(gr. hyperanthropos; in. Superman; fr. Surhomme; al. Übermensch; it. Superuomó).
O termo que se encontra em Luciano (Cataplus, 16) e que algumas vezes foi usado para designar o homem-Deus (= Cristo; v. T. Tasso, Lettere, V, 6), foi empregado antes por Ariosto (Orl. Fur, 38, 62) para indicar uma humanidade extraordinária. Foi introduzido na Alemanha por Heinrich Muller (Geistliche Erbauungstunden, 1664-66) e empregado por vários escritores do Romantismo alemão, inclusive por Goethe (Fausto, 1, Noite). Mas foi só com Nietzsche que esse termo assumiu significado filosófico e se tornou popular. O super-homem é a encarnação da vontade de potência: “O homem deve ser superado. O super-homem é o sentido da terra. (…) O homem é uma corda esticada entre o animal e o super-homem, uma corda sobre o abismo” (Also sprach Zarathustra, I, 3). O super-homem é a encarnação dos valores vitais que Nietzsche contrapõe aos valores tradicionais; para Nietzsche, é o filósofo criador de valores, dominador e legislador, em oposição aos “operários da filosofia”, que são os comumente considerados filósofos (Jenseits von Gut und Böse, § 211). Apesar de o conceito nietzschiano não ter nenhum significado político preciso, acabou servindo de pretexto ao racismo e às concepções antidemocráticas em política. [Abbagnano]
(al. Übermensch)
Segundo Nietzsche, o homem superior, “indivíduo soberano, indivíduo que não se parece senão consigo mesmo, indivíduo livre da moral dos costumes que possui em si mesmo … a verdadeira consciência da liberdade e da potência, enfim o sentimento de ter chegado à perfeição do homem” (Genealogia da moral). O super-homem é, assim, o indivíduo autêntico, que cria seus próprios valores, “afirmativos da vida”, que não é condicionado pelos hábitos e valores sociais de uma época, porque “o homem existe apenas para ser superado” (Assim falou Zaratustra). Ele evoca o passo à frente que a humanidade deve empreender a partir do momento em que ela se desembaraçar da ideia de Deus. Porque a crença em Deus, segundo Nietzsche, aprisionava a humanidade em falsos valores e limitava seu poder de conhecimento trazendo uma resposta apaziguadora às suas ignorâncias. [Japiassu]
O amor fati é a aceitação do eterno retorno, é aceitação da vida. Mas não se deve ver nele a aceitação do homem. A mensagem fundamental de Zaratustra, com efeito, está em pregar o super-homem. “O super-homem é o sentido da-terra! Que a vossa vontade proclame: que o super-homem seja o sentido da terra! Eu vos conclamo, meus irmãos, permanecei fiéis à terra e não acrediteis naqueles que vos falam de esperanças sobrenaturais! (…) Outrora, o delito contra Deus era o maior dos malefícios, mas Deus está morto (…). Agora, a coisa mais triste é pecar contra o sentido da terra!”
E é o homem, o novo homem, que deve criar novo sentido da terra, abandonar as velhas cadeias e cortar os antigos troncos. O homem deve inventar o homem novo, isto é, o super-homem, o homem que vai além do homem e que é o homem que ama a terra e cujos valores são a saúde, a vontade forte, o amor, a embriaguez dionisíaca e novo orgulho. Diz Zaratustra: “Um novo orgulho ensinou-me o meu Eu e eu o ensino aos homens: não deveis mais esconder a cabeça na areia das coisas celestes, mas mantê-la livremente: cabeça terrena, que cria ela mesma o sentido da terra”.
O super-homem substitui os velhos deveres pela vontade própria. Existe “um dragão enorme, que o espírito não quer mais chamar de seu patrão e seu Deus. Chama-se ele: ‘Tu deves’. Mas, contra ele, o espírito do leão proclama as palavras ‘Eu quero’ “. E existem os pregadores da vida eterna: eles pregam mundos sobrenaturais, mas Zaratustra quer ser “a voz do corpo de novo entregue à saúde”. É a voz da coragem e do orgulho: pretende-se o amor ao próximo, mas “não foi a vossa compaixão, e sim o vosso valor que até agora salvou quem estava em perigo”.
“O homem é uma corda estendida, estendida entre o bruto e o super-homem, uma corda estendida sobre uma voragem”. E não está longe o momento da passagem do velho homem, embrutecido por seus desvalores e com a cabeça enterrada na areia das coisas celestes, para o homem que cria o sentido da terra, isto é, novos valores, todos terrenos: “E o grande sol meridiano da vida resplandecerá quando o homem se encontrar no meio do seu caminho entre o bruto e o super-homem e celebrar o seu crepúsculo como a sua maior esperança, já que o seu crepúsculo será o anúncio de nova aurora. O perituro então se abençoará a si mesmo, feliz de ser alguém que vai além: o sol do seu conhecimento resplandecerá de luz meridiana. “Todos qs deuses estão mortos: agora, queremos que viva o super-homem”. É bem verdade que “o povo e a glória giram em torno dos comediantes”, mas também é verdade que “o mundo gira em torno dos inventores de novos valores”. .
Assim como para Protágoras, também para Nietzsche o homem deve ser a medida de todas as coisas, deve criar novos valores e pô-los em prática. O homem embrutecido tem a espinha curvada diante das ilusões cruéis do sobrenatural. O super-homem “ama a vida” e “cria o sentido da terra”—e é fiel a isso. Aí está a sua vontade de poder.
“Deus já está morto! Oh, homens superiores, aquele Deus era o vosso perigo mais grave. Somente agora, que ele jaz em seu sepulcro, é que podeis vos dizer ressuscitados. Agora, está próximo o grande sol meridiano; somente agora o homem superior torna-se senhor! Compreendeis essas palavras, irmãos? Vós estais aterrorizados: atingiu-vos talvez a vertigem? Abre-se talvez diante de vós um abismo escancarado? Talvez o cão infernal ladra contra vós? Pois bem, erguei-vos, homens superiores! Agora, somente a montanha do futuro humano se agita nas dores do parto. Deus morreu: agora, nós queremos que viva o super-homem.” Assim falou Nietzsche-Zaratustra. [Reale]
Os mais cavilosos perguntam hoje: “Como pode o homem perdurar?” Zaratustra porém pergunta o que na verdade é a primeira e a única pergunta: “Como será ‘superado’ o homem?”
O super-homem preocupa-me, é para mim a ideia fixa, e “não” o homem, não o próximo, não o pobre, não o aflito, não o melhor.
Ó meus irmãos! o que posso amar no homem é ser ele uma transição, uma decadência. E também em vós há muitas coisas que me fazem amar e esperar.
Haveis desprezado, ó homens superiores!, e é isto o que me faz esperar, pois os grandes depreciadores são também os grandes veneradores.
Desesperastes, e isto constitui uma honra para vós, porque não aprendestes a vos render, nem tampouco aprendestes as pequenas prudencias. (…)
Superai, homens superiores, as pequenas virtudes, as pequenas prudencias, as considerações para com os grãos de areia, o formigueiro das formigas, a miserável satisfação de si mesmo, a “felicidade do maior número”!
E desesperai antes de vos render. E na verdade vos amo, porque não sabeis viver hoje, ó homens superiores! É assim que. . . viveis melhor!
(Also sprach Zarathustra, parte IV, Do homem superior, 3.)
A humanidade deve situar seu fim além de si mesma, não em um mundo-erro, mas na própria continuação de si mesma.
Nossa natureza é criar um ente superior a nós próprios. Criar acima de nós próprios! É esse o instinto da ação e da obra. Do mesmo modo que toda vontade supõe um fim, assim o homem supõe um ser que está presente, mas que representa o fim de toda sua existência. É essa a liberdade de toda vontade! No fim reside o amor, a veneração, a visão do perfeito, do desejo.
Encontrar a medida e o meio para aspirar o que se coloca além da humanidade: é preciso encontrar a espécie de homem mais alta e mais vigorosa. Representar constantemente a tendência superior nas coisas pequenas; a perfeição, a maturidade, a saúde florescente, a doce irradiação da força; trabalhar como um artista na obra diária, conduzir a tarefa a sua perfeição. Reconhecer a probidade no motivo, como corresponde o poderoso.
“O homem é algo que deve ser superado”; isso depende do tempo que se despende na marcha: os gregos eram admiráveis, não tinham pressa. Meus precursores: Heráclito, Empédocles, Spinoza, Goethe.
(Also sprach Zarathustra, Anotações póstumas, 43, 45, 55, 57.) [Nietzsche]