(gr. aletheia; lat. veritas; in. Truth; fr. Vérité; al. Wahrheit; it. Verità).
Validade ou eficácia dos procedimentos cognoscitivos. Em geral, entende-se por verdade a qualidade em virtude da qual um procedimento cognoscitivo qualquer torna-se eficaz ou obtém êxito. Essa caracterização pode ser aplicada tanto às concepções segundo as quais o conhecimento é um processo mental quanto às que o consideram um processo linguístico ou semiótico. Ademais, tem a vantagem de prescindir da distinção entre definição de verdade e critério de verdade Essa distinção nem sempre é feita, nem é frequente; quando feita, representa apenas a admissão de duas definições de verdade P. ex., quando se faz a distinção entre teoria da correspondência e critério de verdade, este é definido como evidência recorrendo-se ao conceito de verdade como revelação, e a teoria da verdade como conformidade a uma regra, apresentada por Kant como critério formal ao lado do conceito de verdade como correspondência, torna-se então uma definição da própria verdade
É possível distinguir cinco conceitos fundamentais de verdade: 1) a verdade como correspondência; 2) a verdade como revelação; 3) a verdade como conformidade a uma regra; 4) a verdade como coerência; 5) a verdade como utilidade. Essas concepções tem importâncias diferentes na história da filosofia: as duas primeiras, em especial a primeira, sem dúvida são as mais difundidas. Não são nem mesmo alternativas entre si: é possível encontrar mais de uma no mesmo filósofo, embora usadas com propósito diferente. No entanto, por serem díspares e mutuamente irredutíveis, devem ser consideradas distintas.
1) O conceito de verdade como correspondência é o mais antigo e divulgado. Pressuposto por muitas das escolas pré-socráticas, o primeiro a formulá-lo explicitamente foi Platão, na definição do discurso verdadeiro feita em Crátilo. “Verdadeiro é o discurso que diz as coisas como são falso é aquele que as diz como não são” (Crat., 385 b; v. Sof., 262 e; Fil, 37 c). Por sua vez, Aristóteles dizia: “Negar aquilo que é e afirmar aquilo que não é é falso, enquanto afirmar o que é e pegar o que não é, é a verdade” (Met., IV, 7, 1011 b 26 ss.; v. V, 29, 1024 b 25). Aristóteles enunciava também as duas teses fundamentais dessa concepção de verdade. A primeira é que a verdade está no pensamento ou na linguagem, não no ser ou na coisa (Mel, VI, 4, 1027 b 25). O segundo é que a medida da verdade é o ser ou a coisa, não o pensamento ou o discurso: de modo que uma coisa não é branca porque se afirme com verdade que ela assim é, mas afirma-se com verdade que ela é branca porque é (Met., IX, 10, 1051 b 5).
Nas doutrinas anteriores a definição de verdade e o critério de verdade coincidem. Em outras doutrinas, mesmo mantendo-se fixa a definição de verdade, o critério de verdade é considerado diferente; é o que acontece no estoicismo e no epicurismo. Estoicos e epicuristas continuam admitindo que a verdade é a correspondência entre o conhecimento e a coisa (Sexto Empírico, Adv. math., VIII, 38; II, 9), mas julgam que o critério da verdade é diferente, porque para os estoicos ele está na representação cataléptica, que é a manifestação do objeto para o homem, enquanto para os epicuristas ele está na sensação, que é o próprio manifestar-se da coisa (Dióg. L., X, 31). Nesses casos, a distinção entre verdade e critério equivale a reconhecer dois conceitos de verdade, considerados compatíveis (ou não incompatíveis).
Ademais, a coexistência de dois conceitos de verdade não é rara. Muitas vezes a teoria da correspondência é acompanhada pela teoria da verdade como manifestação ou revelação. S. Agostinho, por um lado, define a verdade como “aquilo que é como aparece” (Solil, II, 5) e por outro considera como verdade “aquilo que revela o que é, ou que se manifesta a si mesmo”; nesse sentido, identifica a verdade com o Verbum ou Logos, que é a primeira manifestação imediata e perfeita do ser, ou seja, de Deus (De vera rei, 36). Por sua vez, Tomás de Aquino, retomando uma definição de Isaac Ben Salomon, do século IX, define a verdade como “adequação entre o intelecto e a coisa” (Suma Teológica, I, q. 16, a. 2; Contra Gent., I, 59; Dever., q. I, a. I), mas, ao mesmo tempo em que mantém, com relação ao homem, a tese aristotélica de que as coisas — e não o intelecto — são a medida da verdade inverte essa tese no que diz respeito a Deus.- “O intelecto divino é mensurante, e não mensurado; a coisa natural é mensurante e mensurada, mas o nosso intelecto é mensurado, e não mensurante, em relação às coisas naturais; é mensurante só em relação às coisas artificias” (De ver., q. I, a. 2). Portanto, existe também uma verdade das coisas, que é aquilo em virtude do que as coisas se assemelham ao seu princípio, que é Deus; nesse sentido Deus é a primeira e suprema verdade (Suma Teológica, I, q. 16, a. 5). Esses conceitos são frequentes na filosofia medieval. O conceito de verdade como correspondência é amplamente empregado. Pedro Hispano (Summ. log., 3-34), Herveus Natalis (Quodl., III, I), Antônio Andréa (Super artem veterem, ed. 1508, f. 45rA) mantêm a teoria da verdade como conformidade entre intelecto e coisa, embora polemizando sobre o modo de ser da coisa, ou mais exatamente dos objetos aos quais o intelecto deve conformar-se. Em geral, na escolástica da segunda metade do séc. XIII e na do XIV, especifica-se que a “coisa” à qual o intelecto deve conformar-se é a “res intellecta”, isto é, a coisa como é apreendida pelo intelecto, não exterior ao próprio intelecto (v. Também Durand de Saint-Pourçain, In Sent, I, d. 19, q. 5). O conceito de adequação ou conformidade, porém, perde alcance metafísico e teológico para assumir significado estritamente lógico ou, como hoje se diria, semântico. A identificação polêmica, defendida por Ockham, entre “verdade” e “proposição verdadeira” equivale propriamente à negação do valor metafísico da palavra verdade (Summa log., I, 43; Quodl., verdade q. 24). Os platônicos de Cambridge mantêm, por motivos óbvios, o caráter metafísico e teológico da noção de correspondência, falando de conformidade da coisa consigo mesma ou com a sua essência contida no intelecto divino (v. Herbert de Cherbury, De veritate, 1656, pp. 4 ss.), mas Hobbes insiste no ponto de vista nominalista da verdade como simples atributo das proposições (De corp., 3, § 7); isso também foi feito por Locke (Ensaio, II, 32, 3-19) e até por Leibniz, que rejeita a noção metafísica de verdade como “atributo do ser” e limita-se a ver na verdade “a correspondência das proposições, que estão no espírito, com as coisas das quais se trata” (Nouv. ess., IV, 5. 11). Wolff unia o conceito de verdade como “concordância do nosso juízo com o objeto, ou seja, com a coisa representada” (Log., § 505) — que ele chamava de definição nominal da verdade — com a noção lógica da verdade como “determinabilidade do predicado por meio da noção do sujeito” — que ele chamava de definição real (Ibid., § 513). Baumgarten retornava à noção de verdade metafísica como “ordem da multiplicidade na unidade” (Met., § 89), enquanto Kant declarava pressupor simplesmente a “definição nominal da verdade” como “acordo do conhecimento com o seu objeto”, e propunha o problema de encontrar um critério para a verdade Excluindo a possibilidade de um critério geral, válido para qualquer conhecimento, ele se detinha no critério formal da verdade, que é a conformidade do conhecimento com as suas regras (Crítica da Razão Pura, Lógica, Intr., III; v. adiante). Esse conceito de verdade como correspondência nunca esteve ausente, nem na filosofia mais recente, pela qual às vezes é assumido como simples pressuposto, às vezes explicitamente defendido. Isso aconteceu especialmente nas correntes realistas (v., p. ex., Bolzano, Wissenschaftslehre, I, § 25; A. Meinong, Über Annahmen, pp. 125 ss.). Exatamente no espírito do realismo, N. Hartmann defendeu a concepção da verdade como “coincidência com um objeto que deve ser entendido como tal” (Systematische Philosophie, § 9). Hartman estende o conhecimento como “reflexão do ser sobre si mesmo” (Metaphysik der Erkenntnis, 1921, cap. 27, b).
Os lógicos contemporâneos também recorrem à doutrina da correspondência, procurando formulá-la de tal modo que ela seja independente de qualquer hipótese metafísica. Deste ponto de vista, quem melhor formulou essa teoria foi Alfred Tarski, que retomou explicitamente, além da definição aristotélica acima, também algumas definições análogas ou dependentes delas, como aquela segundo a qual “um enunciado é verdadeiro quando designa um estado de coisa existente” (B. Russell, An Inquiry into Meaning and Truth, 1940, pp. 362 ss.). Tarski partiu de uma equivalência do seguinte gênero: “O enunciado ‘a neve é branca’ é verdadeiro se, e somente se, a neve for branca”, para generalizá-la na fórmula: “X é verdadeiro se, e somente se, p”. Utilizando a noção semântica de satisfação entendida como a relação entre objetos arbitrários e determinadas expressões chamadas de “funções enunciativas” do tipo “x é branco”, “x é maior que y”, etc, Tarski chegou à seguinte definição de verdade: ” Um enunciado será verdadeiro se for satisfeito por todos os objetos; caso contrário, será falso”. Tarski salientou o fato de que a noção semântica de verdade (como ele a chamou e como habitualmente se chama) nada implica quanto às condições nas quais um enunciado como “a neve é branca” pode ser asseverado. Indica só que, sempre que afirmamos ou rejeitamos esse enunciado, deveremos estar prontos a afirmar ou rejeitar o enunciado correlativo “O enunciado ‘a neve é branca’ é verdadeiro”. Desse modo, ele considera que o conceito semântico de verdade pode conciliar-se com qualquer atitude epistemológica, sendo neutro em relação a qualquer concepção realista ou idealista, empirista ou metafísica do conhecimento (The Semantic Conception of Truth”, 1944, em Readings in Philosophical Analysis, 1949, pp. 52-84; a concepção de Tarski foi exposta pela primeira vez num texto polonês de 1933, traduzido para o alemão em Studia phuosophica, de 1935, pp. 261-405). Carnap aceitava essa concepção da verdade, mas ressaltava que ela diferia fundamentalmente dos conceitos de crença, verificação, confirmação, etc. (Introduction to Semantics, § 7). M Black enfatizou a insignificância filosófica dela (Language and Philosophy, IV, § 8).
2) A segunda concepção fundamental de verdade considera-a como revelação ou manifestação.
Tem duas formas fundamentais: uma empirista e outra metafísica ou teológica. A forma empirista consiste em admitir que a verdade é o que se revela imediatamente ao homem, sendo, portanto, sensação, intuição ou fenômeno. A forma metafísica ou teológica afirma que a verdade se revela em modos de conhecimento excepcionais ou privilegiados, por meio dos quais se torna evidente a essência das coisas, seu ser ou o seu princípio (Deus). A característica fundamental dessa concepção é a ênfase dada à evidência, assumida ao mesmo tempo como definição e critério da verdade. Mas a evidência, obviamente, nada mais é que revelação ou manifestação.
No sentido empirista, a verdade era considerada como revelação pelos cirenaicos, que viam nas sensações a própria evidência das coisas (Sexto Empírico, Adv. math., VII, 199-200), pelos epicuristas, que consideravam a sensação como o critério da verdade (Diógenes Laércio, X, 31-32), e pelos estoicos, para os quais esse critério estaria na representação cataléptica (Diógenes Laércio, VII, 54). Em Ockham, a noção de conhecimento intuitivo é a noção de manifestação imediata das coisas para o homem (das coisas em seus caracteres e nas suas relações) (In Sent., Prol., q. I, Z). No mesmo espírito, Telésio dizia que as coisas “retamente observadas manifestam por si mesmas a grandeza que cada uma tem, bem como sua capacidade, suas forças, sua natureza”; para ele, a sensação era essa revelação imediata das coisas (De rer. nat., I, Proem.). Em geral todas as doutrinas que confiam à sensibilidade o conhecimento das coisas tendem a discernir na sensibilidade a revelação da natureza das coisas e identificam com tal revelação a própria verdade ou o critério de verdade.
Por outro lado, da própria interpretação metafísica ou teológica da verdade como correspondência nasce o conceito de verdade como manifestação do ser ou do princípio supremo. Plotino dizia: “A verdade verdadeira não está de acordo com outra coisa, mas de acordo consigo mesma: ela não enuncia nada fora de si, mas enuncia o que ela mesma é” (Enn., V, 5, 2). Nesse sentido, a verdade é hipostasiada: não é o caráter formal de certos procedimentos cognoscitivos, mas princípio metafísico ou teológico que tem a mesma substancialidade e a mesma dignidade do princípio que nela se manifesta, ou seja, Deus. Esse conceito é tema de numerosas especulações na filosofia patrística e escolástica. S. Agostinho afirma dever existir uma natureza que esteja tão próxima da unidade que a reproduz em tudo e é una com ela; essa natureza é a verdade ou Verbo de Deus (De vera rei., 36). É comum na Escolás-tica a doutrina de que a verdade é o próprio intelecto ou Verbo de Deus (Anselmo, De Veritate, 14; Tomás de Aquino, De ver., q. I, a. 4).
Mais tarde, o mesmo conceito de verdade como revelação levou a reconhecer, com base no critério de evidência, a existência de verdade eternas. Descartes viu no cogito a evidência originária, pela qual a existência do sujeito pensante se revela ao próprio sujeito pensante, e considerou que deveria ser considerado como verdadeiro tudo o que se manifesta de modo evidente. No âmbito do que se manifesta desse modo, Descartes pôs as verdades eternas, estabelecidas e garantidas pela imutabilidade de um decreto de Deus (Méd., IV; Princ. phil., I, 49). Segundo Descartes, as verdades eternas são garantidas e reveladas diretamente por Deus, e por isso são eternas (Repouses, IV, 4). Assim também pensava Malebranche, embora para ele, ao contrário de Descartes, elas não seriam postas, mas simplesmente reconhecidas e validadas por Deus (Recherche de la vérité, X éclaircissement). Mas o conceito da verdade como revelação foi muito prezada pelo Romantismo, que, em seu aspecto essencial, poderia ser classificado como filosofia da revelação (v. Romantismo). Hegel dizia: “A ideia é a verdade: porque a verdade é a correspondência entre a objetividade e o conceito. Não no sentido de que se as coisas externas correspondem às minhas representações: estas são, nesse caso, apenas representações exatas que eu tenho como indivíduo. Mas no sentido de que todo o real, enquanto verdadeiro, é a ideia e só tem verdade por meio da ideia e nas formas da ideia” (Enc., § 213). Em outros termos, a Ideia é “a objetividade do conceito”, a racionalidade do real, mas à medida que se manifesta à consciência na sua necessidade, ou seja, como saber ou ciência (System der Philosophie, ed. Glockner, I, p. 423; Wissenschaft der Logik, ed. Glockner, II, p. 275): e o saber e a ciência são a automanifestação da Ideia, vale dizer, sua autêntica e completa revelação.
Como meio-termo entre a forma empírica e a forma teológica dessa concepção de verdade, está a concepção fenomenológica e existencialista. A fenomenologia é, segundo conceito próprio, um método que possibilita às essências manifestar-se ou revelar-se como tais. A epoché fenomenológica, ao pôr entre parênteses a atitude naturalista que consiste em afirmar a realidade das coisas no mundo, tende a possibilitar que as próprias coisas manifestem sua essência. Desse ponto de vista, a verdade é a evidência com que os objetos fenomenológicos se apresentam quando a epoché é efetuada (Ideen, I, § 136). Portanto, segundo Husserl, verdade e evidência pertencem não só aos objetos teóricos, mas a todos os objetos da consideração fenomenológica, sejam eles valores, sentimentos, etc. (Ibid, § 139). Por sua vez, Heidegger insistiu no caráter de revelação ou de descobrimento da verdade, recorrendo inclusive à etimologia da palavra grega. Assim, por um lado insistiu no nexo estreito entre o modo de ser da verdade e o modo de ser do homem, ou ser-aí, porquanto só ao homem a verdade pode revelar-se e revela-se (Sein und Zeit, § 44). Por outro lado, insistiu na tese de que o lugar da. verdade não é o juízo, e que a verdade não é uma revelação de caráter predicativo, mas consiste no ser descoberto do ser das coisas, ou das próprias coisas, e no ser descobridor do homem (Ibid., § 44 b; v. Vom Wesen des Grandes, I, trad. it, p. 20). Heidegger, porém, também ressaltou o fato de que cada descobrimento do ser, por ser parcial, também é um cobrimento dele; esse tema é recorrente sobretudo nos seus textos do segundo período. “O ser subtrai-se, ao mesmo tempo em que se revela, ao ente. Desse modo o ser, ao iluminar o ente, desencaminha-o ao mesmo tempo para o erro” (Holzwege, p. 310).
3) A terceira concepção considera a verdade como conformidade com uma regra ou um conceito. O primeiro a enunciar essa noção foi Platão. “Ao tomar como fundamento o conceito que considero mais sólido, tudo o que me pareça estar de acordo com ele será por mim posto como verdadeiro, quer se trate de causas, quer se trate de outras coisas existentes; o que não me pareça de acordo com ele será por mim posto como não verdadeiro” (Fed., 100 a). Essa concepção reaparece esporadicamente na história da filosofia. S. Agostinho afirmava que “acima da nossa mente há uma lei chamada verdade” e que nós podemos julgar todas as coisas em conformidade com essa lei, que no entanto escapa a qualquer juízo (De vera rei, 30-31). Na literatura de inspiração agostiniana, esse tema retorna com frequência, porém a mais importante expressão deste conceito de verdade encontra-se em Kant. Este, de fato, não se vale dessa noção para a definição da verdade (pois como dissemos, ele declara pressupor a definição nominal da verdade, que é a da correspondência), mas como critério de verdade Segundo Kant, o critério pode referir-se só à forma da verdade, ou seja, do pensamento em geral, e consiste na conformidade com “as leis gerais necessárias do intelecto”. “O que contradiz essas leis” — afirma Kant — “é falso, porque o intelecto nesse caso contradiz suas próprias leis, portanto a si mesmo.” Todavia, esse critério formal não basta para estabelecer a verdade material, ou objetiva, do conhecimento; aliás, a tentativa de transformar esse cânone de avaliação formal em órgão de conhecimento efetivo não passa de uso dialético, ou seja, ilusório da razão (Crítica da Razão Pura, Lógica, Intr., III; Logik, Intr., VII). Esse critério foi acolhido e acentuado pelos neokantianos, sobretudo pelos da Escola de Baden. Windelband considerava que o objeto do conhecimento, aquele que mede e determina a verdade do conhecimento, não é uma realidade externa (que como tal seria inalcançável e incognoscível), mas a regra intrínseca do próprio conhecimento (Präludien, 1884,4a ed., 1911, passim). Rickert identificava o objeto do conhecimento com a norma à qual o conhecimento deve adequar-se para ser verdadeiro (Der Gegenstad der Erkenntnis, 1892). Nesses neokantianos, a conformidade com a regra — que Kant propusera simplesmente como critério formal de verdade — torna-se a única definição de verdade
4) A noção de verdade como coerência aparece no movimento idealista inglês da segunda metade do séc. XIX e é compartilhada por todos os que participaram desse movimento na Inglaterra e nos Estados Unidos. Aparece pela primeira vez em Lógica ou morfologia do conhecimento (1888) de B. Bosanquet, mas sua difusão se deve à obra de F. H. Bradley, Appearance and Reality (1893). A crítica de Bradley ao mundo da experiência humana partia do princípio de que aquilo que é contraditório não pode ser real; isso o levava a admitir que verdade ou realidade é coerência perfeita. A coerência, porém, atribuída à realidade última, ou seja, à Consciência Infinita ou Absoluta, não é simples ausência de contradição; é abolição de qualquer multiplicidade relativa e forma de harmonia que não se deixe entender nos termos do pensamento humano (Appearance and Reality, 2a ed., 1902, pp. 143 ss.). Segundo Bradley, os graus de verdade que o pensamento humano alcança podem ser julgados e classificados segundo o grau de coerência que possuam, embora essa coerência seja sempre aproximativa e imperfeita (Ibid., p. 362). Esses conceitos aparecem em grande número de pensadores da mesma tendência (v. idealismo), sem que a noção de coerência seja por isso modificada ou esclarecida (v. coerência). OS precedentes dessa doutrina não estão tanto em Hegel (a quem, todavia, os idealistas ingleses se referiam com mais frequência), mas em Spinoza. Na realidade, não passa de transcrição daquilo que Spinoza chamava de “terceiro gênero de conhecimento” ou “amor intelectual por Deus”: conhecimento da ordem total e necessária das coisas, que Spinoza identificava com o Deus (Et., V, 25).
5) A definição da verdade como utilidade pertence a algumas formas da filosofia da ação, especialmente o pragmatismo. Mas o primeiro a formulá-la foi Nietzsche: ” Verdadeiro em geral significa apenas o que é apropriado à conservação terceira humanidade. O que me faz perecer quando nele tenho fé não é verdade para mim: é uma relação arbitrária e ilegítima do meu ser com as coisas externas” (Wille zur Macht, ed. Kröner, 78, 507). Foi o pragmatismo que difundiu essa noção, defendida primeiramente por W. James. Este, porém, identificou utilidade e verdade só nos limites das crenças empiricamente não verificáveis ou não demonstráveis, tais como as morais e as religiosas (The Will to Believe, 1897). A equação entre utilidade e verdade foi estendida a toda a esfera do conhecimento por F. C. S. Schiller (Humanism, 1903 e textos seguintes). Desse ponto de vista, uma proposição, qualquer que seja o campo a que pertença, só é verdadeira pela sua efetiva utilidade, ou seja, por ser útil para estender o conhecimento ou para, por meio deste, estender o domínio do homem sobre a natureza, ou então por ser útil à solidariedade e à ordem do mundo humano. Critério semelhante foi apresentado por H. Vaihinger em Filosofia do como se (Philosophie des Als Ob, 1911) e divulgado por M. de Unamuno em Vida de Don Quijote y Sancho (1905) (v. pragmatismo). Talvez se possa entrever uma forma diferente dessa mesma concepção na tese de Dewey, da Instrumentalidade dos procedimentos cognoscitivos e do conhecimento em seu conjunto com vistas ao aperfeiçoamento da vida humana no mundo. Contudo, em Dewey não se encontra a definição de verdade como utilidade, mas apenas a afirmação do caráter instrumental — portanto válido, mas não verdadeiro — das proposições (Logic, XV, trad. it, p. 382-83) (v. validade). [Abbagnano]
A conformidade entre o que se diz e o que existe. — A verdade é então uma característica do nosso conhecimento e não do que existe (o real). Define-se, segundo a maneira clássica, pelo “acordo entre nosso pensamento (percepção, juízo) e o real”. Em compensação, nas matemáticas, trata-se unicamente do rigor interno de um raciocínio, definindo-se a verdade pelo “acordo do pensamento consigo mesmo” (definição dada por Kant). Quando se trata do devir histórico, deve-se adotar uma concepção “dialética” da verdade: ela é a “concordância entre o que pensamos e o que virá” (Hegel, Marx), diz a verdade quem sabe o que a historia nos reserva. Finalmente, do ponto de vista puramente prático, a verdade de urna concepção define-se “pelo êxito” (pragmatismo de Peirce, W. James, Dewey). Vê-se que, segundo trate-se do mundo físico ou do mundo da história e das relações humanas, a verdade possui um sentido absoluto ou relativo. A filosofia sempre se definiu como a procura da verdade. De que verdade se trata e da verdade de que? A filosofia “primeira”, ou fundamental, tem por objeto conhecer o fundamento do pensamento humano (Platão, Spinoza, Kant, Fichte, Hegel), isto é, a luz (ou o “absoluto”) que torna possível tudo saber; fala-se então da verdade. Mas pode-se tratar de obter um conhecimento verdadeiro dos fenômenos da natureza, e é este o objeto da ciência em geral. A filosofia moderna inclinou os espíritos para uma reflexão sobre a história: Merleau-Ponty aconselhava, com esse fim (em Sinais, 1961), o desapego e o não-engajamento, únicos a permitirem uma visão lúcida, profunda e a longo prazo da verdade histórica; contrapunha assim a reflexão filosófica sobre a história à cegueira do homem de partido, devendo ser essa própria reflexão apenas um momento ao serviço da ação “autêntica” (que se alinha no sentido da história ou da verdade histórica). Distingue-se o filósofo, que busca a verdade, e o sábio, que a possui; por outro lado, o profeta, que a prevê e anuncia, e, na ordem da ação histórica, o herói, que a realiza. (V. conhecimento, dialética, filosofia.) [Larousse]
Na acepção mais geral, designa uma igualdade ou conformidade entre a inteligência (conhecimento intelectual) e o ser (adaequatio intellectus et rei), e, em sentido mais elevado, uma completa interpenetração de inteligência e ser. — Para nós a verdade surge primeiramente como verdade de nosso conhecimento; esta verdade do conhecimento (verdade lógica) compete ao juízo e consiste em que o pensamento se assimila ao ser, enquanto exprime como existente um objeto real. Nossa verdade humana não serve pois de norma ao ser, mas, pelo contrário, ela é medida pelo ser (pelo menos no conhecimento especulativo), indica que o conhecimento é determinado pelo ser, é “justificado” pelo ser. Esta conformidade não exige que o pensamento reproduza o objeto sob todos os aspectos possíveis e, neste sentido, deva constituir um conhecimento adequado; pelo contrário, basta um conhecimento inadequado, contanto que os aspectos e notas do objeto, pensados no juízo, se encontrem realmente no objeto; por outras palavras: a verdade exige só uma adequação ou igualação (adaequatio) ao objeto formal considerado em cada caso. — A verdade autêntica é “universalmente válida”, ou seja, vale para todo intelecto cognoscente: o que é verdadeiro para um não pode ser falso para outro; neste sentido, toda verdade é “absoluta” e não há verdade alguma que seja “relativa”, quer dizer, de sentido diferente consoante a diversidade de sujeitos (relativismo). — Por analogia com a verdade do juízo, podem também chamar-se verdadeiros um conceito, enquanto pressupõe um juízo verdadeiro, e uma percepção sensorial, enquanto por sua conformidade com a realidade conduz a um juízo verdadeiro.
Distinta da verdade do conhecimento é a verdade do ser (verdade ontológica ou, segundo outros, ôntica) que, convém ao próprio ente e denota uma conformidade do ser com o conhecimento intelectual. Não é essencial ao ente a verdade no sentido de conformidade efetiva com o nosso modo de pensar; neste sentido falamos, por exemplo, de “ouro verdadeiro”, querendo significar com isso que o metal assim caracterizado é realmente aquilo que cremos que é, ao passo que ouro “falso” é alguma coisa brilhante, mas que não é realmente ouro. Quando a verdade ontológica se considera, juntamente com a unidade e a bondade, como um dos atributos “transcendentais”, isto é, próprios, sem exceção, de todo ente, pretende-se significar com isso primariamente aquela conformidade de todo ente com o pensamento, mercê da qual o ente pode tornar-se objeto do pensamento; verdade ontológica neste sentido como atributo transcendental do ente significa, para nós, que nossa razão se ordena sem restrição ao ente. Na ordem ontológica esta, inteligibilidade (intelligibilitas) do ente é motivada pelo fato de que todo ente não-divino é formado segundo ideias da mente de Deus. Verdade ontológica denota, em último lugar, que o ente tem sua medida numa ideia divina e que, por conseguinte, sob este aspecto, é impregnado de inteligência. Este genuíno idealismo constitui a superação última e definitiva de todo materialismo. — A verdade lógica e a ontológica das criaturas tem seu supremo fundamento ontológico na verdade divina, na qual o ser e o conhecer são uma só coisa; a frase “Deus é luz” exprime simbolicamente esta ideia.
Verdade em sentido moral é a conformidade das palavras com o pensamento, ou seja, a veracidade das palavras (mentira). — “Verdade em si”, no sentido do transcendentalismo lógico significa, não verdade ontológica, mas uma verdade que deve ser independente tanto do conhecimento quanto do ser real. Concebe-se, por exemplo, uma proposição matemática, como se existisse independentemente de todo pensamento. Chegou-se a este conceito errôneo, porque se admitiu a forma lógica do juízo (sujeito-cópula-predicado) transcendente, diante do pensamento (daí o nome de transcendentalismo lógico). — Segundo o conceito existencial de verdade (Kierkegaard, Jaspers, filosofia da existência), só é autêntica a verdade que se torna afetiva no livre impulso da existência individual, a verdade abraçada com o fervor da intimidade. Só ela é absolutamente válida; mas, por isso mes-, mo, não é acessível a todos, nem universalmente válida; pelo contrário, a verdade universalmente válida, que se mantém na esfera do universal, não é absolutamente válida. Tal concepção esquece que o universal não é simples escorço categorial de uma consciência-em-geral, mas reproduz a ordem essencial do ente, ordem que, por seu turno, rege e penetra também a existência do homem individual. Por outro lado, deve notar-se que a só realização subjetiva não garante a verdade como conhecimento do ser; ora, a verdade possui validade absoluta só quando é conhecimento do ser. — De Vries. [Brugger]
O vocábulo verdade é usado primariamente em dois sentidos: para se referir a uma proposição e para se referir a uma realidade. No primeiro caso diz-se que uma proposição que é verdadeira diferentemente de falsa. No segundo caso, diz-se que uma realidade é verdadeira diferentemente de aparente, ilusória, irreal, inexistente, etc.
Nem sempre é fácil distinguir entre estes dois sentidos de verdade , porque uma proposição verdadeira refere-se a uma realidade e de uma realidade diz-se que é verdadeira. Mas pode destacar-se um aspecto da verdade sobre o outro. Foi o que aconteceu na ideia de verdade que predominou nos começos da filosofia. Os filósofos gregos começaram por procurar a verdade face à falsidade, a ilusão, a aparência, etc. A verdade era neste caso idêntica à realidade, e esta era considerada como idêntica à permanência ao que é. Os gregos não se ocuparam apenas da verdade como realidade. Ocuparam-se também da verdade como propriedade de certos enunciados dos quais se diz que são verdadeiros. Embora antes de Aristóteles já se tivesse concebido a verdade como propriedade de certos enunciados, a mais celebrada fórmula a este respeito é a que se encontra em Aristóteles: “dizer do que é que não é, ou do que não é que é, é o falso: dizer do que é que é e do que não é que não é, é o verdadeiro”. Aristóteles exprimiu pela primeira vez limpidamente o que logo se chamará concepção lógica, e que seria mais adequado chamar-se concepção semântica, da verdade: portanto, não há verdade sem enunciado. Em rigor, não há enunciado como tal, pois o enunciado é-o sempre de algo. Parta que um enunciado seja verdadeiro é necessário que haja algo do qual se afirme que é verdade: não há coisa não há verdade, mas tão pouco há só com a coisa. Esta relação do enunciado com a coisa enunciada foi logo chamada correspondência ou adequação; a verdade é verdade do enunciado enquanto corresponde com algo que se adequa ao enunciado.
Os autores para quem a proposição é fundamentalmente uma série de signos sustentaram que a verdade é a conjunção ou separação de signos – por exemplo, a conjunção do signo ouro com o signo amarelo ou a separação do signo ouro do signo verde, o que dá as proposições consideradas verdadeiras: O ouro é amarelo, o ouro não é verde. É uma concepção da verdade que pode chamar-se, conforme os casos, nominal ou literal, se a verdade reside pura e simplesmente no modo como se encontram unidos ou separados certos signos, o fato de uma série de signos ser declarada verdadeira e outra falsa dependerá unicamente dos próprios signos. Ora o signo pode ser considerado como a expressão física de um conceito mental, o qual pode ser considerado como manifestação de um conceito formal, o qual pode ser considerado como apontando para uma coisa, para uma situação, para um fato, etc. A verdade aparece então como conveniência de signos com signos, de pensamentos com pensamentos, de conceitos com conceitos e de realidades com realidades, e por sua vez como adequação de uma série dada de signos, pensamentos e conceitos, com um fato real.
Os escolásticos trataram comummente de conjugar estes diversos modos de entender a verdade. A verdade é, para já, uma propriedade transcendental, do ente e que é convertível com o ente. A verdade como verdade transcendental, também às vezes chamada verdade metafísica e logo verdade ontológica, é definida como a conformidade ou conveniência do ente com a mente, pois o verum como um dos transcendentais é a relação do ente com o intelecto. Isto pressupõe que o ente é inteligível, já que de contrário não poderia haver a conformidade mentada…. Mas a verdade pode ser entendida como a conformidade da mente com a coisa, ou adequação da mente com a coisa. Este tipo de verdade chamou-se verdade lógica. Uma vez que esta pode ser entendida ou como conhecimento ou como união do juízo com o julgado, distinguiu-se entre uma verdade gnoseológica e uma propriamente lógica. A verdade transcendental é o verdadeiro como realidade: a verdade gnoseológica é a verdade enquanto se encontra no intelecto; a verdade lógica é a verdade enquanto adequação do enunciado com a coisa; a verdade que pode chamar-se nominal é a conformidade de um signo com outro.
Na época moderna persistiram as anteriores concepções da verdade. Mas o interessante, e novo, nas concepções modernas da verdade foram os desenvolvimentos do que pode chamar-se concepção idealista. Tem-se dito por vezes que esta concepção que se carateriza por entender a verdade como verdade lógica, e tem-se aduzido a tal efeito que ao reduzir-se todo o ser a conteúdo de pensamento, a verdade terá que fundamentar-se no próprio pensamento e, portanto, nas suas leis formais. Mas isto não corresponde necessariamente às concepções idealistas, mas antes às chamadas racionalizada.. Além disso, deve ter-se em conta que semelhante concepção da verdade é lógica só porque é ontológica e vice-versa. Se o pensamento é pensamento da realidade, a verdade do pensamento será a mesma que a verdade da realidade, mas também a verdade da realidade será a mesma que a do pensamento – a ordem e conexão das ideias serão, como dizia Espinosa, as mesmas que a ordem e conexão das coisas. Quando não se mantém com completo radicalismo esta concepção simultaneamente lógica e ontológica, o problema para os autores racionalistas é como conjugar as verdades racionais com as verdades empíricas. O que chamamos concepções idealistas modernas difere das estritamente racionalistas, e também das predominantemente empiristas, para as quais as verdades são fundamentalmente verdades de fato. Para compreender a concepção idealista de verdade podemos referirmos antes de tudo a Kant, quando fala da verdade como verdade transcendental – no sentido kantiano de transcendental. Se o objeto do conhecimento é a matéria da experiência ordenada pelas categorias, a adequação entre o entendimento e a coisa encontrar-se-á na conformidade entre o entendimento e as categorias do entendimento. A verdade é então primordialmente verdade do conhecimento, coincidente com a verdade do ser conhecido. Pois se há efetivamente coisas em si, estas são inacessíveis e, portanto, não pode falar-se de outro conhecimento verdadeiro senão do conhecimento da referida conformidade transcendental.
Hegel tenta, em contrapartida, a partir do idealismo, chegar até à verdade absoluta, por ele chamada a verdade filosófica. A verdade é matemática ou formal quando se reduz ao princípio de contradição; é Histórica ou concreta, quando se concerne à existência singular, quer dizer, às determinações não necessárias do conteúdo desta existência. Mas é verdade filosófica ou absoluta quando se opera uma síntese do formal com o concreto, do matemático com o histórico. Assim o falso e o negativo existem, não como um momento da verdade, mas como uma existência separada que fica anulada e absorvida quando com o porvir do verdadeiro, se atinge a ideia absoluta da verdade em e para si mesma. A Fenomenologia do Espírito é deste modo a preparação para a lógica como ciência do verdadeiro na forma do verdadeiro. A verdade absoluta é a própria filosofia , o sistema da filosofia. É próprio do conceito de verdade, sustentado por Hegel, o fato de a verdade ser, enquanto ontológica, uma totalidade indizível, sobre a qual se destaca qualquer enunciado parcial do verdadeiro ou da sua negação: o fato, em suma, de “todo o verdadeiro ser o todo”.
Alguns filósofos da época atual volta-se em parte à teoria escolástica e procura-se novamente a verdade na coincidência do intelecto com a coisa. Mas esta adequação não é entidade no sentido do realismo ingênuo, mas como o resultado de uma investigação que tem em conta as dificuldades que havia destacado o idealismo. A indagação da verdade, realizada por Husserl no prolongamento do estudo das relações entre a verdade e a evidência, conduz ao conceito de verdade como uma situação objetiva – enquanto correlato de um ato identificador – e a uma identidade ou plena concordância entre o pensado e o dado como tal – enquanto correlato de uma identificação de coincidência -, mas este conceito refere-se ao objetivo, ao passo que nas relações ideais entre as essências significativas dos atos coincidentes é preciso entender a verdade como a ideia correspondente à forma do ato, quer dizer, a ideia de adequação absoluta como tal. Num terceiro sentido, a verdade pode ser designada como o viver na evidência o objeto dado, no modo do objeto pensado, e, finalmente, do ponto de vista da intenção, a verdade é o resultado da apreensão da relação da evidência. Heidegger nega que a verdade seja primariamente a adequação do intelecto com a coisa e sustenta, de acordo com o primitivo significado grego, que a verdade é a descoberta. A verdade fica convertida num elemento da existência, a qual encobre o ser no seu estado de degradação e o descobre no seu estado de autenticidade. A verdade como descoberta pode dar-se só no fenômeno de estar no mundo próprio da existências e nele radica o fundamento do fenômeno originário da verdade. Da descoberta do velado é assim uma das formas de ser do estar no mundo. Mas a descoberta é não só o descobrir mas também o descoberto. A é, num sentido originário, a revelação da existência a que pertence primitivamente tanto a verdade como a falsidade. Por isso se descobre a verdade unicamente quando a existência se revela a si mesma enquanto maneira de ser própria. E toda a verdade não é verdadeira enquanto não tiver sido descoberta. Por isso, há verdade só na medida em que há existência, e ser unicamente na medida em que há verdade. Uma certa parte da filosofia contemporânea vai-se aproximando, por conseguinte, de uma noção de verdade que, sem dar num completo irracionalismo, procura solucionar ou evitar os conflitos que o intelectualismo tradicional tinha suscitado…. Irrompem na área da filosofia toda a espécie de correntes e tendências que, apesar das suas consideráveis discrepâncias mútuas, coincidem em subtrair a verdade da esfera meramente intelectual em que até então havia respirado. quando o William James sustenta resolutamente que a verdade considerada como abstratamente é algo inexistente, que só verdade o verdadeiro, por outras palavras, só há coisas verdadeiras que são ao mesmo tempo princípios práticos e que se confirmam como verdades pela sua consequência, exprime com todo o vigora primária vitalização da verdade e a tendência para o concreto típico de uma parte do pensamento contemporâneo. Mas não é lícito reduzir tais concepções a uma doutrina utilitária ou arbitrária. Em primeiro lugar, o útil para a vida pode ser entendido de maneiras muito diferentes, e o fato de, embora numa concepção neste sentido tão radical como a de William James, se ter entendido como o que para a vida é eticamente bom, alude já a uma decidida supressão de todo o utilitarismo tosco. A verdade torna-se assim, não uma adequação da vida à sua satisfação, mas de toda a noção, de todo o ato ao bem. A verdade é, por conseguinte, uma forma ou espécie do bem; o juízo de existência é ao mesmo tempo um juízo de valor. Por isso as “consequências práticas” de que fala William James não são apenas utilitárias, mas também mentais e teóricas. A única diferença entre u m pragmatismo e um anti-pragmatismo no problema da verdade, radica apenas, diz James, no fato de que “todos os pragmatistas falam de verdade se referem exclusivamente a algo acerca das ideias, quer dizer, a sua praticabilidade ou possibilidade de funcionamento, ao passo que quando os antipragmatistas falam da verdade querem dizer frequentemente algo acerca dos objetos”. O pensamento atual busca por diversos caminhos uma noção de verdade que, superando o relativismo e o utilitarismo manifestados nas primeiras reações contra a abstração, valha por sua vez como absoluta. Assim tem lugar sobretudo em quem, como Ortega y Gasset, chega a fazer da verdade uma coincidência do homem consigo mesmo. Ortega examina por que razão se fá por hipótese que há um ser ou verdade das coisas que o homem parece ter que averiguar, até ao ponto de o homem ter sido definido como o ser que se ocupa de conhecer o ser das coisas ou, por outras palavras, o animal racional que faz funcionar a sua razão pelo mero fato de a possuir. O homem necessita de justificar porque razão nalgumas ocasiões se dedica a averiguar o ser das coisas. Tal averiguação não pode proceder simplesmente de uma curiosidade. Pelo contrário, enquanto a filosofia tradicional afirmava que o homem é curioso e fazia assim descer a ciência ao nível de uma inclinação, o pensamento atual, que nega a suposta intelectualidade essencial do homem, sustenta que este se vê obrigado a conhecer, porque o conhecimento é o ato que o salva do naufrágio da existência. O saber converte-se, deste modo, em saber a que se ater. Daí que seja errôneo, segundo o referido pensador, supor sem mais que as coisas possuem um ser e que o homem tem de descobri-lo; o certo é que as coisas não têm por si mesmas um ser e por isso, para não se ver perdido, o homem tem de o inventar. O ser é, por conseguinte, o que há que fazer. Mas então a verdade não será simplesmente a tradicional adequação entre ser e pensar. verdade será aquilo sobre o qual o homem saberá a que se ater, o pôr a claro consigo mesmo em relação ao que crê das coisas.
A maior parte das teorias da verdade expostas até aqui, em particular as dos dois últimos parágrafos, podem ser consideradas como doutrinas metafísicas. Na época contemporânea, os lógicos apresentaram um conceito de verdade chamado conceito semântico. Segundo este conceito, a expressão “é verdade” (assim como a expressão “é falso”) é um predicado metalógico. Isto significa que uma definição adequada da verdade tem de ser dada numa metalinguagem. Esta metalinguagem deve conter as expressões da linguagem acerca da qual se fala. O que se trata de fazer é construir uma definição objetivamente justificada, concludente e formalmente correta, do termo “proposição verdadeira”, isto requer, além de uma demonstração das ambiguidades adscritas à linguagem conversacional, uma análise do conceito de verdade, ou melhor dizendo, da definição de “proposição verdadeira”.
Em geral, será conveniente indicar em que linguagem se diz de um enunciado que é verdadeiro, com a condição, antes apontada, de que tal linguagem (ou, melhor, metalinguagem) não seja da mesma ordem da linguagem da qual se diz que é verdadeira, mas de ordem imediatamente superior. O conceito semântico de verdade está no bicondicional….
P é verdadeiro se e só p um de cujos elementos pode ser:
“a neve é branca” se e só se a neve é branca.
A concepção semântica da verdade tem sido objeto de variadas críticas. Podem ser classificadas em dois grupos: filosóficas e analíticas.
filosóficas e analíticas. As primeiras arruem que a concepção semântica da verdade não resolve o problema filosófico da verdade no sentido em que tem sido tradicionalmente entendido, ou não têm em conta os supostos que subjazem em toda a concepção semântica. A isto pode responder-se que a concepção semântica não tenta dar tal solução nem averiguar tais supostos; trata-se apenas de conseguir uma definição do já citado predicado metalógico. As segundas proclamam que o conceito semântico de verdade, embora muito útil para a construção de linguagens artificiais, oferece dificuldades ao aplicá-lo às linguagens naturais. Em face de tais críticas, os lógicos arruem que o conceito semântico de verdade se constrói para as linguagens formalizadas e que, por conseguinte, as objecções em nome dos usos da linguagem ordinária não fazem mossa em tal conceito. Desvia-se dos usos ordinários de “é verdadeiro” e “é falso”; não é, portanto, um inconveniente, mas o resultado de um propósito. Por consequência, não importa nada, segundo tais lógicos, que a concepção semântica da verdade não proporcione nenhuma definição geral da verdade, mas apenas um critério de validade. Parece impossível reduzir a um denominador comum todos os conceitos de verdade até aqui apresentados.
Em geral pode dizer-se que os problemas acerca do conceito filosófico de verdade surgem quando não se tem suficientemente em conta a distinção entre o que é verdade e o que é a verdade. O último é um tema metafísico; o primeiro, um tema epistemológico. A verdade metafísica requer, para ser compreendida, uma prévia teoria do ser. A verdade epistemológica requer uma teoria da conformidade. O problema da verdade como verdade epistemológica consiste nos diferentes sentidos em que pode ser entendida tal conformidade. E embora estes sentidos sejam muito diversos, há sempre algo de comum neles: a existência de uma relação subjectiva a leis entre a expressão verdadeira e a situação à qual se refere. Dentro destes limites comuns podem colocar-se tanto as doutrinas antigas como muitas das teorias modernas acerca da noção de verdade. [Ferrater]
Verdade é também considerado um conceito transcendental. Todo ser é verdade. As verdades não são unívocas, nem equívocas, são análogas também. Por isso, os escolásticos diziam ens et verum convertuntur, ente e verdade são convertíveis. Todo ser é verdadeiro e tudo o que é verdade é ser. Se há uma falsidade lógica, não há antológica nem ôntica (a verdade da coisa em si mesma). Entre o ser e a verdade há apenas uma distinção real-racional.
Como vimos em “Teoria do Conhecimento”, a verdade se pode dizer do intelecto e das coisas. Por isso se podem distinguir: a verdade do intelecto, que é cognição; a verdade lógica, a verdade da coisa, a verdade ontológica ou transcendental, a verdade do ser, cujo estudo dispensamos repetir aqui.
Todo ente é verdadeiro.
Todo ente pode ser considerado como ensidade. E enquanto tal (unidade) é adequado a si mesmo. Não se deve considerar a verdade como se fosse apenas verdade lógica. Verdade é também um atributo ontológico (por ser ente).
Toda tensão, como ensidade, é verdade, num determinado plano, o qual pode não ser tal. Este pássaro, como pássaro, é verdade (ôntica e ontologicamente considerado). Um pássaro voando no fundo do mar (outro plano existencial) não é verdade.
A verdade lógica permite a verificação (adaequatio rei).
Aqui temos facilmente à mão o conceito de falso.
A relatividade da verdade está na operação que verifica, a adequação. [MFS]
O último elemento de uma descrição fenomenológica do conhecimento, que se propõe, é então o de verdade do conhecimento. Neste caso a verdade do conhecimento consiste em que o conhecimento concorde com o objeto; ou, melhor dito, consiste em que na relação do conhecimento, o pensamento formado pelo sujeito em vista do objeto concorde com o objeto. Esta concordância do pensamento com o objeto foi e é muitas vezes considerada na filosofia, por muitos pensadores como critério da verdade. Mas se prestarmos atenção, se atendermos bem à descrição que acabamos de fazer do fenômeno conhecimento, notaremos que esta concordância do pensamento com o Objeto não é critério da verdade, mas é a definição da verdade. Não da pedra de toque por meio da qual se descobre se um conhecimento é verdadeiro ou não, antes é aquilo em que consiste que um conhecimento seja verdadeiro. É a essência mesma da verdade, a definição mesma da verdade. Verdadeiro conhecimento é o conhecimento verdadeiro. Não há verdadeiro conhecimento senão o conhecimento verdadeiro. Isto quer dizer que o conhecimento falso não é conhecimento. Quando o conhecimento não concorda com a coisa, não é que tenhamos um conhecimento falso: é que não temos conhecimento. O conhecimento que diremos verdadeiro conhecimento, o autêntico conhecimento é o conhecimento verdadeiro, e o conhecimento verdadeiro é aquele no qual o pensamento concorda com o Objeto.
Ora, que critério pode aplicar-se para ter a certeza de que o pensamento concorda, com efeito, com o objeto? Esse é um problema que não está compreendido dentro da descrição fenomenológica do conhecimento. Um dos problemas que a teoria do conhecimento terá que propor e solucionar é aquele de saber quais são os critérios, as maneiras, os métodos de que se pode valer o homem para ver se um conhecimento é ou não verdadeiro. Mas se é verdadeiro, então o ser verdadeiro consiste em que o pensamento coincide com o objeto, e se não é verdadeiro, ou seja, se não é conhecimento, é que o pensamento não coincide nem concorde com o objeto.
Por conseguinte, é preciso ir-se acostumando a não considerar que a coincidência do pensamento com o objeto seja critério da verdade, antes que é a verdade mesma, é aquilo em que consiste a verdade. Critério, em troca, ou seja, modo, método para descobrir se um conhecimento é verdadeiro, isso poderá havê-lo de diferentes classes e espécies ou talvez não haver nenhum. Se existem, e quais sejam, descobri-lo-á oportunamente a teoria do conhecimento. [Morente]