada deles. Ou seja, o Demiurgo ele mesmo produz o veículo, como posteriormente afirmado por Proclo  . O veículo é assim “de alguma forma auto-constituído” e não criado por subtração (aphairesis) de outros a fim de que não requeira dissolução (anakysis) de volta em um outro” Proclo, Comentários ao Timeu).

A posição de Jâmblico a respeito da geração não deixa claro se ele aceita a crença que a alma em sua descida para encarnação acumula vestimentas (periblemata), embora reconheça no De Misteriis que a alma receba um acúmulo de “pneumata” hílicos, especialmente as alma impuras; onde estes pneumata decorrem de associações com demônios e heróis. Jâmblico parece defender certa separação entre deuses e seres humanos, entre deuses celestiais e alma encarnada.

Jâmblico não rejeita a interação entre deuses celestiais e veículo da alma, porém afirma que a origem do veículo não é dos deuses celestiais. Os veículos seriam procedentes e formados pelo zoai theiai, princípios generativos irracionais dos deuses cósmicos; ou seja de zoai benéficos e não dos pneumata do De Mysteriis.

Estes zoai são mencionados de novo em uma citação de Jâmblico no comentário de Simplicius   da "Categorias" de Aristóteles  . A passagem refere-se a categoria aristotélica do "ter" (echein). Nesta passagem, Jâmblico diferencia entre o que a alma tem de si mesma e o que recebe de fora. A alma tem certas vidas adquiridas (epiktetoi tines zoai), algumas das quais são de natureza similar à alma e outras inferiores às medidas apropriadas da alma. A alma também projeta (proballei) vidas a seu redor e aceita outras do corpo físico ele mesmo.

Quando a alma vem a cada parte do cosmos, ela aceita certas vidas e poderes (dynameis), alguns dos quais ela projeta ela mesma e outros ela recebe (lambanousa) do cosmos. Em cada parte do universo, há corpos apropriados (somata), alguns ela recebe do cosmos e outros corpos orgânicos ela faz de acordo com seu próprio logoi. Estes poderes, vidas, e corpos que ela põe de lado (apotithetai) quando quer que ela mude para outro conjuntamento (lexis). Disto, fica claro que todas estes são adquiridos pela alma e que a alma os tem como diferente de sua essência.

Nesta mesma passagem (fragmento em Simplício), Jâmblico discute a descida da alma dos céus para o corpo físico, demonstrando que ela acumula várias vidas, poderes e (finalmente) corpos orgânicos. Qual é o papel destas entidades adicionadas?

De acordo com Em Timeu Fr. 84, o veículo pneumático ganha forma (morphoumenon) pelas vidas divinas. No frag. 49 do Em Timeu se afirma que o veículo é esférico, uma forma muito própria ao auto-movimento e intelecção da alma. O Demiurgo criou o veículo e deixou aos deuses cósmicos para formá-lo em uma esfera? Parece absurdo. Parece que estes zoai re-formam o veículo esférico. Esta espécie de formação que é feita não é explicada. Parece provável, entretanto, que as vida divinas entram no veículo e promovem atividades racionais da alma. (Estas seriam as vidas adquiridas que são de natureza similar para alma). Outras vidas, tais como na passagem de Simplicius se denominam “inferior às medidas apropriadas da alma”, seriam irracionais e distorceriam a atividade racional normal da alma pura.

Dois diferentes estágios na vida da alma. Primeiro, há a alma racional ela mesma existindo por ela mesma. Segundo, há a alma racional em um corpo. Jâmblico refere-se a isto como a vida dupla. Somente as vidas e os poderes inatos pertencem à alma racional. É a vida compósita da alma e corpo às quais as vidas e os poderes racionais e irracionais se atêm eles mesmos. Assim quando Jâmblico diz que os poderes estão presentes de um modo à alma racional e de outro modo ao compósito alma e corpo, ele quer que eles sejam essencialmente conectados à alma racional, mas somente adquiridos pelo compósito. Como Jâmblico diz que na passagem de Simplicius, as vidas, poderes, e corpos estão separados da essência da alma.

A “vida comum” ela mesma envolve duas partes: o veículo e o corpo corporal. Assim, o veículo recebe vidas e poderes de diferentes lugares no cosmo, é claro que pode receber corpos corporais só na região sublunar onde a matéria existe. A alma, entretanto, se torna mais e mais material em sua descida.

A concepção de Jâmblico é similar àquela que Proclus dá em Elementos de Teologia (209): o veículo desce e reúne chitones que se torna mais e mais material quanto mais baixo desce; a alma “desce recebendo zoas irracional e ascende removendo todo sua genesiourgous dynameis que são postas ao redor de si em sua descida”.

Jâmblico também crê que os poderes, vidas e corpos seriam apartados na ascensão da alma a um lexis superior.

A teoria de Jâmblico sobre as vestimentas reunidas durante a descida da alma pode assim se compreendida, abandonando as crenças de seus predecessores (em De Anima ele descreve um grupo de filósofos que sustentam que os envelopes, etéreos, celestiais e pneumáticos são ligados à alma racional (noera zoe) e a servem como veículos.

Jâmblico arguiria que estes envelopes não são veículos mas, ao invés, são vidas, poderes e corpos ligados ao veículo etéreo ele mesmo. Assim para Jâmblico o veículo ele mesmo é etéreo, toma seus “envelopes” das vidas e poderes no universo, e finalmente atrai alguns “estranhos pneumata” da região sublunar.

O último ponto de desacordo entre Jâmblico e Porfírio é a respeito do destino último dos veículos. Jâmblico, de acordo com Em Timeu, crê que tanto o veículo quanto a alma irracional sejam imortais. Algumas passagens de seu De Anima ajuda a esclarecer o que está em consideração.

No De Anima I, Jâmblico afirma que “aqueles ao redor de Plotino   e Porfírio”dizem que certos poderes irracionais (dynameis) são projetados (proballesthai) em cada parte do universo. Eles também afirmam que as vidas (zoai) assim projetadas “são liberadas e não mais existem”. Jâmblico ele mesmo crê que “mesmo estas existem no universo e não são destruídas”.

A menção de dinameis e zoai é reminiscente da passagem de Simplicius referida acima. Essa passagem tratava da adição de dynameis e zoai durante a descida da alma através do cosmo. A passagem do De Anima trata do se desfazer deles durante a ascensão. Na passagem de Smplicius, Jâmblico afirma que a alma se desfaz deles (apotithetai) assim que muda de posicionamento. No De Anima se vê que tanto Porfírio quanto Jâmblico estão de acordo que os poderes e vidas irracionais são liberados da alma, mas Porfírio pensa que cessam de existir enquanto Jâmblico defende que continuam a existir no universo.

Mais luz é dada neste assunto no De Anima I. Aqui é dito que “aqueles ao redor de Plotino” separavam os poderes irracionais da parte racional (logos). Estes filósofos acreditavam seja que os poderes irracionais fossem lançados na geração ou que fossem tomados da faculdade do pensamento discursivo (dianoia). Esta visão pode ser interpretada de duas maneiras. A primeira interpretação, Jâmblico diz, é de Porfírio: “cada poder irracional (dynamis) é liberado dentro da vida integral do universo da qual partiu, onde tanto quanto possível cada um permanece imutável (ametabletos)”. A segunda maneira de interpretar é de Jâmblico ele mesmo: “toda a vida irracional, tendo sido separada do dianoia permanece e é ela mesma preservada no cosmos”.

Tanto Festugière   e Smith notaram a aparente inconsistência na posição de Porfírio como dada por Jâmblico em duas passagens. Estes autores modernos citam o comentário do Timeu de Proclo como uma ajuda à compreensão das crenças de Porfírio. Proclo coloca Porfírio diretamente entre aqueles que dizem que o veículo e a alma irracional são mortais (Atico   e Albino  ) e aqueles que dizem que são imortais (Jâmblico). Porfírio, de acordo com Proclo, nega que o veículo e a alma irracional são destruídos mas defende que são

separados em seus elementos (anastoikeiousthai) e dissolvidos de certa maneira nas esferas das quais obtiveram sua composição, e que estas misturas (phyramata) são das esferas celestiais e a alma as coleta durante sua descida de modo que elas (as misturas) tanto existem e não existem, e que cada uma destas separadamente (ekasta) não mais existe nem sua individualidade (idioteta) resta.

Para Porfírio, o veículo e a alma irracional foram feitos de partículas das esferas celestiais e seu destino último era retornar ao cosmos. As misturas são dissolvidas mas ainda existem separadamente da alma.

A visão de Jâmblico é mais complexa. Em resposta à Porfírio, Jâmblico afirma (In Timaeus, 81) que o veículo e a alma irracional são imortais. Além do mais, como o veículo não é feito de misturas mas é criado por inteiro, ele continuará a viver como um todo depois de sua separação da alma. A alma irracional imortal e o veículo imortal no qual está hospedada recebem várias vida e poderes do cosmos. Quando a alma ascende para o Mais Alto lexis, estas vidas e poderes são postos de lado. A mudança em lexis é a mudança de alma incorporada, cósmica para alma desincorporada, hipercósmica. O "pôr de lado", portanto, é a separação da alma racional de seu veículo e alma irracional. As várias vidas e poderes não são largados no universo de modo que sejam separados e em certo sentido não-existentes (cessando de existir como entidade singular). Ao invés, são separados da alma racional mas subsistem dentro do veículo e alma irracional, os quais eles mesmos continuam a existir no cosmos.

Este é o “novo pensamento” de Jâmblico. As vidas e os poderes são liberados mas não dispersos. Este é também o ensinamento dos sacerdotes. Onde Porfírio errou, na opinião de Jâmblico, foi em pensar que cada poder (ekaste) retornou separadamente ao cosmo. Para Jâmblico, a totalidade da vida irracional permanece e é preservada (como uma entidade completa) no cosmo.

Há outro ponto que vale notar. Porfírio arguiu que a alma irracional foi dissolvida e no entanto permaneceu. Jâmblico parece ter tido esta frase curiosa na mente quando arguiu que o veículo seria mutável em sua própria natureza se fosse criado somente de corpos divinos. Em outras palavras, Jâmblico estava dizendo que o veículo (e a alma irracional e os poderes nela) podem permanecer se o veículo é criado por causas imovíveis.

Depois de citar estas três passagens do De Anima e de Proclus, Smith resume a diferença entre as visões de Porfírio e Jâmblico como segue. A diferença pode

ser traçada precisamente ao modo no qual a alma irracional sobrevive. Para Jâmblico toda alma irracional sobrevive enquanto para Porfírio há uma espécie de dissolução dos poderes componentes que de algum modo continuam a existir em um estado separado. Claramente a personalidade irracional integral como caracterizada na alma irracional tem grande significado em Jâmblico.

A questão que surge é por que Jâmblico deveria enfatizar a imortalidade do veículo e da alma irracional? Proclo (In Tim. III, p. 235, 11-27) sugere uma possibilidade: que o veículo deve sobreviver ao corpo para que as almas possam usá-lo no Hades (Fédon   113d). Há, porém, outra possibilidade.

Em um capítulo mal conservado de seu De Anima (I, pp. 457, 7-458, 21), Jâmblico discute a recompensa da alma (epikarpia). Ao longo deste capítulo, Jâmblico trata da partida da alma do corpo (epiedan exelthosi tou somatos, p. 457, 9) e da separação da alma racional do veículo. Duas vezes neste relato, Jâmblico aborda as crenças de Porfírio sobre a alma irracional. Embora ambas as passagens sejam marcadas por lacunas, elas ajudam a explicar por que Jâmblico pensava que o veículo era imortal.

A primeira passagem aparece em uma seção sobre o que pertence à própria alma racional (p. 457, 13-22). Esta passagem é dividida em duas comparações entre os antigos (archaioteroi, linha 13, e presbyteron tines, linhas 16-17) e Porfírio. Os antigos aqui, como na p. 384, 27-28, representam a opinião de Jâmblico. Na primeira comparação, os antigos dizem que a alma racional tem “uma disposição semelhante aos deuses no intelecto e uma carga (prostasia) sobre as coisas aqui [ou seja, no reino da geração].” Em contraste, Porfírio não permite que almas desencarnadas tenham tal autoridade sobre o reino cósmico.

A segunda comparação entre os antigos e Porfírio é a seguinte.

Alguns dos antigos dizem que ela supera o elemento racional (logismos) e definem seus atos (erga) tão cuidadosamente que nem mesmo os elementos racionais mais puros e perfeitos poderiam atingir eles . . . Porfírio os remove (autas) completamente da vida independente (adespotos zoe), como sendo naturalmente ligados à geração e dados como auxílio aos seres compostos (syntheta zoai).

Festugière (245 n. 1) notou a lacuna (marcada acima por reticências) nesta passagem. Ele argumentou corretamente que a palavra autas (linha 20) não pode se referir a almas, pois Porfírio não poderia ter argumentado que as almas estão separadas da vida independente (ou seja, a vida da alma separada do corpo). Festugière, portanto, assume que autas se refere às potências irracionais. Ele então sugere a seguinte leitura para a lacuna: “Os antigos (sc. Jâmblico) declararam que os inferiores dynameis (ou energeiai) da alma são imortais”.

Festugière certamente está certo sobre o referente de autas. Como ele mesmo aponta, as linhas anteriores mencionam o elemento de raciocínio e é natural falar em seguida do elemento irracional. Se esta interpretação estiver correta, a posição de Porfírio aqui é a mesma de antes: os poderes irracionais não pertencem à alma desencarnada e, portanto, estão separados dela.

O problema da leitura de Festugière não é a interpretação de autas, mas a extensão da lacuna. Como o próprio Festugière aponta (245 n. 1) todo o capítulo de Jâmblico é baseado em antíteses. A primeira passagem (p. 457, 13-22) baseava-se numa antítese entre as opiniões dos antigos e as de Porfírio. Seria de esperar, então, uma postura porfiriana correspondente à dos antigos quanto à separação do elemento racional da alma desencarnada.

O problema aqui é decidir o que Jâmblico pensava ser separado. Uma comparação da presente passagem com De An. I, pág. 384, 19-28 mostra que há três faculdades da alma tratadas aqui. Primeiro, a vida irracional é separada da dianoia (p. 384, 26); segundo, a alma racional tem uma disposição “agathoeide semelhante aos deuses kata noun” (pág. 457, 14); e, finalmente, a alma racional supera o logismos (p. 457, 17). O leitor é deixado para inferir que o logismos é uma faculdade racional inferior que é deixada durante a ressurgência da alma. A dianoia, por outro lado, é uma faculdade racional superior. Ele e a disposição intelectual compõem a alma desencarnada. A lacuna na presente passagem, portanto, deveria ter incluído uma referência à visão de Porfírio sobre a relação da alma com o intelecto (ou, mais precisamente, com a disposição intelectual na alma).

Jâmblico havia mencionado as crenças de Porfírio sobre a relação entre alma e entidades superiores em duas passagens anteriores no De Anima (p. 365, 17-19 e p. 372, 12-14). Na primeira dessas duas passagens, Jâmblico está contrastando dois pontos de vista possíveis sobre a relação da alma com as entidades acima dela. Depois de afirmar que Numênio, Plotino e Amelius acreditam que a alma é o mesmo que o intelecto e as outras entidades superiores, Jâmblico volta-se para a opinião de Porfírio sobre essa identificação de alma e intelecto. Porfírio, diz ele, “está em dúvida sobre isso [identificação]; às vezes ele rejeita seriamente, às vezes ele aceita.” Na segunda passagem, Jâmblico discute se todas as almas realizam os mesmos atos (erga) ou atos diferentes de acordo com a classificação da alma. Aqui ele opõe Porfírio aos estoicos, Plotino e Amelius no que diz respeito aos atos das almas universais e particulares: “Como diria Porfírio, as operações (energemata) da Alma Universal são inteiramente separadas da alma particular”.

A opinião de Jâmblico nessas duas passagens é que a alma está separada do intelecto “em outra hipóstase” (p. 365, 24) e que seus atos diferem dos atos de outras almas superiores. Para Jâmblico, a alma racional não é intelecto, mas tem uma disposição intelectual. Assim, ele pode manter a alma e o intelecto separados.

É difícil determinar o que Jâmblico teria dado como opinião de Porfírio na lacuna (p. 457, 19). Como pode ser visto, Jâmblico estava hesitante sobre a opinião exata de Porfírio na p. 365, 17-19. Apesar dessa hesitação, no entanto, Jâmblico passa a classificar Porfírio junto com Amelius e Plotino como acreditando que a alma não difere do intelecto (p. 365, 19-21). Na pág. 372, 12-14, é claro que a separação de Porfírio dos atos da Alma Universal daqueles de almas particulares não foi suficiente para o propósito de Jâmblico, pois Jâmblico passa a apresentar sua própria opinião como diferente da de Porfírio (alle doxa, Ρ· 372, 15). Essa evidência sugere que Jâmblico classificou Porfírio com os outros platônicos nessas questões.

Essa também é a opinião de Festugière (199 n. 1). Ele inclui Porfírio entre os platônicos mencionados em outra passagem sobre a relação entre a alma e o intelecto (De An. I, p. 318, 12-15):

Muitos dos próprios platônicos introduzem o intelecto na alma ao mesmo tempo que a primeira entrada da alma no corpo, e não diferenciam em nada entre a alma e seu intelecto.

Outra passagem (p. 457, 11-12), no entanto, cria sérios problemas para quem sustenta a opinião de que Jâmblico classificou Porfírio junto com esses outros platônicos. Aqui Jâmblico diz que Porfírio “mantém a alma em sua própria ordem (taxis).” Assim, apenas algumas linhas antes da lacuna, Jâmblico afirma que Porfírio manteve a alma e o intelecto separados.

O desacordo de Jâmblico com Porfírio é, ao que parece, mais sutil. Como foi visto, Jâmblico concedeu que Porfírio separasse a energemata das almas Universais e particulares (p. 372, 12-14). Essa separação, embora mais próxima da visão de Jâmblico do que de Plotino ou Amélio, não satisfez Jâmblico. Ele prossegue dando sua própria visão de que não apenas os atos das almas universais e particulares diferem, mas também os das almas divinas, demoníacas, heroicas e humanas (p. 372, 15-20). Além disso, Jâmblico acrescenta (p. 373, 3-8):

Os energemata das almas universais, divinas e imateriais terminam em essência, mas os das almas particulares, cujas almas são mantidas em uma forma e divididas em torno dos corpos, não são de modo algum. . . imediatamente o mesmo que eles realizam.

Dillon descreve a distinção da seguinte forma:

As almas divinas, por exemplo, realizam atos que não terminam em nenhuma realização distinta de sua essência. . . enquanto no caso das almas humanas, seus atos se estendem para fora e não são idênticos à sua essência.

Na pág. 457, 16-19, Jâmblico está discutindo os diferentes atos não de diferentes almas, mas de diferentes fases dentro da mesma alma: os atos da alma desencarnada diferem daqueles do logismos.

Para Jâmblico, a alma desencarnada abandona seus poderes e vidas inferiores e entra em um lote superior. A alma desencarnada é completamente imaterial e dissociada de todos os corpos, incluindo o veículo etéreo. Como tal, seus atos tornam-se mais semelhantes aos das almas divinas; isto é, seus atos tendem a terminar em essência.

Se esta explicação estiver correta, a reclamação de Jâmblico contra Porfírio permanece a mesma de antes. Não se trata de Porfírio confundir alma e intelecto, mas de Porfírio confundir (ou não separar com precisão suficiente para o gosto de Jâmblico) os atos da alma encarnada e desencarnada.

Na passagem original (p. 457, 13-22), então, há agora uma comparação tripla, em vez de dupla:

(1) Os antigos atribuem à alma tanto uma disposição intelectual quanto uma autoridade sobre as coisas do reino cósmico; Porfírio remove esta autoridade

(2) Os antigos separam o logismos da alma desencarnada e definem os atos de cada uma de forma diferente; Porfírio não diferencia adequadamente seus atos

(3) Os antigos dizem que os poderes inferiores da alma são imortais; Porfírio os remove da alma desencarnada.

Esses pontos de desacordo são dados em ordem decrescente.

Em outras palavras, lendo de (3) a (1), Jâmblico relata a ascensão da alma à sua recompensa. Uma alma abandona seus poderes irracionais e poderes racionais inferiores, age de acordo com sua disposição intelectual e ganha como parte de sua recompensa uma autoridade sobre esse reino.

Uma passagem importante do De Mysteriis (V 18, pp. 223, 9-224, 1) ajuda a esclarecer a questão. Aqui Jâmblico está discutindo uma diferença entre o grande rebanho (agele) de seres humanos, que estão sob a natureza e o destino, e alguns poucos que estão separados da natureza. O primeiro grupo sempre usa praktikos logismos (p. 223, 14) sobre entidades únicas na natureza. O segundo grupo é descrito como segue (pp. 223, 15-224, 1):

Alguns poucos, usando algum poder sobrenatural do intelecto, ficam à parte da natureza e são conduzidos ao intelecto separado e não misturado, e se tornam superiores aos poderes físicos.

A divisão dos seres humanos assemelha-se à distinção entre a alma humana que tem seu elemento de raciocínio e a alma humana desencarnada com sua disposição intelectual. A passagem do De Mysteriis sugere que a recompensa, que o De Anima atribui às almas desencarnadas, é alcançada por apenas algumas almas. Tal alma desencarnada é conduzida a outra parcela, ao Intelecto. Esta é a recompensa para os teurgos. Eles se tornam superiores à natureza e têm autoridade sobre ela.

A segunda passagem do De Anima (p. 458, 12-17) também menciona a autoridade da alma. Nesta passagem, “aqueles ao redor de Porfírio” são comparados com “os platônicos”. A passagem é marcada por lacunas, mas o significado é claro. Jâmblico está discutindo a extensão da recompensa da alma.

Os que cercam Porfírio às vidas humanas. Mas eles postulam outra forma (eidos) de alma depois disso, a irracional. Além disso, Porfírio torna a alma semelhante ao Universo, enquanto a alma permanece em si o que é Segundo os platônicos, as almas são responsáveis ​​por entidades inanimadas (apsycha).

Como em De An. eu, pág. 457, 13-22, há uma distinção entre as vidas racionais (anthropinoi bioi) e irracionais (alogistoi) juntamente com o conceito de autoridade da alma sobre este reino (epimelountai). Para Jâmblico (em oposição a Porfírio), a separação da alma racional da alma irracional está de alguma forma ligada a esse conceito.

Há, então, outro desacordo que ajuda a explicar uma razão para a crença de Jâmblico de que o veículo e a alma irracional são imortais. Porfírio acreditava que a alma do filósofo escapava permanentemente do reino cósmico. Jâmblico, por outro lado, acreditava que mesmo uma alma que ascendeu ao reino noético tinha que retornar a este reino, embora tal alma faça uma descida que não está ligada à geração e sem ruptura com o noético (In Phaed. Fr. 5). Como neste último caso a alma desce novamente à terra, o fragmento mostra que Jâmblico acreditava que todas as almas deveriam retornar a este cosmos.

No De Anima, no entanto, Jâmblico está preocupado com a recompensa da alma após a morte. Para Jâmblico, essa recompensa inclui um retorno a este reino e uma autoridade sobre as coisas nele. De Anima I, pág. 458, 17-21 explica essa recompensa. Segundo os antigos (palaioi), as almas “são libertadas da geração e junto com os deuses administram (syndioikousi) o universo”. Além disso, “junto com os anjos, supervisionam (syndemiourgousi) o universo”.

É claro que, uma vez que Porfírio negou qualquer associação com este reino para aqueles filósofos que escapavam dele, a imortalidade do veículo não era um problema. A alma do filósofo não precisaria mais do veículo. Para Jâmblico, no entanto, a alma do teurgo deve retornar ao seu veículo purificado e, portanto, o veículo deve permanecer intacto. As razões religiosas para a crença de Jâmblico serão examinadas na seção IV abaixo.

As diferenças de Porfírio e Jâmblico em relação ao veículo podem ser resumidas da seguinte forma: para Porfírio o veículo é criado a partir de partes dos corpos dos deuses visíveis e perece quando essas partes são descartadas, enquanto que para Jâmblico é etéreo e criado inteiro pelo Demiurgo, e não sujeito a destruição ou dissolução de qualquer tipo.


Ver online : Veículo da Alma