(gr. antilepsis; lat. perceptio; in. Perception; fr. Perception; al. Wahrnehmung, Perception; it. Percezioné).
Podemos distinguir três significados principais deste termo: 1) um significado generalíssimo, segundo o qual este termo designa qualquer atividade cognoscitiva em geral; 2) um significado mais restrito, segundo o qual designa o ato ou a função cognoscitiva à qual se apresenta um objeto real; 3) um significado específico ou técnico, segundo o qual esse termo designa uma operação determinada do homem em suas relações com o ambiente. No primeiro significado percepção não se distingue de pensamento. No segundo, é o conhecimento empírico, imediato, certo e exaustivo do objeto real. No terceiro significado é a interpretação dos estímulos. Só no âmbito deste último significado, podemos entender o que a psicologia hoje discute como “problema da percepção”.
1) No seu significado mais geral, o termo foi empregado por Telésio, segundo quem “a sensação é a percepção das ações das coisas, dos impulsos do ar e das mesmas paixões e mudanças, especialmente destas últimas” (De rer. nat, VII, 3). Esta doutrina abria polêmica contra a tese de que a sensação consiste simplesmente na ação das coisas ou na modificação do espírito. Telésio, porém, afirma que ela consiste na percepção de uma ou de outra. A mesma doutrina foi defendida por Bacon, que se reportava explicitamente à distinção de Telésio (De augm. scient., IV, 3). Descartes, por sua vez, empregava esse termo para indicar todos os atos cognitivos, que são passivos em relação ao objeto, em oposição aos atos da vontade, que são ativos (Pass. de l’âme, I, 17). Descartes dividiu-as em: percepção que se reportam aos objetos externos, as que se reportam ao corpo e as que se reportam à alma (Ibid., I, 23-25). Neste sentido geral, a palavra foi usada também por Locke: “A percepção é a primeira faculdade da alma exercida em torno das nossas ideias; por isso, é a primeira e mais simples ideia a que chegamos por meio da reflexão. (…) Na percepção pura e simples, o espírito geralmente é passivo, não podendo deixar de perceber o que em ato percebe” (Ensaio, II, 9,1). Da mesma maneira, Leibniz entende a percepção como o que a alma do homem e a alma do animal têm em comum, como “a expressão de muitas coisas em uma”, e distingue-a da apercepção ou pensamento pelo fato de esta última ser acompanhada pela reflexão (Nouv. ess., II, 9, 1; cf. Op., ed. Erdmann, pp. 438, 464, etc). Não é diferente o sentido geral que Kant atribui à palavra, quando dá nome de percepção à “representação com consciência”, distinguindo-a em sensação (se fizer referência apenas ao sujeito) e conhecimento (se for objetiva) (Crít. R. Pura, Dialética, Livro I, seç. 1). É bastante óbvio que percepção nesse sentido significa o mesmo que pensamento em geral; o próprio Locke notava esta identidade de significado, mesmo preferindo pessoalmente a palavra percepção, porque pensamento, em inglês, indica “a operação do espírito sobre as próprias ideias”, enquanto na percepção o espírito é geralmente passivo (Ensaio, II, 9, 1).
2) O segundo significado do termo é mais restrito; expressa o ato cognitivo objetivo, que apreende ou manifesta um objeto real determinado (físico ou mental). Este é o significado originário do termo, tal qual foi usado pelos estoicos como equivalente de compreensão (katalepsis); “Os estoicos definem a sensação deste modo: a sensação é percepção por meio do sensório ou da compreensão” (Aécio, Plac, IV, 8, 1; cf. Epicuro, Fr. 250; Plotino, Enn., VI, 7, 3, 29, etc). Cícero traduzia como perceptio o termo grego, tendo particularmente em vista o sentido de representação cataléptica (Acad., II, 6, 17; Definibus, III, 5, 17). Em sentido análogo, esse termo foi usado por S. Agostinho (De Trin., IV, 20) e por Tomás de Aquino; este último designava com ele “certo conhecimento experimental” (S. Th., I, q. 63, a. 5, ad 2). Essa palavra foi reintroduzida no uso filosófico por Telésio e Bacon (como já dissemos), e com eles seu significado começou a distinguir-se do de sensação. Mas foi só Descartes que estabeleceu o significado novo e mais complexo do termo. Falando das percepções externas, ele afirmava que, conquanto elas sejam produzidas por movimentos provenientes de coisas externas, “nós as relacionamos com as coisas que supomos ser suas causas, de tal maneira que acreditamos ver um archote e ouvir um sino quando apenas sentimos os movimentos que deles vêm” (Pass. de l’âme, I, 23). A partir de então a distinção entre sensação e percepção torna-se fundamental na teoria da percepção. Essa distinção é expressa por C. Bonnet (Essai analytique sur les facultes de l’âme, 1759, XIV, 195-96) e pela escola escocesa do senso comum, especialmente por Reid (Inquiry into the Human Mind, 1764, VI, 2)). Em virtude dela, a sensação é reduzida à ideia simples de Locke: a uma unidade elementar produzida diretamente no sujeito pela ação causal do objeto. A percepção, por outro lado, torna-se um ato complexo que inclui uma multiplicidade de sensações, presentes e passadas, e também a sua referência ao objeto, ou seja, um ato judicativo. Identificando percepção e intuição empírica, que é o conhecimento objetivo, o resultado da atividade judicante exercida sobre o multíplice sensível, Kant (.Prol., § 10) já considerara incluído na percepção o ato judicativo. A presença de um juízo na percepção torna-se tema comum na filosofia do séc. XIX. Hegel levava essa tese ao extremo quando considerava a percepção (e a coisa que é seu objeto) como um produto do Universal (da Consciência ou do Pensamento): “Para nós ou em sisi mesmo, o Universal, como princípio, é a essência da percepção, e em face dessa abstração o que percebe e o que é percebido são o não-essencial” (Phänomen. des Geistes, I, Consciência II, trad. it., I, p. 97). Mas à parte essa tese extremista (que no entanto foi repetida até há pouco tempo pelas escolas idealistas), a distinção entre sensação e percepção e o reconhecimento do caráter ativo ou judicativo da percepção tiveram como base a sua referência ao objeto externo. Foi o que fizeram Hamilton, que se inspirava na doutrina da escola escocesa (Lectures on Metaphysics, 5a ed., 1870, II, pp. 129 ss.), e Spencer, que muito contribuiu para difundir esse ponto de vista (Principles of Psychology, 1855, § 353). Bolzano (Wissenschaftslehre, 1837, I, p. l6l), Brentano (Psychologie vom empirischen Standpunkte, 1874,1, 3, § 1), Helmoltz (Die Tatsachen in der Wahmehmung, 1879, p. 36) enfatizaram a ação do pensamento ou do intelecto na percepção; Brentano identificava percepção e juízo ou crença (loc. cit). Em sentido semelhante, Husserl fazia a distinção entre percepção e outros atos intencionais da consciência, com base em sua característica de “apreender” o objeto (Ideen, I, § 37). Na percepção, a coisa mesma está presente em seu ser, assim como está presente na coisa o sujeito que percebe (cf. G. Brand, Welt, ich und Zeit, 1955, 3). É só aparentemente diferente a noção de Bergson da “percepção pura”. Bergson diz: “A percepção outra coisa não é senão uma seleção. Ela nada cria: sua tarefa é eliminar do conjunto das imagens todas as imagens sobre as quais eu não teria nenhuma pretensão e, depois, eliminar das imagens conservadas tudo o que não interessa às necessidades dessa imagem particular que denomino corpo” (Matière et mémoire, p. 235). Deste modo, a percepção delinearia, no interminável campo das imagens conservadas na consciência, o objeto destinado a servir às necessidades da ação e que delimita a ação possível do meu corpo. Mas, mesmo assim, a tarefa da percepção continua sendo apreender ou delinear um objeto.
O conceito de percepção ao qual essas doutrinas fazem referência é bastante uniforme: a percepção é o ato pelo qual a consciência “apreende” ou “situa” um objeto, e esse ato utiliza certo número de dados elementares de sensações. Este conceito, portanto, supõe: 1) a noção de consciência como atividade introspectiva e auto-reflexiva; 2) a noção do objeto percebido como entidade individual perfeitamente isolável e dada; 3) a noção de unidades elementares sensíveis. O abandono desses três pressupostos caracteriza a nova fase do problema da percepção, própria da psicologia e da filosofia contemporâneas.
3) Segundo o terceiro conceito, percepção outra coisa não é senão a interpretação dos estímulos, o reencontro ou a construção do significado deles. Essa definição é uma fórmula simplificada e genérica para expressar as características mais evidentes que as teorias psicológicas contemporâneas atribuem à percepção; F. H. Allport enumerou (e analisou criticamente) treze dessas teorias (Theories of Perception and the Concept of Structure, 1955). No entanto, é preciso observar que, por terem sido quase todas elas propostas por psicólogos pesquisadores que as formularam como generalizações experimentais, raramente representam alternativas que se excluam mutuamente, mas na maioria das vezes só evidenciam ou consideram fatores ou condições fundamentais que certa ordem de investigações trouxe à tona. Apesar disso é possível distinguir dois grupos de teorias: a) as que insistem na importância dos fatores e das condições objetivas; b) as que insistem na importância dos fatores e das condições subjetivas.
a) Ao primeiro grupo de teorias pertence, em primeiro lugar, a psicologia da forma (Gestalttheorie), que é substancialmente uma teoria da percepção. O gestaltismo inicia-se com a obra de Max Wertheimer sobre a percepção do movimento (1912) e tem como outros expoentes Wolfgang Köhler (Gestalt Psychcology, 1929) e Kurt Koffka (Beiträge Zur Psychologie der Gestalt, 1919). Seu objetivo é opor-se aos pressupostos 2 e 3 da concepção tradicional de percepção. Mostrou, em primeiro lugar, que não existem (a não ser como abstração artificial) sensações elementares que façam parte da composição de um objeto, e, em segundo lugar, que não existe um objeto de percepção como entidade isolada ou isolável. O que se percebe é uma totalidade que faz parte de uma totalidade. O gestaltismo dedicou-se a determinar as “leis” com base nas quais essas totalidades são constituídas, as “leis de organização”, que são: da proximidade, da semelhança, da direção, da boa forma, do destino comum, do fechamento, etc.; elas podem ser vistas em ação mesmo em experiências muito simples, como p. ex. as que revelam a tendência a agrupar numa única percepção sinais semelhantes ou suficientemente próximos, ou então constituam uma figura regular. A afirmação fundamental dessa teoria é que a percepção sempre se refere a uma totalidade, cujas partes, se consideradas separadamente, não apresentam as mesmas características: maiores simplicidade e clareza possíveis e maiores simetria e regularidade possíveis. Tais características por vezes levaram os gestaltistas a admitir a teoria do “todo determinante”, segundo a qual o todo transcende suas partes e as determina dinamicamente de acordo com suas próprias leis. Assim, o todo assemelha-se à “coisa” de que fala Husserl, a propósito da percepção transcendente, porquanto a essência da coisa integra em si e ao mesmo tempo transcende a totalidade de suas manifestações. Esta é a teoria da percepção substancialmente aceita em Phenoménologie de la perception (1945) de M. Merleau-Ponty. Importante variante dessa teoria é a do campo topológico de Lewin, segundo a qual o indivíduo, reduzido a um ponto sem dimensões, está submetido à ação das forças que agem no campo e que ele sente como alheias ao seu corpo. Nesta condição, o indivíduo é considerado em “locomoção”, isto é, como que movendo-se para uma meta positiva ou como afastando-se de uma meta negativa. O espaço em que ocorre esse movimento é o denominado “espaço de vida”, ou seja, a região onde o indivíduo tem experiência da sua ação, espaço que não tem propriedades métricas ou direções determinadas, sendo por isso topológico, no sentido de poder ter em qualquer momento qualquer dimensão ou forma geométrica, ainda que mantenha as propriedades que possibilitam o movimento (Lewin, Principles of Topological Psychology, 1936). Podem ser consideradas variantes dessa teoria: a de Hebb, para quem o campo perceptivo corresponde a um campo fisiológico, a um “mecanismo de ação neutra seletiva” que, para cada percepção particular, se situaria em algum ponto do sistema nervoso central (The Organization of Behavior, Nova York, 1949), e a teoria do “campo tônico-sensorial”, segundo a qual “as propriedades perceptivas de um objeto são função da maneira como os estímulos provenientes do objeto modificam o estado ‘tônico-sensorial’ existente do organismo” (Werner E Wapner, “Toward a General Theory of Perception” em Psychological Review, 1952, pp. 324-38). Todas as teorias aqui mencionadas, concentradas como estão nos conceitos de “totalidade” ou de “campo”, privilegiam de certo modo o aspecto objetivo da percepção.
b) Um segundo grupo de teorias tem em vista principalmente o aspecto subjetivo da percepção Para estas teorias, não é válido nem mesmo o 1o pressuposto da 2a concepção de percepção, o da consciência. Estas doutrinas com efeito não recorrem à noção de consciência nem à consideração introspectiva. Uma quantidade enorme de observações experimentais evidenciou a importância, para a percepção, do estado de preparação ou predisposição do sujeito, aquilo que geralmente se chama de “disposição” (set) perceptual. O fato fundamental é que estar disposto para certo estímulo e para certa reação a um estímulo facilita o ato de perceber e possibilita a sua realização com maior prontidão, energia ou intensidade. A disposição, em outras palavras, é um processo seletivo que determina preferências, prioridades, diferenças qualitativas ou quantitativas naquilo que se percebe; não é diferente do próprio processo perceptivo, nem é um mecanismo inato ou prefixado, mas um esquema variável aprendido ou construído, ainda que nem sempre voluntariamente (cf. o cap. 9 da obra citada de Allport). As mais recentes teorias da percepção levam em consideração esses fatos. Com base neles, a teoria transacional, p. ex., considera a percepção como uma transação, como um acontecimento que ocorre entre o organismo e o ambiente, e não pode portanto ser reduzido à ação do objeto ou do sujeito, nem à ação recíproca dos dois. Como transação, a natureza da percepção deriva da situação total em que está inserida e tem suas raízes tanto na experiência passada do indivíduo quanto em suas expectativas de futuro (Dewey E Bentley, Knowing and the Known, 1949; Cantril, Ames, Hastorf, Ittelson, “Psychology and Scientific Research”, em Science, 1949, pp. 461, 491, 517; Ittelson E Cantil, Perception: a Transactional Approach, 1954). Desse ponto de vista, é fácil evidenciar o caráter ativo e seletivo da percepção, o fato de ela valer-se de indícios com base nos quais reconstrói o significado do objeto e, também sua outra característica fundamental, que é o fato de ser constituída de probabilidades, e não de certezas. Essas características são apresentadas pelo funcionalismo, chamado de “New Look” da teoria da percepção, e levaram à teoria da motivação e à teoria das hipóteses. A primeira, que é chamada também de teoria do “estado diretivo”, funda-se no reconhecimento da influência que as necessidades físicas, as expectativas do indivíduo (p. ex., um castigo ou um prêmio) e a sua personalidade exercem sobre o objeto percebido e sobre a rapidez e a intensidade da percepção (Bruner E Krech, Perception and Personality, a Symposium, Durham, 1950). Na segunda teoria, confluem todos os dados experimentais em que se fundamentaram as teorias do presente grupo e boa parte dos dados experimentais em que se fundamentavam as teorias do primeiro grupo. A ideia fundamental da teoria da hipótese é que as percepções (aliás, assim como a lembrança ou o pensamento) constituem hipóteses que o organismo aventa em determinadas situações e que são confirmadas, abandonadas ou modificadas de acordo com essa situação. A disposição (set), da qual falava uma das teorias, é justamente a preparação para uma hipótese desse gênero. A disposição constitui a expectativa perceptual, que se baseia na experiência precedente e antecipa a futura. Em geral, na percepção, as disposições são estabelecidas desde muito tempo, através da atividade perceptiva anterior, e pode estar pronta para entrar em ação quando o organismo ingressa em dada situação. Através dela, o organismo escolhe, organiza e transforma as “informações” que lhe chegam do ambiente. Essas informações são indícios ou sinalizações que servem para “evocar” a hipótese ou para confirmá-la ou desmenti-la. As principais correlações funcionais entre as variáveis que a teoria comporta são as seguintes: I) Quanto mais forte é a hipótese, tanto maior é a probabilidade da sua evocação e tanto menor a soma de indícios necessária para confirmá-la. Disso resulta que, quando a hipótese é fraca, para a sua confirmação é necessária uma enorme quantidade de informações apropriadas. II) Quanto mais forte é a hipótese, tanto maior é a soma de indícios necessária para invalidá-la; e quanto mais fraca a hipótese, tanto menor é a quantidade de indícios contrários necessários para invalidá-la (cf. o art. de L. Postman, em Social Psychology at the Crossroads, org. Rohrer E Sherif, Nova York, 1951; e Allport, op cit., cap. 15). O que essa teoria faz é resumir, de forma menos dogmática, tanto os dados experimentais recolhidos por um expressivo número de observadores quanto as características essenciais atribuídas à percepção pelas doutrinas contemporâneas da psicologia, a partir da Gestalttheorie.
Essas características podem ser recapitula-das da seguinte maneira: 1) a percepção não é o conhecimento exaustivo e total do objeto, como julgavam as teorias do número 2, e sim uma interpretação provisória e incompleta, fundamentada em indícios ou sinalizações. 2) A percepção não implica nenhuma garantia .de validade, nenhuma certeza; mantém-se na esfera do provável. 3) Como qualquer conhecimento provável, para ser validada, a percepção precisa ser submetida à prova, sendo então confirmada ou rejeitada. 4) A percepção não é um conhecimento perfeito e imutável, mas possui a característica da corrigibilidade. [Abbagnano]
A representação de um objeto real. — Contrapõe-se à imagem, que é a representação de um objeto irreal. Se analisarmos a natureza de nossas percepções, vemos que compreendem um elemento afetivo (uma sensação), um sentimento de exterioridade, e finalmente um elemento do conhecimento que nos permite nomear, determinar o objeto. Se consideramos o objeto da percepção, podemos distinguir as percepções externas de um objeto fora de nós e as percepções internas de um estado de sujeito; e entre esses dois tipos de percepções (externas e internas) situam-se as percepções proprioceptivas, que se relacionam com nosso corpo. Se consideramos a gênese das percepções, podemos distinguir as percepções adquiridas (por exemplo, discernir pela vista se uma superfície é lisa ou rugosa) e as percepções naturais (as diferenças de cor, por exemplo). Os filósofos e psicólogos do século XVIII contrapunham de bom grado a “percepção” (que é a representação de um objeto preciso) e a “sensação” (que é indefinível). A teoria moderna da forma, ou Gestalttheorie, suprimiu esta oposição descobrindo que a percepção não é um “composto” de sensações elementares, mas sim uma sensação global: “Não percebemos de início as folhas, depois a árvore; não ouvimos inicialmente as notas, depois a melodia; é o conjunto da árvore ou da melodia que é inicialmente percebido; e é nele que aprendemos a distinguir folhas ou notas” (Guillaume). A percepção é então a apreensão imediata de “estruturas” na realidade. Os psicólogos modernos (Merleau-Ponty, por exemplo) contrapõem a “percepção” natural à “representação”, que implica na análise e na reflexão. Finalmente, se consideramos as condições da percepção, devemos reconhecer que só percebemos o que nos interessa. É o que se denomina “lei do interesse”. Nesse sentido, a percepção está ligada à ação: “Perceber-se uma poltrona, escreve Janet, é preparar-se para sentar nela”. Em suma, se a percepção é o ponto de partida de nosso conhecimento do mundo, é também o instrumento da nossa ação sobre ele. (V. teoria da forma, imagem.) [Larousse]
É a apreensão sensorial global de um complexo de dados sensíveis. (Considerada em oposição á impressão sensorial pura, toma o aspecto de uma apercepção). Na velha psicologia “atomista” foi interpretada como um produto composto, a modo de mosaico, de “sensações simples elementares” precedentemente formadas, ao passo que, segundo os modernos pontos de vista relativos à totalidade psicológica, a percepção é o “ato primitivo” propriamente dito do conhecimento sensorial, que em seguida decompomos em seus elementos. Na construção da imagem perceptiva podem cooperar, juntamente com as impressões procedentes do objeto sensível, fatores subjetivos de várias espécies: complexos representativos associados, esquemas antecipadores e distribuição da atenção, os quais realizam uma como que seleção entre as partes do todo que se devem considerar. Tais fatores e, no homem, os fatores intelectuais de fixação e interpretação de sentido, que se unem às funções sensoriais, convertem a impressão sensorial numa apercepção ou apreensão. Mas a consequência deste “a priori psicológico” não é necessariamente uma percepção enganadora (representação), mas, antes, acima de tudo, uma “focalização” daquilo que no complexo concreto tem importância para o sujeito. Enquanto na apreensão humana do mundo dos sentidos se combinam o intelectual e a percepção sensorial, esta amplia-se até se tornar percepção de coisas, na qual fazemos os objetos presentes a nós, como substâncias existentes em si. (Por isso, a terminologia escolástica fala da substancialidade das coisas sensíveis como de um “sensibile per accidens”). No que tange às propriedades que fundamentam a “impressão de realidade” da percepção e a distinguem da mera representação. — representação; sobre a apreensão da totalidade na percepção, — forma. Willwoll [Brugger]
O termo percepção alude primeiramente a uma apreensão; quando esta afeta realidades mentais fala-se da apreensão de noções. A percepção implica, pois, algo distinto da sensação, mas também da intuição intelectual a qual, como se estivesse situada no meio equidistante dos dois atos. Por isso se definiu a percepção como a “apreensão direta de uma situação objetiva”, o que supõe a supressão de atos intermédios, mas também a apresentação de um objetivo como algo por sisi mesmo estruturado.. Este sentido dizia Locke que a percepção é um ato próprio do pensamento de tal modo que a percepção e a posse de ideias é uma e a mesma coisa (ENSAIOS). Leibniz distinguiu entre apercepção e a percepção ou consciência da primeira e define a percepção como “um estado passageiro que compreende e representa uma multiplicidade na unidade ou na substância simples”. Para Kant, a percepção é a consciência empírica, isto é, “uma consciência acompanhada por sensações”. Apesar de todas estas diferenças, é caraterístico de quase todas as doutrinas modernas e contemporâneas acerca da percepção o fato de situá-la sempre no mencionado território intermédio entre o puro pensar e o puro sentir, bem como o sujeito e o objeto.. O lugar mais ou menos aproximado de cada uma destes termos que se outorga à percepção dará a diferença de matizes entre o idealismo e o realismo. Por exemplo, para Descartes e Espinosa, a percepção é sobretudo um ato intelectual; esta concepção levou muitas vezes a uma distinção rigorosa entre percepção e sensação mesmo que se considere a primeiros como apreensão de objetos sensíveis. Esta distinção manteve-se na maior parte das tendências da psicologia moderna mesmo quando se considera que a percepção já não é exclusivamente um ato da inteligência, mas uma apreensão psíquica tal em que intervêm sensações, representações e inclusive juízos num ato único que só pode decompor-se mediante a análise. Outra questão muito debatida foi a do caráter mediato ou imediato da percepção: o realismo inclinou-se geralmente para defender a imediatez; o realismo, em contrapartida, tende a afirmar que há algo mediato. Há certa afinidade entre as teorias idealizadas e as teorias fenomenistas da percepção. Ambas são a favor da ideia que a percepção não é algo imediato, os fenomenistas, por exemplo, defendem que quando alguém vê o objeto, vê a aparência de um objeto – ou, se quiser, vê o objeto enquanto aparência -, mas não vê propriamente o objeto. Em contrapartida, os realizadas defendem que quando alguém vê o objeto este aparece sem que haja diferença entre a aparência e o objeto. Os idealistas, por seu lado, defendem que a mediação entre o objeto e a aparência consiste no pensamento, na reflexão, etc, o que os fenomenistas não aceitam. Na sua análise da matéria e da memória, Bergson não entende simplesmente a percepção como apreensão da realidade por um sujeito A noção de percepção dá origem a duas concepções diferentes:
1) para a ciência, onde há um sistema de imagens sem centro, e a percepção só pode ser explicada mediante o suposto de uma consciência concebida como epifenômeno;
2) para a consciência, a percepção representa uma harmonia entre a realidade e o espírito. Daí as doutrinas opostas do idealismo e do realismo que têm como fundamento comum o suposto gratuito de que percepção é só um conhecimento. Para Bergson, em contrapartida, a percepção é primeiramente ação. O problema da percepção foi examinado em pormenor por muitos dos chamados neo-realistas ingleses. Estes filósofos não são propriamente realistas porque não admitem a tese da imediatez na percepção, mas também não são idealistas, porque não fazem intervir o pensamento ou a reflexão como termos mediadores; a sua posição aproxima-se mais, neste aspecto, do fenomenismo… Os neo-realizadas tendem a considerar os atos de percepção e as percepções como acontecimentos de tal modo que no caso do ato do ato da percepção pode falar-se de “acontecimentos percipientes”. Alguns deles consideram as suas teorias da percepção como uma fenomenologia da percepção não só diferente de um simples exame dos dados psicológicos e neurofisiológicos, mas também de uma metafísica da percepção.
Partido de supostos muito diferentes, a fenomenologia ocupou-se também da percepção procurando descrever em que é que consistem os atos perceptivos. Husserl falou de uma percepção interna e de outra externa e, mais fecundamente, de uma percepção sensível, quando apreende um objeto real, e categorial, quando apreende um objeto ideal. A fenomenologia da percepção tem uma base psicológica, mas um propósito ontológico.. A análise fenomenológica da percepção mostra-nos que há nela uma síntese de índole prática, a qual é possível porque percebeu no mundo a forma de diversas relações entre os elementos da percepção. Os indivíduos captam estas formas de acordo com as suas situações no mundo. A percepção não é nem uma sensação considerada como inteiramente individual-subjectiva, nem um ato da inteligência: é aquilo que vincula uma à outra na unidade da situação. Em resumo, esta doutrina pode reduzir-se a três pontos:
1) a percepção é uma modalidade original da consciência; o mundo percebido não é um mundo de objetos como aquele que a ciência concebe; no percebido não há senão matéria, mas também forma; o sujeito que percebe não interpreta ou decifra um mundo supostamente caótico; qualquer percepção se apresenta dentro de determinados horizontes e no mundo;
2) Esta concepção da percepção não é só psicológica; ao mundo percebido não se pode sobrepor um mundo de ideias; a certeza da ideia não se funda na da percepção, mas assenta nela; O mundo percebido é um fundo sempre pressuposto por qualquer racionalidade, valor e existência. [Ferrater]
Procura a psicologia saber como, no adulto, se forma a representação do mundo exterior; que elementos entram para a formação dessa noção, que é bastante complexa. Para o metafísico, o problema é colocado doutra maneira. Ele pergunta primeiramente pela legalidade do problema, se se pode afirmar a existência de uma realidade distinta do pensamento (realismo), ou se toda realidade não se reduz ao próprio pensamento (idealismo). Se se colocar no primeiro caso, emite hipótese sobre essa realidade. Nesse caso é apresentada como formada por átomos, como na filosofia de Demócrito, de Epicuro e de Lucrécio, ou é apenas o espaço geométrico como em Descartes, ou de forças semelhantes à nossa atividade como Leibniz, ou os “reais” de Herbart, a “vontade” de Schopenhauer, etc. Mas essa colocação do problema não é da psicologia.
Para o homem comum, não há o problema da existência do mundo exterior, porque ele confunde as sensações com as percepções. Nossos sentidos recebem excitações exteriores, têm sensações brutas, as quais mais tarde são transformadas em percepções. A percepção é um produto psicológico de formação secundária, e nasce e se desenvolve com o concomitante desenvolvimento da personalidade do homem. As excitações exteriores provocam-nos sensações brutais, diversas, díspares, sem ordem, mas a percepção já é o resultado de um trabalho de ordenação das sensações.
Uma série de dificuldades são despertadas pelo problema da percepção exterior:
a) A representação que temos do mundo exterior envolve sempre a noção da extensão. É o que nos oferecem a visão, o tato, as sensações cenestésicas e que colocam o problema da noção do espaço;
b) Ante o mundo exterior não temos apenas uma noção confusa das coisas que o compõem, mas vemos que elas se delineiam, se focalizam, se distinguem, se fragmentam. Nós as separamos e as agrupamos para formar a noção de um objeto qualquer, uma árvore, um animal. Na formação da noção de objeto há duas funções: uma de desassociação, pois o separamos, fragmentamos o ambiente; e outra de associação, pois concentramos, juntamos para formá-lo.
c) Esses objetos são grupos de sensações estáveis e os consideramos como existentes fora de nós, embora os conheçamos apenas através de nossas sensações e só saibamos deles o que a nossa consciência nos revela. Surgem alguns problemas da psicologia tais como: 1) por que acreditamos na existência do mundo exterior e não afirmamos antes, como já o fizeram muitos, que é apenas uma ilusão dos sentidos ou alucinação?; 2) como se formou em nós a crença na existência do mundo exterior? Quais os meios que dispomos para chegar a uma conclusão neste ponto, e poderemos afirmar alguma coisa como verdadeira por entre o que poderia ser alucinação? [MFSDIC]