Página inicial > Modernidade > Zubiri (2011:liii-lv) – inteligência senciente

Zubiri (2011:liii-lv) – inteligência senciente

quinta-feira 25 de abril de 2024, por Cardoso de Castro

  

Carlos Nougué

Que é, pois, inteligir? Ao longo de toda a sua história, a filosofia tratou muito detidamente dos atos de intelecção (conceber, julgar, etc.) em contraposição aos diferentes dados reais que os sentidos nos fornecem. Uma coisa, diz-se-nos, é sentir; outra é inteligir. Esse enfoque do problema da inteligência contém, no fundo, uma afirmação: inteligir é posterior a sentir, e essa posterioridade é uma oposição. Foi a tese inicial da filosofia desde Parmênides  , que veio gravitando imperturbavelmente, com mil variantes, em torno de toda a filosofia europeia.

Mas isso é, antes de tudo, uma ingente vagueza, porque não nos foi dito em que consiste formalmente o inteligir enquanto tal. Diz-se-nos, no máximo, que os sentidos dão à inteligência as coisas reais sentidas para que a inteligência as conceitue e as julgue. No entanto, não nos é dito nem o que é formalmente sentir nem, sobretudo, o que é formalmente inteligir. Pois bem, penso que inteligir consiste formalmente em apreender o real como real, e que sentir é apreender o real em impressão. Real, aqui, significa que os caracteres que o apreendido tem na própria apreensão ele os têm “em próprio”, “de seu”, e não somente em função, por exemplo, de uma resposta vital. Não se trata de coisa real na acepção de coisa além da apreensão, mas do apreendido mesmo na apreensão, mas enquanto é apreendido como algo que é “em próprio”. É o que chamo de formalidade de realidade. É por isso que o estudo da intelecção e o estudo da realidade são congêneres. Pois bem, isto é decisivo. Porque, como os sentidos nos dão no sentir humano coisas reais, com todas as suas limitações, mas coisas reais, sucede que essa apreensão das coisas reais enquanto sentidas é uma apreensão senciente; mas, enquanto apreensão de realidades, é uma apreensão intelectiva. Daí que o sentir humano e a intelecção não sejam dois atos numericamente diferentes, cada um completo em sua ordem, mas constituem dois momentos de um único ato de apreensão senciente do real: é a inteligência senciente. Não se trata de uma intelecção voltada primariamente para o sensível, mas do inteligir e do sentir em sua própria estrutura formal. Não se trata de inteligir o sensível e de sentir o inteligível, senão de que inteligir e sentir constituem estruturalmente — se se quiser empregar um vocábulo e um conceito impróprios neste lugar — uma única faculdade, a inteligência senciente. O sentir humano e o inteligir não só não se opõem, mas constituem em sua unidade intrínseca e formal um só e único ato de apreensão. Este ato, enquanto senciente, é impressão; enquanto intelectivo, é apreensão de realidade. Portanto, o ato único e unitário de intelecção senciente é impressão de realidade. Inteligir é um modo de sentir, e sentir é, no homem, um modo de inteligir.

Qual é a índole formal deste ato? É o que chamo de mera atualidade do real. Atualidade não é, como pensavam os latinos, o caráter de ato de algo. Ser cão em ato é ser a plenitude formal daquilo em que consiste ser cão. Por isso eu antes chamo esse caráter de atuidade. Atualidade, em contrapartida, não é caráter de algo em ato, mas de algo que é atual; duas coisas muito diferentes. Os vírus tinham atuidade desde milhões de anos atrás, mas só agora adquiriram uma atualidade que antes não tinham. Mas atualidade não é sempre, como no caso dos vírus, algo extrínseco à atuidade do real. Pode ser algo intrínseco às coisas reais. Quando um homem está presente porque é ele que se faz presente, dizemos que esse homem é atual naquilo em que se faz presente. Atualidade é um estar, mas um estar presente desde [1] si mesmo, desde sua própria realidade. Por isso, a atualidade pertence à própria realidade do atual, mas não acrescenta, nem tira, nem modifica nenhuma de suas notas reais. Pois bem, a intelecção humana é formalmente mera atualização do real na inteligência senciente.

Original

¿ Qué es pues inteligir ? A lo largo de toda su historia, la filosofía ha atendido muy detenidamente a los actos de intelección (concebir, juzgar, etc.) en contraposición a los distintos datos reales que los sentidos nos suministran. Una cosa, se nos dice, es sentir, otra inteligir. Este enfoque del problema de la inteligencia contiene en el fondo una afirmación: inteligir es posterior a sentir, y esta posterioridad es una oposición. Fue la tesis inicial de la filosofía desde Parmenides, que ha venido gravitando imperturbablemente, con mil variantes, sobre toda la filosofía europea.

Pero esto es ante todo una ingente vaguedad, porque no se nos ha dicho en qué consiste formalmente el inteligir en cuanto tal. Se nos dice a lo sumo que los sentidos dan a la inteligencia las cosas reales sentidas para que la inteligencia las conceptúe y juzgue de ellas. Pero sin embargo no se nos dice ni qué sea formalmente sentir, ni sobre todo qué sea formalmente inteligir. Pues bien, pienso que inteligir consiste formalmente en aprehender lo real como real, y que sentir es aprehender lo real en impresión. Aquí real significa que los caracteres que lo aprehendido tiene en la aprehensión misma los tiene «en propio», «de suyo», y no sólo en función, por ejemplo, de una respuesta vital. No se trata de cosa real en la acepción de cosa allende la aprehensión, sino de ¡o aprehendido mismo en la aprehensión pero en cuanto está aprehendido como algo que es «en propio». Es lo que llamo formalidad de realidad. Por esto es por lo que el estudio de la intelección y el estudio de la realidad son congéneres. Ahora bien, esto es decisivo. Porque como los sentidos nos dan en el sentir humano cosas reales, con todas sus limitaciones, pero cosas reales, resulta que esta aprehensión de las cosas reales en cuanto sentidas es una aprehensión sentiente; pero en cuanto es una aprehensión de realidades, es aprehensión intelectiva. De ahí que el sentir humano y la intelección no sean dos actos numéricamente distintos, cada uno completo en su orden, sino que constituyen dos momentos de un sólo acto de aprehensión sentiente de lo real: es la inteligencia sentiente. No se trata de que sea una intelección vertida primariamente a lo sensible, sino que se trata del inteligir y del sentir en su propia estructura formal. No se trata de inteligir lo sensible y de sentir lo inteligible, sino de que inteligir y sentir constituyen estructuralmente —si se quiere emplear un vocablo y un concepto impropios en este lugar—una sola facultad, la inteligencia sentiente. El sentir humano y el inteligir no sólo no se oponen sino que constituyen en su intrínseca y formal unidad un solo y único acto de aprehensión. Este acto en cuanto sentiente es impresión; en cuanto intelectivo es aprehensión de realidad. Por tanto el acto único y unitario de intelección sentiente es impresión de realidad. Inteligir es un modo de sentir, y sentir es en el hombre un modo de inteligir.

¿ Cuál es la índole formal de este acto? Es lo que llamo la mera actualidad de lo real. Actualidad no es, como pensaban los latinos, el carácter de acto de algo. Ser perro en acto es ser la plenitud formal de aquello en que consiste ser perro. Por eso yo llamo más bien actuidad a este carácter. Actualidad en cambio, no es carácter de algo en acto sino de algo que es actual; dos cosas muy distintas. Los virus tenían actuidad desde hace millones de años, pero sólo hoy han adquirido una actualidad que antes no tenían. Pero actualidad no es siempre, como en el caso de los virus, algo extrínseco a la actuidad de lo real. Puede ser algo intrínseco a las cosas reales. Cuando un hombre está presente porque es él quien se hace presente, decimos que este hombre es actual en aquello en que se hace presente. Actualidad es un estar, pero un estar presente desde sí mismo, desde su propia realidad. Por esto la actualidad pertenece a la realidad misma de lo actual, pero no le añade, ni le quita, ni modifica ninguna de sus notas reales. Pues bien, la intelección humana es formalmente mera actualización de lo real en la inteligencia sentiente.


Ver online : Xavier Zubiri


ZUBIRI, Xavier. Inteligência e Realidade. Tr. Carlos Nougué. São Paulo: É Realizações, 2011


[1Este uso da preposição “desde”, ou seja, para introduzir a perspectiva, o ângulo, o enfoque, o aspecto que se expressam é próprio do espanhol, e não se dá em português. Sucede, porém, que o mais das vezes Zubiri faz uso filosófico da preposição, especialmente em razão de sua etimologia (contração das preposições latinas de, ex, de), como se verá claramente em Inteligência e Logos, a Segunda Parte de Inteligência Senciente. Nesses casos, mantivemos na tradução a preposição, em vez de vertê-la por “de”, “do ângulo de”, etc., para que não se perdesse seu caráter intencional e unitário. (N. T.)