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Ferreira dos Santos: Sinopse de conceitos aristotélicos sobre temas físicos

quinta-feira 24 de março de 2022, por Cardoso de Castro

  

Na "Sinopse" que se seguirá, sintetizaremos alguns pensamentos aristotélicos que nos auxiliarão a compreender esta obra, não só sobre o que tratamos, como sobre o que irá Aristóteles tratar neste livro, sempre de grande atualidade.

Sinopse de alguns conceitos fundamentais de Aristóteles sobre temas físicos.

Damos a seguir a sinopse de alguns conceitos que muito auxiliarão a boa inteligência desta obra. Procuraremos sintetizar, tanto quanto possível, as principais ideias, expostas na obra do Estagirita, cujo conhecimento ele presume por parte do leitor. Na re-exposição do texto e nos comentários que apresentaremos não haverá mais necessidade de exposição desses conceitos que, por nossa parte, presumiremos já do conhecimento do leitor.

Acidente: Não é um absoluto não-ente, nem tampouco é absolutamente (simpliciter) um ente. Não se dá o acidente sem a substância. O acidente é da substância (inest in substantiam). O acidente não pode ser separado fisicamente da substância. Dela se distingue realmente, não real-fisicamente. Por sua vez o acidente é consequente à forma da substância e lhe é, por isso, proporcional.

São acidentes tudo quanto sobrevém à substância e que tenha seu ser no ser (inesse) da substância. O primeiro acidente que acontece à substância é a quantidade e, posteriormente, surgem os outros. Não se trata aqui de um acontecer cronológico, mas lógico.

Consequências: tudo quanto é acidente não é absolutamente (simpliciter), e não pode ser primeiro que a substância. O que é acidental não é necessário, mas contingente. O acidente é contingente. O acidente, em um gênero, não pode ser espécie do mesmo gênero. Portanto, a diferença especifica, que caracteriza a espécie no gênero, não pode ser um acidente, mas algo substancial. (Vide Substância).

Ação: A ação é o ato do agente c tende a algo determinado. A ação é uma moção (como o é também a paixão, passio). Ação e paixão (pathos, em grego) são a mesma moção e não duas, mas que diferem entre si, não quanto ao sujeito em moção, mas quanto à razão (ratio) de cada um, pois são espécies do gênero moção (motus). Vide moção.

Ato: O ato é o princípio do agente, pois um agente o é tal, enquanto em ato. O ato, portanto, só se dá no que está em ato. O que está em ato antecede ao que está em potência. O que está em ato é necessário ao que está em potência, pois é o ato o sustentáculo do que é potencial. O que está em ato naturalmente move (realiza uma moção). Tudo quanto está em ato ou é uma forma subsistente ou tem sua forma em outro. Todas as coisas podem ser divididas por ato e potência.

Agente: O agente é o oposto contrário do paciente. Para que haja o agente impõe-se o paciente, pois o agente age sobre o paciente. E o agente o é tal, enquanto em ato, e tende para um fim. Atua o agente sua ação sobre outro e a realiza proporcionalmente à sua forma. É o agente que reduz a matéria de potência a ato. A ação parte do agente, como terminus a quo, e se exerce no paciente, como terminas ad quem. As coisas que estão em devir (fieri) o estão pela ação do agente.

Agora: (nane) — É o término do pretérito e princípio do futuro. É um quid indivisível. Um agora não contém outro agora. Por ele é numerado o tempo, antes e depois. É pelo agora que temos noção do tempo. Não é tempo, mas acontece no tempo. Agora é também o número de todas as coisas móveis, que se movem no tempo. Entre dois agoras dá-se o tempo como meio. No agora nada se move ou se aquieta. No agora não há algo anterior, e serve para divisão do tempo.

Alteração: É uma noção de contrário a contrário (de contrário in contrariam) segundo a qualidade. Quem altera é o agente; quem se altera è o paciente. O movente é a forma que está no gênero da qualidade. Toda alteração exige um determinado tempo. A alteração é dúplice (como mostrará Ar. no texto) :simpliciter, isto é, absoluta, e secundum quid, relativa. Exemplos: na primeira temos a alteração do branco em negro ou vice-versa, no segundo caso, o do branco em mais ou menos branco, o que será examinada no texto.

Contrários: Há contrariedade entre dois extremos. E são contrários esses extremos mais distantes, dentro da mesma espécie. Nenhuma coisa é o contrário de si mesma.

Corpo: O corpo tem três dimensões, e ocupa um lugar. Não há corpos infinitos. Todo o corpo é móvel, e desloca-se de um lugar para outro.

Corrupção: O que se corrompe é. O nada não pode corromper-se, porque o nada não é. O que se corrompe transita de um contrário a outro contrário.

A corrupção dá-se do ser (ex esse) que é, para o não ser o que era. A corrupção implica, portanto, o não-ser, que é o seu terminum ad quem. Há na corrupção uma afirmação da negação, e consiste ela na privação de uma forma da substância, ou seja, uma mutação de ser para não-ser. E tal não se dá no tempo, pois é instantânea. O contrário da corrupção é a geração (vide), pois a corrupção de um ser é a geração de um outro. Mostrará ainda Ar. que a corrupção é dúplice: simpliciter e secundum quid. A primeira (a absoluta) é a corrupção que parte de um ser substancial para o não-ser, a segunda (a relativa) é mutação na negação oposta, no mesmo que é afirmado, como a do branco em não-branco (que se dá na cor).

Devir (fieri) : É tomado sob várias acepções. Há um devir da substância, que é o devir absoluto fieri simpliciter) e um relativo, secundum quid, que é o devir nos acidentes (fieri accidentalium). Em qualquer devir há: o sujeito, o termo que permanece, e o que não permanece, que é o que se torna em seu contrário.

Espaço e Lugar: O espaço não tem dimensões de per si existentes e não se dá sem corpo sensível. Não é propriamente um lugar, e não possue, por sua natureza, dimensões. É medido pelas coisas medíveis. (Vide Vácuo).

Forma: A forma é o princípio do ser e o princípio do agir (principium essendi et agendi). A forma não age propriamente, mas é o principio ativo, porque a ação se realiza segundo a forma, e é proporcionada a ela. É a forma que causa a quididade de uma coisa, pois essa coisa é o que é pela forma (quo). A forma é a razão da coisa (ratio), princípio de sua natureza. É o fim da matéria, da qual se distingue a ratione, pois não é separada da matéria secundum rem. Na geração, o terminus ad quem é a forma, pois o que é gerado o é ao adquirir uma forma. Antecede a matéria como razão, mas desta não é, para Aristóteles, fisicamente separada. A forma está contida em potência na matéria. Deve-se evitar confundir a forma com a figura. A figura é a quantidade determinada pela qualidade. A forma é a razão intrínseca dos entes. Seres de figuras diferentes podem ter a mesma forma, como as figuras triangulares diferentes têm todas a mesma forma da triangularidade.

Geração: A geração é a mutação do não-ser ao ser; é uma transmutação para a substância. É portanto, o terminus ad quem, a meta a ser atingida, que se chama de geração, e que termina na forma. Dá-se, não no tempo, mas in instante, como a corrupção. O sujeito da geração não é o que é gerado, mas a matéria do que é gerado. Em toda geração há, portanto, uma matéria que sofre a geração. Com a geração algo é feito. Na geração há necessariamente o que é gerado, e consequentemente um generante. O que se move para a geração é o movente. É também absoluta e relativa (simpliciter et secundum quid), como o exporá Ar. Na primeira, há a geração absoluta de algo. Dá-se do que não-é simpliciter no ser que é em substância, e realiza-se pela indução da forma na matéria. A geração, quando substancial, não se dá no tempo; é instantânea. A geração implica a corrupção, pois o gerar de uma coisa é o corromper-se de outra. Na geração, há a passagem do não-ser paia o ser; na corrupção do ser para o não ser. Quando alguma coisa é gerada, adquire um ser, mas o sujeito que é gerado tinha antes uma forma que deixou de ter, portanto sofreu a passagem de um ser para um não-ser o que era, para ser outra, que antes não era. Geração e corrupção são contrários e são termos da alteração, como veremos no texto.

Imóvel: É imóvel o que de maneira alguma é apto a mover-se por si mesmo, ou também o que é difícil de ser movido. Era neste sentido que se dizia que a terra era imóvel.

Impartível (insecável, de seccare, cortar, como o átomo dos filósofos gregos): é o que é indivisível segundo a quantidade. O impartível não se move per se, mas só por acidente.

Impartível, segundo a espécie, é o que não pode ser resolvido em muitos corpos de espécie diversa. Mas ao impartível como tal nada impede que seja movido. No texto aristotélico e nas notas correspondentes, este conceito será esclarecido, por ocasião da crítica ao atomismo de Demócríto.

Impossível: O impossível é o que não pode ser, e ao impossível nada tende. Do impossível é impossível seguir-se qualquer coisa. O que é impossível de fazer, impossível é tornar-se, devir.

Indivisível: É o que não pode ser dividido e consequentemente não tem partes. Não pode o indivisível ser um quantum. Na crítica da teoria dos atomistas gregos este conceito será enriquecido de análises importantes.

Infinito: O ser infinito é aquele do qual há sempre algo que é extra. Toma Ar. o infinito em sentido quantitativo, como também o que é ignoto, portanto indefinível. Nega-lhe a perfeição, porque é interminável, onde se revela o sentido grego do infinito que é extensista. Precisar nitidamente o conceito de infinito em Ar. é tarefa que não poderíamos fazer aqui, já que, nesta matéria, são tantas as controvérsias que a exegese do genuíno pensamento do Estagirita exigiria obra de maior vulto, pois encontramos passagens que levariam a tomadas de posições das mais diversas. A ideia alexandrina de infinito, também a fáustica, tem uma conceituação diferente e encerra a de perfeição absoluta. Não, assim, para A., que emprega o termo apeiron no sentido de desmensurado, do que é privado de limites, peras.

Inquietude: Inquietude é mobilidade do movente e se dá no tempo. A quietude não é uma negação do movimento, mas privação. E pode ser medida segundo o tempo.

Lugar: É o terminus do continente, não o terminus do corpo, terminus segundo a colocação do corpo, imóvel segundo si mesmo. É algo entre as coisas da natureza, tem alguma potência, pois pode ser ocupado. Não é matéria nem forma. Não é espaço (spatium) distinto das coisas, pois não excede o locado, pois o lugar (topos-locus) e a coisa ocupante são simultâneos. 0 lugar não se transmuta. Tem um anterior e um posterior à sua posição. Lugar e vazio distinguem-se segundo a razão (secundum rationem).

Magnitude: É a quantidade que tem posição. É ela divisível em partes (divisibilidade potencialmente infinita). Nenhuma magnitude é contínua nem infinita em acto. Também não pode ser composta de indivisíveis, e é divisível segundo os seus divisíveis. A magnitude é medível pela moção. Não se separam magnitude e número (vide) e não podem existir de per se. Na magnitude, há um prius e um posterius a ela. As partes da magnitude são finitas em número. Não pode a magnitude ser dividida infinitamente em acto, mas apenas em potência. Este é um ponto importante do pensamento aristotélico, que nos comentários teremos oportunidade de justificar.

Matéria: A matéria é o princípio passivo. A matéria, portanto, é sempre privada, sempre privação; é o ser em potência. Segundo a sua substância, é a potência do ser substancial. Segundo em si mesma (como matéria prima) é ingênita e incorruptível. É a matéria o princípio passivo da moção, de per si imperfeita. É o que subjaz em cada coisa natural (substantia prima). Matéria e forma são partes da espécie. Na geração, a matéria antecede à forma, porque está antes, em privação da forma, que nela é induzida, pois a matéria, quando tem uma forma, está privada de outras.

Móvel: É o objeto da Filosofia Natural. Tudo quanto tem matéria é móvel. Pelo móvel conhece-se a moção. Nenhum móvel pode transitar num espaço infinito, em tempo finito; nem num espaço finito, em tempo infinito. Nenhum móvel move a si mesmo.

Movente: O que se move é sempre alguma forma. Esta não se move primeiro a si mesmo e por si mesmo (per se). Impõe-se uma causa eficiente que o ponha em movimento. Nos seres animados, o mover pertence à razão da vida. Só é movido o que tem magnitude.

Movimento: A moção, já vimos, se dá do sujeito no sujeito, da forma à forma, mas sempre do contrário ao contrário. O movimento é o ato do móvel, enquanto móvel, é o ato médio entre potência e ato. Desta forma, o movimento está no móvel e é requerido, no móvel, dois contrários, um antes e um depois. O movimento não é um ser de per si subsistente, mas em outro. É uma modal, como nos mostra Suarez. Pelo movimento, conhecemos o tempo, pois ele nos determina o tempo para nós. Serve para medir o tempo. O movimento é a moção local, tópica, mutação local, a mais comum entre os corpos. Há muitas espécies de moções tópicas (movimento), pois no aumento e na diminuição há mutações tópicas, como ainda examinaremos no texto. Examinaremos também as diversas espécies de moções, segundo a classificação de Aristóteles.

Mutação: A mutação se dá segundo a substância, ou segundo a qualidade, ou segundo a quantidade ou segundo o lugar.

Segundo a substância, temos: geração (nascer) e corrupção (perecer) das coisas; segundo a quantidade, aumento e diminuição; segundo a qualidade, a alteração; segundo o lugar, o movimento.

A mutação realiza-se do contrário ao contrário. Em toda mutação, há o que devêm, o que-se-torna-em um contrário. Em toda mutação são requeridos três elementos: o sujeito da mutação (quod), forma do sujeito, e privação de algo, pois do contrário não conheceria mutação. O ser, como ato puro, não conhece mutações, porque não está privado de, pois é infinitamente perfeito, por isso é imutável.

Toda mutação revela uma velocidade. Toda mutação dá-se no tempo. A mutação dá-se entre os contrários, entre os intermédios e nas contradições. A mutação não é uma substância de per se subsistente; é apenas uma modal no sentido de Suarez  .

Número: É a multidão medida por um. Por isso implica o "numeroso", o que é como o expunham os pitagóricos. O número é multiplicável in infinitum. Todo número, e tudo quanto tem número, é numerável. Não admite Ar. o número infinito em ato, mas apenas em potência, pois, a um número, sempre se pode adicionar outro. Sua multiplicação pode dar-se in infinitum. O número é considerado duplamente: número numerado e número numerante.

número numerado (numerus numeratus) é o que é numerado em ato ou numerável em ato;

número numerante (numerus numerans) é o pelo qual numeramos ou o número tomado absolutamente.

No texto aristotélico e nos comentários, voltaremos a examinar tais pontos.

Oposto: Oposto é o que se "ob - põe", e pode ser considerado triplamente: negativo, privativo e contrário. Oposto negativo é o que nega; privativo, o que se ausenta; contrário, o intermédio polar específico ou genérico.

Paixão (Pathos Passio): Paixão é a qualidade passível, e consiste no ato do paciente.

Parte: A parte tem razão da matéria. São as partes a causa do todo. Movendo-se o todo, move-se simultaneamente a parte. Todas as partes são comparadas ao todo, como o imperfeito ao perfeito, que é a comparação da matéria à forma. As partes podem ser duplamente comparadas ao todo: Segundo a composição, como as partes que compõem o todo; e segundo a resolução ou seja o todo que é dividido em partes. A parte aquieta-se naturalmente no todo, e serve para medi-lo. No todo, a parte está em potência sobretudo quando este é contínuo e não é distinguida em ato, mas em potência apenas. A parte que está no todo não atua, mas sim o todo. A parte não move o todo. Nenhuma parte movida é movida por si mesma.

Perfeito: É perfeito o que em nada está fora de si mesmo. E diz-se também perfeito qualquer ser quando tenha completamente a sua natureza, como também o que atinge o seu princípio.

Potência: A potência não é um princípio agente. O que está em potência reduz-se ao ato, por algo que já está em ato. Potência e ato são as primeiras diferenças do ser. O que está em potência é algo que também está em ato, não sob o mesmo aspecto. O que está em potência, naturalmente se move por outro que está em ato. A potência é ativa ou passiva, a potência ativa o é segundo a forma.

Relação: A relação consiste apenas em haver-se o que é ante outro. O ser da relação é um ser debilissimo e funda-se, no mínimo, em dois que tenham ordem um ao outro.

Substância: A substância é o primeiro gênero do ser e é um ente de per si. É o que permanece. É importante esse conceito de permanência da substância, pois, na filosofia moderna, por influência de Wolf, afirmou-se que o aristotelismo predicava a imutabilidade da substância, o que permitiu as críticas de Kant   a esse conceito. Kant desconhecia a obra aristotélica, e fundou-se nas afirmativas de seu mestre, Wolf.

A substância é o que permanece, o que não indica propriamente o que se perpetua numa imutabilidade, pois Aristóteles admite uma mutação substancial, a qual, por suas características especiais, não pode ser analisada aqui e sim no texto aristotélico e nos comentários subsequentes.

A substância é dividida em universal e particular, ou seja, substância primeira ou substância segunda (matéria e forma).

Tempo: O tempo é a medida do movimento, mas não é movimento, e sim simultâneo com este. É pelo movimento que se define o tempo, que é uma medida extrínseca do movimento. O tempo não é o número pelo qual numeramos, mas numerado, e numera o movimento, segundo os dois últimos tempos por dois agoras.

Não é um número simpliciter (numerans), mas número numerado. Sem o movimento não há o tempo. Desta forma, o tempo é o número do movimento.

É o que flui num contínuo divisível e sempre divisível. É a quantidade contínua das coisas numeradas. O tempo não conhece corrupções; é sempre simultâneo e igual, e sempre o mesmo, apesar de se falar num tempo mais veloz ou menos veloz. 0 tempo não pode ser infinito se a magnitude é finita. O tempo e o movimento são infinitos, não em ato. Se o tempo é contínuo, não é necessário que o movimento seja contínuo.

Unidade — É o princípio do número.

Vazio ou Vacuum — O vácuo é o que, no qual, nada há. É a ausência de corpo. A razão do vácuo é a do espaço, não tem qualquer natureza. É não-ente e privação. Falta-lhe toda corporeidade. De per si não pode ser causa de qualquer coisa.


Ver online : Vicente Ferreira da Silva