(gr. zoe, bios; lat. vita; in. Life; fr. Vie; al. Leben; it. Vita).
Característica que têm certos fenômenos de se produzirem ou se regerem por si mesmos, ou a totalidade de tais fenômenos. Essa caracterização é aqui dada apenas por ser aquela em torno da qual é mais amplo o acordo entre filósofos e cientistas, e a título puramente descritivo, sem que o reconhecimento de uma característica própria dos fenômenos da vida implique o reconhecimento de um princípio ou de uma causa em si desses fenômenos. Veremos, aliás, que em certos níveis de vida a própria distinção entre o que é vida e o que não o é torna-se muito difícil ou perde sentido. A disputa entre vitalismo e antivitalismo não concerne ao problema da caracterização da vida, mas ao da origem e do desenvolvimento da vida; quanto a esse problema, v. vitalismo.
Desde a Antiguidade os fenômenos da vida têm sido caracterizados com base em sua capacidade de autoprodução, vale dizer, com base na espontaneidade com que os seres vivos se movem, se nutrem, crescem, se reproduzem e morrem, de um modo que, pelo menos aparente e relativamente, não depende das coisas externas. Platão identificava alma e vida (Fed., 105 c), porque considerava própria da alma a capacidade de “mover-se por si” (Fed., 245 c). Aristóteles entendia por vida “a nutrição, o crescimento e a destruição que se originam por si mesmos” (Dean., II, I, 412 a 13), e consequentemente considerava que a vida é própria dos seres animais, pois estes “possuem em si mesmos uma potência ou um princípio tal que sofrem aumento ou diminuição nas direções opostas” (Ibid., II 413 a 27). Com base no mesmo conceito de vida, Plotino afirmava que “toda vida é pensamento” e que o pensamento “vive por si mesmo” (Enn., III, 8, 8). Tomás de Aquino afirmava que vida significa “a substância à qual convém por natureza mover-se ou conduzir-se espontaneamente e de qualquer modo à ação” (S. Th., I, q. 18, a. 2); portanto, a alma é seu princípio (Ibid., I, q. 75, a. 1).
Quando, com Descartes e Hobbes, surgiu o conceito mecanicista da vida e começou-se a comparar o homem e, em geral, o organismo vivo a uma máquina bem montada, o conceito de vida não mudou, visto que a hipótese mecanicista era inspirada aos filósofos exatamente pela crença de que “os autômatos podem mover-se por si” (Descartes, Traité de l’homme, p. I; Hobbes, Leviath, I, Intr.). O que se negava neste caso era a identidade entre alma e vida: assim, considerava-se possível que a mesma matéria corpórea, em certas formas de organização, teria condições de mover-se ou de desenvolver-se por si. A disputa entre vitalismo e mecanicismo (v. vitalismo) versa sobre o seguinte: o mecanicismo afirma que a vida é devida a certa organização físico-química da matéria corpórea, enquanto o vitalismo considera que essa organização não é suficiente, e que a vida depende de um princípio de natureza espiritual, que é, p. ex., a archeus de Helmont, a natureza plástica de Cudworth, o dominante de Reinke, a enteléquia de Driesch, o elã vital de Bergson.
Leibniz objetava ao mecanicismo e ao vitalismo que ambos contradizem o “grande princípio da física”, segundo o qual “um corpo só se move se impelido por um corpo vizinho e em movimento”; considerava que a única teoria da vida compatível com esse princípio é a da harmonia preestabelecida, segundo a qual a vida consiste na concordância da ação das substâncias, preestabelecida por Deus (Sur le príncipe de vie, 1705, em Op., ed. Erdmann, pp. 429 ss.). O conceito da vida como auto-regulação parece ser simplesmente pressuposto tanto por aquela disputa quanto pela observação de Leibniz. E também por Kant, quando este afirma que “a vida é a capacidade de atuar segundo a faculdade de desejar”, entendendo por faculdade de desejar “a faculdade de, por meio das representações, ser causa dos objetos dessas representações” (Crít. R. Prática, Pref, anotação; Anfangsgrunde der Naturwissenschaft, III, teor. 3, anotação). O conceito de vida como auto-regulação também era pressuposto por Schelling, para quem a diferença entre o orgânico e o inorgânico consiste no fato de que o orgânico tem em si sua própria organização ou sua própria forma de vida, enquanto o inorgânico é privado dela e faz parte de uma organização mais ampla, que é a vida da natureza em seu conjunto (Werke, I, III, pp. 89 ss.). Em sentido análogo, Hegel identificava a vida com “o princípio que dá início e movimento a si mesmo” (Wissenschaft der Logik, ed. Glockner, II, p. 250), ou, em outros termos, com “o todo que se desenvolve, resolve seu desenvolvimento e mantém-se simples nesse movimento” (Phänomen. des Geistes, I, IV, 1). Por outro lado, Claude Bernard escrevia: “As máquinas vivas são criadas e construídas de tal modo que, ao se aperfeiçoarem, vão-se tornando mais livres no ambiente cósmico geral. (…) A máquina viva mantém-se em movimento porque o mecanismo interno do organismo repara, por meio de ações e forças sempre renascentes, as perdas constituídas pelo exercício das funções. As máquinas criadas pela inteligência do homem, embora infinitamente mais rudimentares, não são construídas de outra forma” (Intr. à l’étude de la medicine expérimentale, II, 1,8). Finalmente, é preciso notar que o elã vital, em que Bergson reconheceu a fonte da vida, outra coisa não é senão consciência, e consciência criadora, que extrai de si mesma tudo o que produz. Bergson diz: “O elã de vida de que falamos consiste numa exigência de criação. Não pode criar de modo absoluto porque encontra diante de si a matéria, ou seja, o movimento que é o inverso do seu ponto. Mas ele se apodera dessa matéria, que é a própria necessidade e tende a nela introduzir a maior soma possível de ^determinação e liberdade” (Évol. créatr., 8a ed., 1911, p. 273). Parece ter o mesmo significado a expressão de Whitehead, de que a vida é “autofruição individual e absoluta” (Nature and Life, 1934, II).
Por outro lado, parece que a própria ciência recorre a uma caracterização nada muito diferente dos fenômenos vitais, embora, como é óbvio, evite hipostasiar em entidades ou princípios essa caracterização. Os fenômenos que a ciência considera próprios da vida (metabolismo, plasticidade, reatividade, reprodução) são justamente aqueles em que é evidente o caráter de uma auto-regulação. Quando J. B. S. Haldane afirma que se pode considerar vivo “qualquer modelo de reação química capaz de autoperpetuar-se” (“The origin of Life”, em Rationalist Annual, 1928, pp. 148-53), está apenas expressando, com outras palavras, o velho conceito da auto-regulação, ao qual recorrem também, embora de modo indireto ou com expressões ambíguas ou disfarçadas (como “totalidade”, “ciclicidade”, “autonomia”, “seletividade”, etc), inclusive os cientistas de nítida inspiração materialista.
Mas, apesar de serem quase unânimes as opiniões em torno do conceito de auto-regulação, este dificilmente poderia ser considerado uma caracterização suficiente dos fenômenos vitais em todos casos. Por um lado, realmente, em certos extremos da escala biológica (p. ex., para os vírus), não é possível afirmar que se trate de corpos vivos ou não. Em vista disso, já houve quem considerasse sem sentido o uso da palavra vida para referir-se aos sistemas situados na zona limítrofe, entre a vida e a matéria inorgânica (N. W. Pirie, The Meaninglessness of the Terms “Life” and “Living”, em J. Needham e D. R. Green, Perspectives in Biochemistry, 1937, pp. 21 ss.).
Por outro lado, a teleonomia, atribuída aos organismos vivos e interpretada como atividade orientada, coerente e construtitiva, não impede que a biologia moderna (baseada sobretudo na genética e na bioquímica) considere os seres vivos como máquinas químicas, dotadas de unidade funcional e capaz de autoconstruir-se. Essas máquinas exigem a intervenção de um sistema cibernético que governe e controle a atividade química nos pontos estratégicos. Embora hoje estejamos distantes do dia em que a estrutura dos sistemas que constituem os organismos superiores será totalmente esclarecida, a tendência da ciência moderna nas pesquisas biológicas continua sendo marcada pela cibernética e pela bioquímica (cf., p. ex., Monod, Le hasard et la necessite, 1970, cap. II). [Abbagnano]
O conjunto de fenômenos (reprodução, morte dos indivíduos) que caracterizam os organismos. — Os sábios esforçaram-se por determinar os sinais que permitem distinguir a vida da matéria: 1.° acreditou-se inicialmente que era o “movimento” (como se classificaria então as esponjas e o Gorai?); 2.° pensou-se que o vivo “assimila e desassimila”, que se nutre, em suma; ora, os vegetais absorvem oxigênio e sais minerais e rejeitam gás carbônico; 3.° o vivo se caracterizaria então pela “reprodução”: ora, descobriu-se em 1930 os vírus proteínicos (e, de maneira geral, todos os cristais), que se reproduzem e cristalizam como minerais. Em conclusão, não há características verdadeiramente específicas da vida: existe uma certa espontaneidade, ou “elã vital” (Bergson), que certos filósofos ligaram à “energia” geral que se encontra no fundo de todos os movimentos do universo (Leibniz, Bergson no início de A evolução criadora). Claude Bernard tentou “isolar” o vital do físico-químico, suspendendo uma a uma todas as funções mecânicas e físico-químicas de um organismo (por vivissecção praticada em cães): tirou daí a ideia de que a vida só pode se caracterizar por uma “ideia diretora” que parece presidir ao desenvolvimento e à conservação dos seres. Concluir-se-á disso que a vida parece absolutamente irredutível à matéria (nenhum sábio jamais reconstruiu publicamente a vida a partir da matéria, e as experiências “in-verificadas” de Mitchurine conservam mais um caráter publicitário e político que científico. Mitchurine teria querido “provar” a verdade do materialismo dialético, dar bases científicas ao marxismo). É também a razão pela qual nossa inteligência “adaptada à matéria” (Bergson) não consegue adquirir um “conhecimento da vida”. A vida é mais uma prova do que um objeto de conhecimento, um objeto de intuição (a intuição de um “elã criador”, dizia Bergson) ou, como sublinharam os românticos, uma totalidade que só o sentimento nos pode permitir apreender. Do ponto de vista psicológico, o homem só pode ter o sentimento de viver por ocasião de uma atividade criadora (arte, ciência, jogo, trabalho, ação eficaz etc.) e, mais particularmente ainda, quando experimenta, no trabalho, sua solidariedade com os outros homens. Nesse nível, a noção da vida identifica-se com a consciência de viver, isto é, com a noção filosófica de existência. (V. existência.) [Larousse]
Significa primariamente (1), como atividade vital, uma ação interna “para dentro, imanente” (actio immanens), em oposição à ação externa “para fora, transeunte” dirigida unicamente a produzir ou modificar outras, coisas (actio transiens), que convém igualmente aos seres inanimados. Onde a atividade vital não é dada juntamente com a essência, mas é efeito, ora intenso ora frouxo, de forças que em si denotam só capacidade de operar (potência), a potência para a ação imanente denomina-se também vida (2). A vida (1) manifesta-se na natureza exterior, no brotar, crescer, verdecer, florir, frutificar das plantas; no crescer, multiplicar-se e mover-se próprio dos animais, bem como na evolução das espécies para além dos organismos individuais, evolução essa que produz continuamente novas formas no transcurso dos séculos. Vista desde o interior, a vida aparece-nos na vivência pessoal, no ver, sentir, apetecer conscientes, cuja força certamente depende do vigor e energia dos órgãos corporais. Em ambos os casos a vida se apresenta como devir contínuo, como um desdobrar-se de dentro para fora inesgotavelmente multiforme, em oposição à rigidez e uniformidade dos corpos inanimados, especialmente das máquinas.
Pelo que, compreende-se até certo ponto que à filosofia da vida, a vida apareça como força misteriosa e criadora que desde os tempos primitivos se derrama por sobre o mundo, força que, como essencialmente irracional, se subtrai à determinação conceptual, mas que, em todo caso, se contrapõe, como devir constante, à imutabilidade do ser. O espírito é, então, concebido como a última fase evolutiva da vida ligada ao corpo ou como inimigo da vida, que a violenta com seus rígidos conceitos e só é apto para ordenar de maneira mecânica e uniforme.
Não obstante, esta concepção estriba em graves equívocos. Decerto, a vida vegetativa das plantas, precisamente por ser ação imanente (interna, “para dentro”) é já essencialmente superior à ação mecânica dos corpos inorgânicos; mas sua interioridade (imanência) depende da absorção de matéria vinda do exterior (alimento) e, na geração, visa também, em última instância, produzir outros seres viventes; sua riqueza limita-se, em qualquer espécie, a possibilidades de permuta estreitamente circunscritas, sua força esgota-se, murchando e perecendo. A semelhantes limitações está igualmente sujeita a vida sensitiva, embora mediante a consciência que desperta, se bem que surdamente, supere, de modo essencial, em interioridade a pura vida vegetativa. Contudo, toda vida vegetativo-sensitiva, como orgânica, isto é, como vida ligada a órgãos corporais, comparada com a interioridade (imanência) do espírito isento de matéria, deve justamente qualificar-se, como vida exteriorizada, pois que se desenrola sempre num exterior espácio-temporal. Em face da riqueza desta vida, tal como se manifesta nas múltiplas formas interiores e exteriores da humana cultura, a vida orgânica não só no indivíduo, como também no conjunto, da natureza, é outrossim, apesar de sua plenitude, uma vida indigente, escassa. A aparência contrária, só pôde provir de que, de acordo com a mentalidade de um árido racionalismo, o espírito era só conhecido como entendimento calculador e esquematizante, passando em claro sua profundeza essencial, sua amplitude que abarca todo ser, sua receptividade valorativa aberta a todo bem, sua autodeterminação perante todos os valores limitados e, acima de tudo, sua imortalidade. Contudo, toda nossa vida espiritual, como em geral toda vida criatural, é automovimen-lo, isto é, operação imanente que conduz a uma modificação, a um aperfeiçoamento do próprio ser; assim, a imutabilidade aparece-nos incompatível com a verdadeira vida. Não obstante, precisamente porque Deus é a própria vida e, consequentemente, infinita plenitude vital, devemos conceber a vida divina como vida imutável, não evidentemente à maneira da rigidez de uma pedra, senão como ação vital eternamente nova, e eternamente se bastando a si mesma. A necessidade de progresso e, portanto, de modificação em nossa vida, estriba unicamente em que sempre nos falta algo da plenitude da vida; e a modificação significa, ao mesmo tempo, uma dependência da vida a respeito de fontes externas, portanto uma minoração da pura interioridade (imanência) da vida.
Dado que a vida vegetal é já, por essência, superior a toda ação dos corpos inorgânicos dirigida exclusivamente para fora, não pode ela ser explicada só pelas forças da matéria, mas pressupõe um princípio vital, de algum modo, imaterial. Pelo que, tampouco ó possível compreender a origem da vida pelas forças da matéria, mas só pela intervenção imediata do Criador da natureza; de modo idêntico, os graus essencialmente mais elevados da vida não podem ser derivados causalmente só dos graus que sempre são inferiores, especialmente a vida espiritual não pode provir da orgânica. — Sobre o sentido da vida humana, vide homem. — De Vries. [Brugger]
Chamamos “vida” a uma multiplicidade de forças unidas por um mesmo processo de nutrição. A este processo de nutrição, como meio de sua possibilidade, correspondem os chamados sentimentos, imaginação, pensamentos etc.: 1) uma resistência a todas as demais forças; 2) um pôr em ordem estas forças segundo a forma e o ritmo; 3) um avaliar referente à incorporação ou à separação.
(Vontade de Poder, 641.)
A vida não é adaptação de condições internas ou externas, mas vontade de poder, que, partindo do interior, submete e incorpora a si uma quantidade de “exterior” sempre crescente.
(Vontade de Poder, 681.) [Nietzsche]