Página inicial > Modernidade > Zubiri (2011:li-liii) – saber e realidade

Zubiri (2011:li-liii) – saber e realidade

quinta-feira 25 de abril de 2024, por Cardoso de Castro

  

Carlos Nougué

[...] O estudo Sobre a Essência contém muitas afirmações acerca da possibilidade do saber. Mas, por sua vez, é verdade que o estudo do saber e de suas possibilidades inclui muitos conceitos a respeito da realidade. É que é impossível uma prioridade intrínseca do saber sobre a realidade e da realidade sobre o saber. O saber e a realidade são, em sua própria raiz, estrita e rigorosamente congêneres. Não há prioridade de um sobre o outro. E isso não somente devido a condições de fato de nossas investigações, mas devido a uma condição intrínseca e formal da própria ideia de realidade e de saber. Realidade é o caráter formal — a formalidade — segundo o qual o apreendido é algo “em próprio”, algo “de seu”. E saber é apreender algo segundo essa formalidade. Voltarei em seguida a estas ideias. Por isso, a suposta anterioridade crítica do saber sobre a realidade, isto é, sobre o sabido, não é no fundo senão uma espécie de timorata hesitação no próprio começo do filosofar. Algo assim como se alguém que quisesse abrir uma porta passasse horas estudando o movimento dos músculos de sua mão; provavelmente não chegaria nunca a abrir a porta. No fundo, essa ideia crítica da anterioridade nunca chegou por si só a um saber do real, e quando o conseguiu tal se deveu, em geral, a não ter sido fiel à crítica mesma. Não podia ser de outra forma: saber e realidade são congêneres em sua raiz. Portanto, publicar este estudo sobre a inteligência depois de ter publicado um estudo sobre a essência não significa preencher o vazio de uma necessidade insatisfeita; significa, pelo contrário, mostrar que o estudo do saber não é anterior ao estudo da realidade. O “após” a que antes me referia não é, pois, uma mera constatação de fato, mas a demonstração em ato da deliberada repulsa de toda crítica do saber como fundamento prévio ao estudo do real.

Isso, porém, não é tudo. Venho empregando a expressão “saber” com intencional indeterminação, porque a filosofia moderna não começa com o saber pura e simplesmente, mas com esse modo de saber que é chamado de “conhecimento”. Assim, a crítica é Crítica do conhecimento, da epistéme, ou, como se costuma dizer, é “epistemologia”, ciência do conhecimento. Pois bem, penso que isso é sumamente grave. Porque o conhecimento não é algo que repousa sobre si mesmo. E não me refiro com isso aos fatores determinantes de caráter psicológico, sociológico e histórico do conhecer. Certamente uma psicologia do conhecimento, uma sociologia do saber e uma historicidade do conhecer são coisas essenciais. Não são, porém, algo primário. Porque o primário do conhecimento está em ser um modo de intelecção. Portanto, toda epistemologia pressupõe uma investigação do que estruturalmente e formalmente é a inteligência, o Noús, um estudo de “noologia”. A vaga ideia do “saber” não se concretiza em primeira instância no conhecer, mas na intelecção enquanto tal. Não se trata de uma psicologia da inteligência nem de uma lógica, mas da estrutura formal do inteligir.

Original

[...] El estudio Sobre la esencia contiene muchas afirmaciones acerca de la posibilidad del saber. Pero a su vez es cierto que el estudio acerca del saber y de sus posibilidades incluye muchos conceptos acerca de la realidad. Es que es imposible una prioridad intrínseca del saber sobre la realidad ni de la realidad sobre el saber. El saber y la realidad son en su misma raíz estricta y rigurosamente congéneres. No hay prioridad de lo uno sobre lo otro. Y esto no solamente por condiciones de hecho de nuestras investigaciones, sino por una condición intrínseca y formal de la idea misma de realidad y de saber. Realidad es el carácter formal —la formalidad— según el cual lo aprehendido es algo «en propio», algo «de suyo». Y saber es aprehender algo según esta formalidad. Volveré inmediatamente sobre estas ideas. Por esto, la presunta anterioridad crítica del saber sobre la realidad, esto es sobre lo sabido, no es en el fondo sino una especie de timorato titubeo en el arranque mismo del filosofar. Algo así a como si alguien que quiere abrir una puerta se pasara horas estudiando el movimiento de los músculos de su mano; probablemente no llegará nunca a abrir la puerta. En el fondo, esta idea crítica de anterioridad nunca ha llevado por sí sola a un saber de lo real, y cuando lo ha logrado se ha debido en general a no haber sido fiel a la crítica misma. No podía menos de ser así: saber y realidad son congéneres en su raíz. Por tanto, publicar este estudio sobre la inteligencia después de haber publicado un estudio sobre la esencia, no significa colmar el vacío de una necesidad insatisfecha; significa por el contrario mostrar sobre la marcha que el estudio del saber no es anterior al estudio de la realidad. El «después» a que antes me refería no es pues una mera constatación de hecho sino la mostración en acto de la deliberada repulsa de toda crítica del saber como fundamento previo al estudio de lo real.

Pero esto no es todo. Vengo empleando la expresión «saber» con intencionada indeterminación. Porque ¡a filosofía moderna no comienza con el saber sin más, sino con ese modo de saber que se llama «conocimiento». La crítica es así Crítica del conocimiento, de ¡a epistéme, o como suele decirse, es «epistemología», ciencia del conocimiento. Ahora bien, pienso que esto es sumamente grave. Porque el conocimiento no es algo que reposa sobre sí mismo. Y no me refiero con ello a los factores determinantes psicológicos, sociológicos y históricos del conocer. Ciertamente una psicología del conocimiento, una sociología del saber, y una historicidad del conocer son cosas esenciales. Pero sin embargo, no son algo primario. Porque lo primario del conocimiento está en ser un modo de intelección. Por tanto toda epistemología presupone una investigación de ¡o que estructural y formalmente sea la inteligencia, el Nous, un estudio de «noología». La vaga idea del «saber» no se concreta en primera línea en el conocer, sino en la intelección en cuanto tal. No se trata de una psicología de la inteligencia ni de una lógica, sino de la estructura formal del inteligir.


Ver online : Xavier Zubiri


ZUBIRI, Xavier. Inteligência e Realidade. Tr. Carlos Nougué. São Paulo: É Realizações, 2011