Assim, portanto, talvez se dê o caso de, em qualquer mundo trans-objetivo, também não haver diálogo. Mas o ator que agora entra em cena tudo transformou, dizendo o que esse mundo é e falando do que nele existe. Temos outro monólogo, que é o «ditado» de um deus aos homens que, então, não só se reconhecem como libertos de, mas também livres para. Todos livres para livremente dançar os traços característicos de outro mundo, o novo homem, o que veio a instalar-se na trans-objetividade, o que no trans-objetivo agora tem sua morada, aquele em que trans-objetivo se tomou, sabendo que o «afazer» já não lhe compete, porque tanto ele, que habita nesse mundo, quanto esse mundo que lhe dá abrigo e conforto surgiram, sem o esforço do trabalho, das gestas dos deuses, consignadas em mitos que ainda não chegaram a ser «mitos». Talvez se deva aventar aqui, e em consequência do que precede, a hipótese plausível de que a trans-objetividade ainda seja, de certo modo, objetividade. Só que esta já não é a do «homem só humano»: o «de certo modo» objetivo na trans-objetividade pertence à objetividade da ação de um deus ou dos deuses. Daí que, para os entes desta objetividade superior, que, manifestamente, é constituída de símbolos, tão fácil seja o degenerarem eles em «coisas»: basta que o homem, distraído na contemplação da obra inoperada dos deuses, [126] se «ex-centre», isto é, que se olvide daquele que agora está no centro. Na trans-objetividade, o homem, já não-só-humano, é excêntrico, em todos os sentidos da palavra. Nada pode tão facilmente tangenciar o cômico quanto o comportamento do homem transferido para a trans-objetividade, do ponto de vista de quem não quer ou não pode sair da subjetividade objetivante. É, por exemplo, o ridículo aspecto que assume o procedimento de dois amantes, aos olhos de quem «está por fora», do que seja amor. E os atos do drama ritual, submetidos à observação atenta de quem nunca os frequentou? Não se torna risível, por insólita, toda a manipulação de símbolos, para quem só conhece e reconhece a validez das «coisas»? Como susterá o riso quem assista, inteiramente por fora, à solenidade de gestos e palavras do sacerdote ministrando Sacramentos, celebrando o Sacrifício, falando de coisas em que se não crê, ou que se não creem, por cerceada toda a liberdade de crer ou de não crer? Quem escreve estas linhas não está falando do que não sabe por experiência direta. [EudoroMito:126-127]