(gr. chronos; lat. tempus; in. Time; fr. Temps; al. Zeit; it. Tempo).
Podemos distinguir três concepções fundamentais: 1) o tempo como ordem mensurável do movimento; 2) o tempo como movimento intuído; 3) o tempo como estrutura de possibilidades. À primeira concepção vinculam-se, na Antiguidade, o conceito cíclico do mundo e da vida do homem (metempsicose) e, na época moderna, o conceito científico de tempo. À segunda concepção vincula-se o conceito de consciência, com a qual o tempo é identificado. A terceira concepção, derivada da filosofia existencialista, apresenta algumas inovações na análise do conceito de tempo.
1) A concepção de tempo mais antiga e difundida considera-o como ordem mensurável do movimento. Os pitagóricos, ao definirem o tempo como “a esfera que abrange tudo” (a esfera celeste), relacionaram-no com o céu, que com o seu movimento ordenado permite medi-lo perfeitamente (Aristóteles, Fts., IV, 10, 218 a 33). Ao definir o tempo como “a imagem móvel da eternidade”, Platão (Tim., 37 d) pretende dizer que, na forma dos períodos planetários, do ciclo constante das estações ou das gerações vivas e de qualquer espécie de mudança, ele reproduz no movimento a imutabilidade do ser eterno (Ibid., 38 b-39 d). A definição de Aristóteles, “o tempo é o número do movimento segundo o antes e o depois” (Fís., IV, II; 219 b 1), é a expressão mais perfeita dessa concepção, que identifica o tempo com a ordem mensurável do movimento. Não é diferente o significado da definição dos estoicos, segundo a qual o tempo é “o intervalo do movimento cósmico” (Diógenes Laércio, VII, 141). Na verdade, intervalo não passa de ritmo, ordem, movimento cósmico. Talvez não seja diferente tampouco o significado da definição de Epi-curo: “O tempo é uma propriedade, um acompanhamento do movimento” 0’ Stobeo, Ecl., I, 8, 252). Na Idade Média, essa concepção do tempo foi compartilhada por realistas (Alberto Magno, Suma Teológica, I, q. 21, a. I; Tomás de Aquino, Suma Teológica, 1. q. 10, a. 1) e por nominalistas (Occam, In Sent, II, q. 12), que repetiram unanimemente a definição de Aristóteles. Telésio, que criticava essa definição, reduziu o tempo à duração e ao intervalo do movimento (De rer. nat., I, 29). Hobbes definiu o tempo como “imagem (phantasma) do movimento, na medida em que imaginamos no movimento o antes e o depois, ou seja, a sucessão”; “; considerava que essa definição estava de acordo com a de Aristóteles (De corp., 7, 3). Descartes simplesmente repetia essa última, definindo o tempo como “número do movimento” (Princ. phil, I, 5 7). Locke criticava a vincu-lação do tempo ao movimento, estabelecida pela definição de Aristóteles, só para afirmar que o tempo está ligado a qualquer espécie de ordem constante e repetível: “Qualquer aparição periódica e constante, ou mudança de ideias, que acontecesse entre espaços de duração aparentemente equidistantes, e fosse constante e universalmente observável, poderia servir para distinguir intervalos do tempo tão bem quanto as que foram usadas na realidade” (Ensaio, II, 14, 19). Para definir o tempo, Berkeley substituía a ordem do movimento pela ordem das ideias, ou melhor, a ordem do movimento externo pela ordem do movimento interno: “Se eu tentar construir uma simples ideia do tempo abstraindo da sucessão de ideias de meu espírito, que flui uniformemente e é compartilhada por todos os seres, estarei perdido e embaraçado por dificuldades inexplicáveis” (Principles of Human Knowledge, I, 98).
Essa concepção de tempo fundamentou a mecânica de Newton, que distinguia o tempo absoluto e o tempo relativo, mas a ambos atribuía ordem e uniformidade. “O tempo absoluto, verdadeiro e matemático, na realidade e por natureza, sem relação com nada de externo, flui uniformemente (aequabiliter) e também se chama duração. O tempo relativo, aparente e comum é uma medida sensível e externa da duração por meio do movimento” (Naturalis philosophiae principia, I, def. VIII). Nessa definição de Newton, o uniforme fluir da duração absoluta é confrontado com a uniformidade do movimento que é tomado como medida do tempo. Leibniz esclarecia o mesmo conceito do seguinte modo: “Conhecendo-se as regras dos movimentos não uniformes, é possível relacioná-los com os movimentos uniformes inteligíveis e prever com este meio o que acontecerá a diferentes movimentos reunidos. Nesse sentido, o tempo é a medida do movimento, ou seja, o movimento uniforme é a medida do movimento não uniforme” (Nouv. ess., II, 14,16). Portanto, definia o tempo como “uma ordem de sucessões” (Troisième lettre à Clarke, § 4): definição aceita por Wolff (Ont., § 572) e por Baumgarten (Mel, § 239)- Essa era a concepção a que Kant se referia implicitamente, ao afirmar, em Estética transcendental, a idealidade transcendental do tempo, ao lado de sua realidade empírica (v. mais adiante). Mas a principal contribuição de Kant na interpretação do conceito de tempo não está na Estética transcendental, mas na Analítica dos princípios, mais precisamente no estudo da segunda analogia, ou “princípio da série temporal segundo a lei da causalidade”. Aí Kant reduz ordem de sucessão a ordem causal. Afirma que uma coisa só “pode conquistar seu lugar no tempo com a condição de que no estado precedente se pressuponha outra coisa à qual esta sempre deva seguir-se, ou seja, segundo uma regra”. A série temporal não pode inverter-se porque, “uma vez posto o estado precedente, o acontecimento deve seguir-se infalível e necessariamente”; portanto, “é lei necessária de nossa sensibilidade e, consequentemente, condição formal de todas as percepções que o tempo precedente determine necessariamente o seguinte”. Isso realmente permite a distinção entre percepção real do tempo e imaginação, que poderia e pode inverter a ordem dos eventos, transformando a sucessão temporal em “único critério empírico do efeito em relação à causalidade da causa” (Crítica da Razão Pura, Anal. dos princ, cap. II, seç. III, 3). Essa redução do tempo à ordem causal, defendida por Kant em relação ao conceito de tempo dominante em sua época (derivada da física newtoniana), foi reapresentada em nossos dias com relação à física einsteiniana. Ao afirmar a relatividade da medida temporal, Einstein na realidade não inovou o conceito tradicional de tempo como ordem de sucessão: só negou que a ordem de sucessão fosse única e absoluta (v. Über die spezielle und die allgemeine Relativitätstheorie, 1921, §§ 8-9). Em confronto com a física de Einstein, H. Reichenbach voltou a propor a tese kantiana da identidade do tempo com a causalidade: “O tempo é a ordem das cadeias causais: este é o principal resultado das descobertas de Einstein” (Albert Einstein: Philosopher-Scientist, ed. por P. A. Schilpp, 1949, pp. 289 ss.). “A ordem do tempo, a ordem do antes e do depois, é redutível à ordem causal. (…) A inversão da ordem temporal para certos eventos, resultado que deriva da relatividade da simultaneidade, é apenas uma consequência desse fato fundamental. Uma vez que a velocidade de transmissão é limitada, existem eventos tais que nenhum deles pode ser causa ou efeito do outro. Para tais eventos, a ordem do tempo não é definida, e cada um deles pode ser chamado de posterior ou anterior ao outro” (Ibid., 1949, pp. 289 ss.). Esses mesmos conceitos foram explicados por Reichenbach em seu livro póstumo The Direction of Time (1956), no qual identifica a ordem do tempo com a causalidade, e a direção do tempo com a entropia crescente (v. especialmente §§ 6, 16).
A redução do tempo a causalidade pode ser considerada a mais importante (mas não por isso a mais consistente) proposição filosófica apresentada no campo da concepção do tempo como ordem. Ao contrário, tem bem menos importância a discussão — a que muitas vezes os filósofos se inclinaram — sobre a subjetividade ou objetividade do tempo Foi Aristóteles quem deu início a tais discussões, chegando à conclusão de que, se por um lado o tempo como medida não pode existir sem a alma — pois só a alma pode medir —, por outro lado o movimento ao qual a medida se refere não depende da alma (Fís., IV, 14. 223 a 20-29). No séc. XIV, retomando essas considerações, Ockham afirmava que não existiria tempo se a alma não pudesse medir nem numerar (In Sent., II. q. 12). Até Hobbes chamava o tempo de imagem (v. definição citada anteriormente). Menos significativa é a redução do tempo, de autoria de Locke e de Berkeley, à ordem das ideias: porque as ideias, para esses filósofos, são os únicos objetos de que se pode falar. Quanto ao “subjetivismo” da concepção kantiana, segundo a qual o tempo é “intuição pura”, condição de qualquer percepção sensível, não passa de mal-entendido, pois só o tempo pode ser considerado subjetivo com relação às coisas em si, que estão além da consideração humana, mas é objetivo e real em relação às coisas naturais, em virtude do que o tempo tem “realidade empírica” indubitável (Crítica da Razão Pura, §§ 6, 7). Além disso, o objetivismo da concepção kantiana é demonstrado pela redução do tempo à ordem causal: tese a que os neo-empiristas chegaram sem conhecer sua proveniência kantiana.
2) A segunda concepção fundamental de tempo considera-o como intuição do movimento ou “devir intuído”. Esta última definição é de Hegel, que acrescenta ser “o tempo o princípio mesmo do Eu = Eu, da autoconsciência pura, mas é esse princípio ou o simples conceito ainda em sua completa exterioridade e abstração” (Enc., § 258). Portanto, Hegel não identifica o tempo com a consciência, mas com algum aspecto parcial ou abstrato da consciência. Sem essa limitação, Schelling dissera: “o tempo outra coisa não é senão o sentido interno que se torna objeto para si” (System des transzendentalen Idealismus, seç. III, Segunda época, D; trad. it., p. 141). A rigor, a concepção de tempo como intuição do devir traz em seu bojo a redução de tempo a consciência. Isso já acontece em Plotino. Segundo este último, o tempo não existe fora da alma: “é a vida da alma e consiste no movimento graças ao qual a alma passa de uma condição de sua vida para outra” (Enn., III, 7.11); assim, pode-se dizer que até o universo está no tempo só na medida em que está na alma, ou seja, na alma do mundo (Ibid., III, 7, 3). A S. Agostinho deve-se a melhor expressão e a difusão dessa doutrina na filosofia ocidental. O tempo é identificado por Agostinho com a própria vida da alma que se estende para o passado ou para o futuro (extensio ou distensio animi). S. Agostinho diz: “De que modo diminui e consuma-se o futuro que ainda não existe? E de que modo cresce o passado que já não é mais, senão porque na alma existem as três coisas, presente passado e futuro? A alma de fato espera, presta atenção e recorda, de tal modo que aquilo que ela espera passa, através daquilo a que ela presta atenção, para aquilo que ela recorda. Ninguém nega que o futuro ainda não exista, mas na alma já existe a espera do futuro; ninguém nega que o passado já não exista, mas na alma ainda existe a memória do passado. E ninguém nega que o presente careça de duração porque logo incide no passado, mas dura a atenção por meio da qual aquilo que será passa, afasta-se em direção ao passado” (Conf, XI, 28,1). A tese fundamental dessa concepção de tempo foi enunciada pelo próprio S. Agostinho: “A rigor, não existem três tempo, passado, presente e futuro, mas somente três presentes: o presente do passado, o presente do presente e o presente do futuro” (íbid., XI. 20, 1).
Na filosofia moderna, Bergson reexpôs essa concepção, contrapondo-a ao conceito científico de tempo. Segundo ele, o tempo da ciência é espacializado e, por isso, não tem nenhuma das características que a consciência lhe atribui. Ele é representado como uma linha, mas “a linha é imóvel, enquanto o tempo é mobilidade. A linha já está feita, ao passo que o tempo é aquilo que se faz; aliás, é aquilo graças a que todas as coisas se fazem” (La pensée et le mouvant, 3a ed., 1934, p. 9). Já em sua primeira obra, Essai sur les données immédiates de la conscience, Bergson insistira na exigência de considerar o tempo vivido (a duração da consciência) como uma corrente fluida na qual é impossível até distinguir estados, porque cada instante dela transpõe-se no outro em continuidade ininterrupta, como acontece com as cores do arco-íris. Esse ficou sendo o conceito fundamental de sua filosofia. Segundo Bergson, o tempo como duração possui duas características fundamentais: 1) novidade absoluta a cada instante, em virtude do que é um processo contínuo de criação; 2) conservação infalível e integral de todo o passado, em virtude do que age como uma bola de neve e continua crescendo à medida que caminha para o futuro. Não muito diferente é o conceito de Husserl sobre o “tempo fenomenológico”. Ele afirma: “Toda vivência efetiva é necessariamente algo que dura; e com essa duração insere-se em um infinito contínuo de durações, em um contínuo pleno. Tem necessariamente um horizonte temporal atualmente infinito de todos os lados. Isso significa que pertence a uma corrente infinita de vivências. Cada vivência isolada, assim como pode começar, pode acabar e encerrar sua duração; é o que acontece, p. ex., com a experiência de uma alegria. Mas a corrente de vivências não pode começar nem acabar” (Ideen, I, § 81). Isso significa que, assim como a duração bergsoniana, a corrente de vivências tudo conserva e é uma espécie de eterno presente.
3) O terceiro conceito de tempo transforma-o em estrutura da possibilidade. Esse é o conceito encontrado em Heidegger na obra Ser e Tempo (1927), que já no título anuncia a identidade dos dois termos. A primeira característica dessa concepção é o primado do futuro na interpretação do tempo; as duais concepções anteriores fundam-se no primado do presente. O tempo como ordem do movimento é uma totalidade presente porque toda ordem pressupõe a simultaneidade de suas partes, de cuja recíproca adaptação ela nasce. A concepção de tempo como devir intuído só faz interpretá-lo em função do presente, porque a intuição do devir é sempre um agora, um instante presente. Heidegger, ao contrário, interpretou o tempo em termos de possibilidade ou de projeção: o tempo é originariamente o por-vir (Zu-kunft); mais precisamente: quando o tempo é autêntico (originário e próprio da existência), é “o porvir do ente para sisi mesmo na manutenção da possibilidade característica como tal”. “Porvir não significa um agora, que, ainda não tendo se tornado atual, algum dia o será, mas o advento em que o ser-aí vem a si em seu poder-ser mais próprio. É a antecipação que torna o ser-aí propriamente porvindouro, de sorte que a própria antecipação só é possível porque o ser-aí, enquanto ente, sempre já vem a si” (Sein und Zeit, § 65). O passado, como um ter-sido, é condicionado pelo porvir porque, assim como são possibilidades autênticas aquelas que já foram, também já foram as possibilidades às quais o homem pode autenticamente retornar e de que ainda pode apropriar-se (Ibid., § 65). Tanto o tempo autêntico, em que o ser-aí projeta sua própria possibilidade privilegiada (o que já foi, de tal modo que suas escolhas são escolhas do já escolhido, isto é, da impossibilidade de escolher), quanto o tempo inautêntico, que é o da existência banal, como sucessão infinita de instantes, ambos são o sobrevir do que a possibilidade projetada apresenta ao ser-aí (isto é, ao homem); portanto são um apresentar-se, a partir do futuro, daquilo que já foi no passado (Ibid., § 80, 81). A análise heideggeriana do tempo sem dúvida contém um grande compromisso metafísico, porquanto o tempo é considerado uma espécie de círculo, em que a perspectiva para o futuro é aquilo que já passou; por sua vez, o que já passou é a perspectiva para o futuro. Nesse sentido, Heidegger fala de tempo finito, ou autêntico, já que tempo inautêntico (que ele também chama de databilidade ou tempo público) é o desconhecimento parcial da natureza do tempo e a sua concepção como linha aberta e sucessão infinita de instantes (Sein und Zeit, §§ 79-81). Todavia, a análise de Heidegger contém alguns elementos de interesse filosófico notável porque constitui uma importante inovação na análise do conceito de tempo. Esses elementos são os seguintes:
1) Mudança do horizonte modal, passando-se da necessidade à possibilidade: o tempo já não é integrado numa estrutura necessária, como a ordem causal, mas na estrutura da possibilidade. Esse aspecto pode ser utilizado para expressar adequadamente a transformação a que a noção de tempo foi submetida pela relatividade de Einstein. Com efeito, se dois eventos são simultâneos segundo certo sistema de referência mas podem não ser simultâneos segundo um outro, conclui-se que o tempo não é uma ordem necessária, mas a possibilidade de várias ordens.
2) O primado do futuro na interpretação do tempo não constitui apenas uma alternativa diferente do primado do presente e a ele oposta, na qual se baseiam as outras duas interpretações principais, mas também oferece a possibilidade de não achatar sobre o presente as outras determinações do tempo e de entendê-las em sua natureza específica: o futuro como futuro (e não como “presente do futuro”) e o passado como passado.
3) A relação entre passado e futuro, que Heidegger enrijeceu num círculo, pode ser facilmente dissolvida com a introdução da noção de possível. O passado pode ser entendido como ponto de partida ou fundamento das possibilidades porvindouras, e o futuro como possibilidade de conservação ou de mudança do passado, em limites (e aproximações) de-termináveis.
4) A introdução de novos conceitos interpretativos, expressos por termos como projeto ou projeção, antecipação, expectativa, etc, mostraram-se úteis nas análises filosóficas e passaram a fazer parte do uso filosófico corrente. [Abbagnano]
A medida da duração. — O tempo (intervalo objetivo, medido pelos relógios) distingue-se da duração vivida (Bergson) ou da temporalidade, ou consciência do tempo (Husserl). Enquanto que a filosofia antiga (grega) contrapunha o mundo do devir ao mundo da verdade em si (imutável, intemporal), a filosofia moderna, desde Kant, procura compreender o mundo, o ser e o próprio Deus a partir da consciência humana temporal (“o ser a partir do tempo”, diz Heidegger em O ser e o tempo). Esse novo método, que é crítico, visa determinar as fronteiras ou “limites” do universo de nossa consciência e compreender, a partir do tempo de nossa vida — isto é, de nossa consciência real — todos os dados do universo (é o princípio de toda filosofia reflexiva; foi praticado por Kant Fichte, Hegel e Heidegger). (V. duração, temporalidade.) [Larousse]
É uma espécie de duração. Duração significa persistência em existir. 0 que não tem existência, também não tem duração. A duração de seres imutáveis é a eternidade; a de seres mutáveis, o tempo. Na escolástica distingue-se, outrossim, tempus e aevum; tempus significa o modo de duração das criaturas corpóreas; aevum, o modo de duração das criaturas espirituais. Assim como o espaço mostra um estar junto a outro na extensão, assim o tempo significa um estar depois de outro na duração (sucessão), o que denota uma extensão contínua desde o passado ao futuro através do presente. Passado (ou pretérito) é o que já não existe, mas muitas vezes se conserva objetivamente em seus efeitos, ou subjetivamente na memória. Presente (ou atual) é o que se encontra entre o passado e o futuro, o que existe agora. Em sentido estrito, só é presente um elemento indivisível do tempo: o “agora’’, o “momento atual”. Futuros são os acontecimentos e as coisas que todavia não existem, mas que existirão, e amiúde se antecipam na expectativa. O instante (momento) constitui um elemento indivisível do tempo, um corte no mesmo. Como a extensão do tempo é contínua, ela não pode ser construída com instantes. A sucessão do tempo, que é condicionada pelas mudanças das coisas temporais, é orientada desde o passado ao futuro ( = direção temporal) e é irreversível; o sentido de sua direção é fixado pela relação de causa e efeito. Como cada coisa e cada acontecimento tem sua duração, assim tem também seu tempo concreto próprio: o tempo físico. A par do tempo próprio de todo ser, fala-se do tempo imaginário, que apresenta um esquema geral vazio, no qual podem ser encaixados todos os acontecimentos temporais, um sistema vazio, de acontecimentos possíveis. E uma duração temporal abstrata, representada como existente em si, e é pensada como um contínuo, sem princípio nem fim, unidimensional e fluente de maneira uniforme, de modo análogo ao espaço absoluto. A simultaneidade (coexistência) de acontecimentos denota que estes estão coordenados ao mesmo ponto ou parte do tempo imaginário.
Denomina-se teoria do tempo uma teoria da origem e valor da noção de tempo. O tempo físico é, como a duração, uma determinação (ou talvez melhor, determinabilidade) real das coisas temporais. O tempo imaginário é o resultado de um longo processo evolutivo conceptual e, como tal, carece de realidade. E um ente de razão. Todavia, como contém a duração como elemento objetivo, é possível formular, com seu auxílio, juízos objetivamente válidos sobre condições e relações temporais. — Medir o tempo significa comparar um tempo com uma medida temporal arbitrariamente escolhida como unidade. Como unidade de tempo pode ser tomado qualquer processo periódico, como a alternação do dia e da noite, o movimento pendular, etc. — Importa distinguir entre a noção de tempo e a sua representação intuitiva. A duração temporal de vivências interiores, tempo psíquico, é imediatamente percebida pelo “sentido do tempo” que mercê de estados psicológicos, pode apreciar o comprimento do tempo transcorrido. Chama-se tempo psíquico de presença a extensão de tempo imediatamente presente à percepção do tempo. Sua duração fixa-se entre seis e doze segundos.
Aristóteles considera principalmente o tempo físico, entendendo por tal a sucessão no movimento e definindo-o como o número do movimento segundo um antes e um depois (numerus motus secundum prius et posterius). — Kant apoia suas reflexões sobre a noção do tempo imaginário elaborada por Newton e vê nele uma forma aprió-rica da intuição, que possibilita uma experiência ordenada: tem “realidade empírica” e “idealidade transcendental” (criticismo). — Para Heidegger, o tempo é o “presente que se explicita”, ou seja, o explicitado que se exprime no “agora”. O tempo “é anterior a toda subjetividade e objetividade, porque oferece a condição da própria possibilidade deste antes” (filosofia da existência). — A teoria da relatividade ocupa-se do tempo concretamente comprovável. Muitos de seus enunciados sobre o tempo referem-se propriamente à medição do tempo. — Junk. [Brugger]
Na filosofia antiga, e também na medieval, relegou-se o conceito de tempo em benefício do tema do ser. se contrapõe o modo hebraico e o modo grego de pensar, o primeiro é fundamentalmente temporal, destaca o passar, ao passo que o segundo é fundamentalmente intemporal e destaca o estar, a presença. De qualquer modo, há que ter em conta que isto não significa que os gregos careceram da noção de tempo, mas que enquanto que os hebreus concebiam o tempo primariamente em função do futuro, os gregos conceberam-no primariamente em função de um presente. As concepções filosóficas gregas arreigaram em grande medida na visão do tempo como uma forma de presença. Muito filósofos admitiram que o tempo pertence à realidade fenomênica. Esta realidade é uma realidade presente, mas não é a presença. A presença está sempre presente, e por isso é, ao passo que a realidade fenomênica está sempre a ponto de se ausentar e por isso devém. Em Platão confirma-se a ideia do tempo que passa como manifestação de uma presença que não passa, quando formula a sua célebre definição: “o tempo é a imagem móvel da eternidade”.
Mesmo quando a ideia de tempo desempenha um papel muito importante na filosofia de Platão pode-se concluir que não possui uma ideia suficientemente desenvolvida do tempo ou que o filósofo tende a reduzir o tempo a algo intemporal. a eternidade que Platão falava como o original do tempo é uma ideia mas da qual há uma cópia muito imediata: o perpétuo movimento circular das esferas celestes, que talvez fosse para Platão a primeira eternidade.
Aristóteles analisa o conceito de tempo sem fazer dele uma cópia, imagem ou sombra de uma realidade verdadeira. Para isto vale-se do conceito de movimento. Observa que o tempo e o movimento se apercebem em conjunto. É certo que se estamos na obscuridade não percebemos nenhum movimento, pois não percebemos nenhum corpo que se mova, mas basta um movimento na mente para nos darmos conta de que o tempo passa. O tempo, portanto, é algo relacionado com o movimento. No conceito de sucessão temporal, estão incluídos conceitos como os de agora, antes e depois. Estes depois conceitos são fundamentais, pois não haveria nenhum tempo sem um antes e um depois Daí que se possa definir o tempo como “a medida do movimento segundo o antes e o depois”.
Os conceitos de tempo e de movimento estão vinculados entre si tão estreitamente que são inter-definíveis: medimos o tempo pelo movimento, mas também o movimento pelo tempo.
Os estoicos referiram a definição aristotélica, introduzindo as noções de intervalo e velocidade. Observou-seque as teorias antigas sobre o tempo podem dividir-se tal como as modernas, em dois grandes grupos: o dos absolutistas, que concebem o tempo como uma realidade absoluta em si mesma, e o dos relacionistas, que entendem que o tempo é uma relação. Aristóteles parece ter defendido esta concepção; a maior parte dos filósofos procurou combinar uma com a outra, especialmente Plotino. Este aceitou a ideia de que a alma ou consciência é que mede o tempo. Isto encerra por um lado uma teoria absolutista do tempo – o tempo é algo real na alma – e uma teoria relacionista – a alma mede, numera, relaciona. Por outro lado, Plotino adere à tese platônica de que o tempo é imagem móvel da eternidade, mas é uma imagem que tem a sua sede na alma e até pode conceber-se como a vida da alma. A alma abandona o tempo quando se recolhe no inteligível, mas enquanto isto não sucede, a alma vive no tempo e até como tempo.
A chamada concepção cristã do tempo atinge a sua primeira formulação madura em Santo Agostinho. O tempo é para ele um grande paradoxo. E um grande que não é; o agora não se pode deter, pois se isso acontecesse não seria tempo. O tempo, a é um será que ainda não é. O tempo não tem dimensão; quando vamos apressá-lo desvanecesse-nos. E, no entanto, eu sei o que o tempo, mas o sei só quando não tenho de dizê-lo: nada não mo perguntam, o sei; quando mo perguntam, não o sei. O tempo não é, portanto, um agora, o que agora mesmo acontece ou o que agora mesmo está vivendo, pois, como vimos não há justamente tal agora. Não há presente; não há já passado, não há ainda futuro, portanto, não há tempo. Estas dificuldades atenuam-se quando em vez de tratarmos de fazer do tempo algo externo, como as coisas, o radicamos na alma: a alma é a verdadeira mediada do tempo. O passado é o que se recorda; o futuro, o que se espera; o presente, aquilo a que se está atento; passado, futuro e presente aparecem como memória, espera e atenção. As coisas futuras não são ainda, mas a espera delas está no nosso espírito; o mesmo sucede com as coisas passadas e presentes.
Durante a idade média preocupou os filósofos o problema teológico do tempo em relação com a eternidade. Destacaremos o problema posto pela realidade própria do antes e do depois. Para Duns Escoto o material do tempo, quer dizer, o movimento, encontra-se fora da alma, mas o formal do tempo, isto é, a medida do movimento, provém da alma.
Na época moderna continuou a discutir-se os problemas teológicos, físicos e psicológicos relativos ao tempo. Referimo-nos a algumas concepções modernas do tempo. Aqui ocupar-nos-emos da maneira como pode entender-se o tempo em relação com as coisas, os fenômenos naturais, etc. À semelhança do espaço, o tempo podia ser concebido de três modos: como uma realidade em sisi mesmo, independente das coisas, quer dizer, como realidade absoluta; como uma relação, uma ordem; e, finalmente, como uma propriedade. Os dois primeiros modos foram os mais importantes, já que tempo como propriedade das coisas é antes a duração. A primeira concepção é a chamada absoluta ou absolutista do tempo e o seu representante mais notório é Newton. A segunda é a chamada relacional ou relacionista e ilustrou-a exemplarmente Leibniz. Ambos tende a considerar que o tempo é contínuo, ilimitado, não isotrópico (quer dizer, tem uma só duração e uma só dimensão) e homogêneo. A concepção de Newton encontra-se expressa da seguinte maneira: “o tempo absoluto, verdadeiro e matemático, por sisi mesmo e pela sua própria natureza, flui uniformemente sem relação com cada exterior, e chamamos-lhe duração. O tempo relativo, aparente e comum, é uma medida sensível e exterior.. da duração por meio do movimento, que é comummente usado em vez do tempo verdadeiro”. Supõe-se, portanto, que o tempo é independente das coisas, é enquanto as coisas mudam, o tempo não muda. As mudanças são-no em relação com o tempo uniforme que lhes serve de marco vazio. As mudanças encontram-se no tempo de maneira análoga a como se supunha a que os corpos se encontram no espaço e supunha-se que o tempo, tal como o espaço, é indiferente às coisas que contêm e às suas mudanças. Leibniz, por seu lado, sustentou que o tempo é a “ordem de existência das coisas que não são simultâneas.
Assim, o tempo é a ordem universal das mudanças quando não temos em conta os tipos particulares de mudança”. Assim, como o espaço é uma ordem de coexistência, o tempo é “a ordem de sucessões”. Na sua tentativa de fazer justiça a ambas as posições Kant desenvolveu uma complexa doutrina do tempo. Na Estética transcendental da Crítica da Razão Pura adopta uma posição que aspira a justificar a posição de Newton, mas em vez de findá-la na ideia do tempo como coisa em si, funda-a numa ideia do tempo como condição do fenômenos. Kant nega que o tempo seja um conceito empírico derivado da experiência; tem de ser, portanto, uma representação numérica que subjaz em todas as nossas intuições. O tempo é uma forma de intuição a priori. Com isto parece aproximar-se de Leibniz, mas nega que o tempo seja uma relação ou uma ordem, visto que em tal caso seria um conceito intelectual e não uma intuição. Por outro lado, o tempo não é subjectivo no sentido de ser a experiência vivida de um sujeito humano. Assim, portanto, o tempo não é real, não é uma coisa em sim mas tão pouco é meramente subjectivo, convencional ou arbitrário. Esta concepção do tempo refere-se à ordem das percepções, mas não ainda à ordem dos juízos. Quando estes aparecem, o tempo exerce outra função, a função sintética. Nenhum juízo seria possível se não estivesse fundado numa síntese, a qual por sua vez está baseada no uso de um ou vários conceitos do entendimento ou categorias. Mas estas categorias aplicam-se à experiência só por meio do esquemas e o esquema é justamente possível pela mediação do tempo. E Hegel parecera haver um primado do tempo na medida em que há um primado do devir, mas, por outro lado, este tempo é só o Espírito na medida em que se desprende, pois em sisi mesmo é intemporal ou, melhor, eterno. Assim, a temporalidade é uma manifestação da ideia. Há que notar que esta coexistência do temporal com o intemporal é própria de várias correntes filosóficas do século dezanove, especialmente das correntes evolucionistas, nas quais se afirma ou supõe que o que há existe na medida em que se desenvolve temporalmente, mas que este desenvolvimento segue um o plano que tem de ser por sisi mesmo intemporal.
Desde as últimas décadas do século passado, o tempo, a temporalidade e o temporal encontram-se no centro de diversas filosofias. Isto torna-se muito claro em Bergson, o qual se perguntou “que fazia” o tempo em sistemas que pareciam fundamentar-se no desenvolvimento temporal e, no entanto, não utilizavam de nenhum modo o tempo ou o reduziam a espaço. A insistência de Bergson na noção de duração como “duração real”, como para realidade, como objeto da intuição, etc, conduziu-o a uma metafísica temporalizada na qual se estabelece uma distinção entre tempo verdadeiro e tempo falsificado e espacializado. Em Husserl aparece uma distinção entre o tempo fenomenológico escrito como a forma utilitária das vivências num fluxo do vivido, e o tempo objetivo ou cósmico, Segundo Husserl, este tempo comporta-se em relação ao fenomenológico “de um modo análogo como a extensão que pertence à essência imanente de conteúdo sensível concreto se comporta relativamente á extensão objetiva”. Daí que a propriedade essencial que exprime a temporalidade para as vivências não designa só “algo que pertence em geral a cada vivência particular, mas uma forma necessária de união das vivências com as vivências.” A vivência real é temporalidade, mas uma temporalidade que se confunde com uma espécie de duração real em sentido parecido ao bergsoniano.. O problema do tempo recebeu uma nova formulação na filosofia de Heidegger. A sua primeira obra capital, O Ser e o tempo, é uma interpretação do ser do homem na direção da temporalidade descobrindo-se o tempo como horizonte transcendental da pergunta pelo ser. A temporalidade do ser do homem revela-se fundamentalmente ante a morte e o cuidado, entendido como preocupação. O sentido ontológico do cuidado é a temporalidade. Esta não é a essência do tempo como realidade mundana nem o caráter do ser temporal em geral: é a unidade do cuidado como temporalidade. Por isso não pode falar-se simplesmente de passado, presente e futuro, nem sequer em recordação, percepção e antecipação. A temporalidade do ser do homem é originária no sentido em que é a temporalização do ser do homem como “preocupado” pela sua própria possibilidade ser. Longe de ser o tempo mundano o modelo da temporalidade do ser do homem, esta é um modelo daquele. [Ferrater]
Definir o tempo a priori é defini-lo de acordo com determinada posição filosófica ou teoria científica, pois embora a realidade a que faz referência seja a mesma, sua noção tem variado ao longo da história, acompanhando a evolução da filosofia e o progresso das ciências particulares. À pergunta pelo tempo têm sido dadas várias respostas que correspondem às cosmovisões características dos grandes ciclos da cultura. Na história do pensamento ocidental, é possível distinguir, a propósito, três concepções distintas que correspondem ao mundo grego, ao cristianismo e ao mundo moderno.
Concepção grega do tempo. A reflexão sobre o tempo e o espaço se inicia no século VI antes de Cristo, na Escola de Elea, que, afirmando a unidade e a imobilidade do ser, procurava mostrar as contradições implícitas na multiplicidade e no movimento. De acordo com os argumentos de Zenão, o movimento é impossível porque é contraditório, envolvendo o seguinte dilema: ou a extensão é infinitamente divisível, hipótese em que o móvel levaria um tempo infinito para percorrer o número infinito de estações intermediárias que resultam de sua divisão; ou então, o espaço não é infinitamente divisível, interrompendo-se a divisão no indivisível, no ponto; ora, composto de pontos indivisíveis, o espaço não existe, e como o espaço é a condição do movimento, e o movimento a condição do tempo, movimento e tempo são irracionais e, portanto, irreais. Levando às últimas consequências o princípio de identidade e de não-contradição, e as exigências da razão lógico-formal, contestam os eleatas a validade do conhecimento sensível, sustentando que a multiplicidade e o movimento, o espaço e o tempo, porque contraditórios e irracionais, não passam de ilusões dos sentidos.
No mesmo século, Heráclito de Éfeso sustentou, em contraposição aos eleatas, a tese da multiplicidade e da mobilidade do ser, afirmando a estrutura movediça e contraditória da realidade e do logos “de acordo com o qual todas as coisas se produzem”. Segundo o efesiano, “não nos podemos banhar duas vezes no mesmo rio”, pois tudo corre e “a guerra é mãe e rainha de todas as coisas”. A contradição, o conflito, a luta, são reconhecidos como essência do vir-a-ser, de devenir, pois “é uma mesma coisa ser vivo ou ser morto, desperto ou adormecido, jovem e velho, essas coisas se transformam umas nas outras e são de novo transformadas”. Além de razão das coisas, o logos heraclítico é o fogo que as ilumina e nos permite vê-las, “sentido” do real e pensamento, além de sabedoria, pois “ser sábio consiste em saber que o pensamento governa todas as coisas”. Compreendendo a natureza como processo, a mobilidade e o tempo como estofo da realidade, o absoluto como vir-a-ser e unificação dos contrários, Heráclito, segundo Hegel, formulou, pela primeira vez, a ideia filosófica em sua forma especulativa.
No século seguinte, Demócrito de Abdera formula a teoria atomista, que é uma tentativa de conciliação entre o eleatismo e o heracliteísmo. Admitindo a plenitude do ser, que chama de átomo, e reconhecendo a impossibilidade de negar o movimento, admite também o espaço vazio, condição do movimento. O ser parmenídico, uno e imóvel, é dividido em um número infinito de átomos, partículas indivisíveis, que se movem no vazio e de cuja união ou separação resultam todas as coisas. Os átomos e o vazio são eternos e o movimento sempre existiu. Discípulo de Demócrito, Epicuro esboça a tese que, dois milênios e meio mais tarde, deveria opor a concepção einsteiniana à concepção newtoniana do tempo. Ao expor a doutrina de Epicuro, no De natura rerum, Lucrécio escreve o seguinte: “O tempo não existe por sisi mesmo, mas apenas pelos objetos sensíveis, de que resulta a noção de passado, presente e futuro. Não se pode conceber o tempo em si e independentemente do movimento e do repouso das coisas”.
Tentando também harmonizar o eleatismo com o heracliteísmo, e interpretando de modo pessoal a teoria socrática das essências, Platão, sem negar o movimento e o vir-a-ser, acredita que as essências se dissolveriam na mobilidade se dela não fossem, de certo modo, independentes. Tal é o sentido da teoria das ideias, eternas e imutáveis, modelos e paradigmas dos objetos sensíveis, efêmeros e contingentes. No Timeu, Platão sustenta que o tempo é uma imagem ou “imitação móvel da eternidade”. Ligado ao movimento e à mudança, o tempo não existe para as coisas eternas, que “não comportam nenhum dos acidentes que o vir-a-ser acarreta ao que se move na ordem sensível, pois esses acidentes são variedades do Tempo, que imita a eternidade e se desenrola em círculo, de acordo com o número”. As coisas que duram têm, cada uma, um tempo próprio, como acontece com os astros, cujos tempos são medidos pelos tempos referenciais do sol e da lua. Há, porém, um tempo comum, do “grande ano” que domina todos os outros e permite reduzi-los à mesma medida. 0 tempo divisível, que se deixa numerar, aparece com o mundo e, se o mundo devesse perecer, o tempo também pereceria.
Na Física, Aristóteles faz um estude crítico do problema do tempo, em sua relação com o movimento, a mudança, o número e a medida. Observa, inicialmente, que o tempo foi e não é mais e vai sei e ainda não é. “As partes do tempo são umas passadas e outras futuras, nenhuma existe e, no entanto, o tempo é uma coisa divisível”. O instante, porém, não pode sei parte do tempo, inclusive porque é um limite e não se pode admitir um tempo finito ou limitado. O tempo parece ser o movimento e a mudança. Todavia, diz Aristóteles, o movimento e a mudança estão unicamente nas coisas, ao passo que o tempo está em toda parte e em todas as coisas igualmente. O movimento e a mudança são mais rápidos ou mais lentos, o que não acontece com o tempo, que define a rapidez e a lentidão. Não há tempo sem movimente e, no entanto, o tempo não é movimento mas alguma coisa do movimento. Conhece-se o tempo quando se determina o movimento, utilizando, nessa determinação, o anterior e o posterior.
O tempo é, portanto, “o número do movimento de acordo com o anterior e posterior, sendo contínuo, pois pertence um contínuo”. O tempo não é o movimento, a não ser enquanto o movimento com porta um número, ou é mensurável. O tempo, continua o Estagirita, é o numerado não o meio de numerar, pois o meio de numerar e a coisa numerada são distintos O tempo é o número do movimento contínuo e não deste ou daquele movimente pois qualquer tempo é sempre o mesmo, desde que tomado simultaneamente. Assim, em relação a movimentos que se realizam simultaneamente, o tempo é o mesmo, o movimento podendo ser rápido ou não. Os movimentos são diferentes e separados, ao passo que o tempo é sempre o mesmo, pois o número é igual e simultâneo, em relação a qualquer movimento ou mudança.
Discípulo de Platão, Plotino, já no século IV depois de Cristo, também considera o tempo uma imagem da eternidade, contestando as teorias que, como as de Aristóteles, se fundam na observação do mundo físico (mundo sublunar, da geração e da corrupção), sem levar em conta as relações do tempo com a alma e a eternidade. Para esses filósofos antigos, o tempo se confunde com o tempo cronológico (kronos), com a sucessão regular e periódica dos dias e das noites, dos meses e dos anos. Inseparável do movimento diurno, confunde-se com o movimento circular da esfera e com a própria esfera. A concepção aristotélica do tempo, como número e medida do movimento, incluía-se nessa cosmovisão, embora Aristóteles definisse o tempo em geral a “essência” do tempo e não apenas o que se refere ao movimento regular do céu.
Criticando o peripatetismo, Plotino procura mostrar que sua definição do tempo é muito discutível se o tempo não for apenas a medida do movimento regular do céu. O dilema é o seguinte: ou o número do movimento está tão pouco ligado ao movimento quanto o número dez, por exemplo, aos objetos que numera, hipótese em que é apenas um número que não merece ser chamado de tempo; ou então, o número é inseparável do movimento que mede porque cresce e progride com ele, caso em que é impossível distinguir o tempo do movimento por ele medido. A distinção só é possível se a medida for exterior ao movimento, hipótese em que o número que a representa não passa de um número que nada contém do tempo. A medida apreende apenas números e quando muito o espaço. Aprofundando a crítica, Plotino indaga se a mensurabilidade é condição de existência do tempo que, sendo infinito, não pode, em sisi mesmo, ser medido.
Fiel à inspiração platônica, nega a ligação do tempo com o mundo físico, e encontra seu fundamento na alma. O tempo é um aspecto da “procissão” da alma, produzindo-se quando a alma se afasta da inteligência. Seria destruído e substituído pela eternidade se a alma se unisse ao inteligível. “A alma, escreve Plotino, fez o mundo sensível à imagem do mundo inteligível; o fez móvel, não do movimento inteligível, mas de um movimento semelhante a este e que aspira a ser a sua imagem; a princípio, tornou-se ela própria temporal, produzindo o tempo em lugar da eternidade; em seguida, submeteu ao tempo o mundo por ela engendrado, e o pôs todo no tempo, no qual encerrou todo o seu desenvolvimento”. Assim como o mundo se move na alma, também se move no tempo que pertence a essa alma. O universo é produzido em um ato que se confunde com o tempo e, por isso, está no tempo. O tempo está em toda parte porque a alma é onipresente no mundo, assim como a alma do homem está em todas as partes do seu corpo.
Com exceção dos atomistas que concebiam o tempo como relativo, os filósofos gregos o entendiam como absoluto, de acordo com a concepção de Aristóteles. Além de absoluto, quadro invariável e fixo do movimento, o tempo era também imaginado como circular e cíclico, à imagem do dia e da noite, e das estações do ano. Segundo Platão, “o tempo que imita a eternidade se desenrola em círculo”, em um incessante e contínuo desaparecer e reaparecer, extinguir-se e renascer. Antes de Platão, e interpretando os ensinamentos de Pitágoras, Porfírio dizia que, de acordo com certos períodos, os seres recomeçam, assim como o próprio mundo, a sua vida anterior. A ideia do “eterno retorno”, de inspiração pitagórica, seria assim a síntese da concepção grega em relação ao tempo.
Concepção cristã do tempo. Embora seja uma religião e não uma filosofia, o cristianismo trouxe duas ideias, estranhas à filosofia grega e que deveriam exercer profunda influência em todo o pensamento posterior. A ideia de um Deus transcendente, único e pessoal, criador e legislador do universo, e a ideia de criação do mundo ex-nihilo, a partir do nada. Na perspectiva cristã, o tempo deixa de ser a roda que sempre reconduz ao mesmo lugar, para tornar-se a propedêutica da eternidade. O homem, criado por Deus à sua imagem e semelhança, foi precipitado no tempo e na morte em consequência do pecado, que é uma ruptura com Deus. Pelo Cristo, porém, que é o mediador, pode restabelecer a ligação com Deus, e fazer da sua vida no tempo, uma preparação para a vida eterna. O tempo é apenas um caminho que deve conduzir o homem fora e além do tempo.
Mas que é o tempo, que traz a vida e traz a morte, e, para os cristãos, a imortalidade e a ressurreição dos corpos? Inspirando-se em Platão e em Plotino, Santo Agostinho formula com extraordinária lucidez o problema, ou melhor, o enigma do tempo. Quid est ergo tempus, indaga, e observa: “se ninguém me pergunta eu sei, se me perguntam querendo que explique, não sei”. Sabe, no entanto, que se nada passasse, não haveria passado; se nada adviesse não haveria futuro e, se nada fosse, não haveria presente. Mas o passado e o futuro como podem ser, se o passado não é mais e o futuro ainda não é? O próprio presente, continua o santo, se fosse sempre o presente, sem perder-se no passado, não seria mais tempo, seria eternidade. Logo, se, para ser tempo, o presente deve passar, deve tornar-se passado, deixando de ser presente, como se pode dizer que é?
Pode-se dizer que o tempo é porque se encaminha para o não-ser. Refletindo ainda sobre o presente, Santo Agostinho observa que, reduzido ao ano corrente, o presente não é presente enquanto ano, pois o ano se compõe de doze meses e cada mês, seja qual for, está presente apenas enquanto está em curso, pois os outros meses ou são passados ou são futuros, por-vir. E o mês em curso não é presente enquanto mês, mas apenas em um de seus dias; se for o primeiro, todos os outros serão futuros, se for o último, todos os outros serão passados; se for um dia qualquer, estará entre os passados e os futuros. Eis a que se reduz o tempo presente. Mas mesmo o dia, que se compõe de vinte e quatro horas, não está todo presente; em relação à primeira hora, as demais são futuro, em relação à última são passado, o mesmo ocorrendo em relação às horas intermediárias. A própria hora não é presente, pois se compõe de minutos, “partículas fugidias”, em relação às quais as anteriores são passado e as posteriores futuro.
O presente seria, pois, o instante, o ponto indivisível do tempo. Ora, diz Santo Agostinho, “esse único ponto, que se pode chamar de presente, é arrastado tão rapidamente do futuro ao passado, que não tem nenhuma extensão de duração; pois, se tivesse alguma extensão, dividir-se-ia em passado e futuro, mas o presente é sem extensão”. Embora não o mencione, Santo Agostinho procede em relação ao tempo como Zenão de Elea em relação ao espaço, no famoso argumento da dicotomia. O tempo é contraditório, ou irracional, porque, ou é infinitamente divisível, hipótese absurda que equivaleria a incluir o tempo infinito no finito, ou então, indivisível, porque se compõe de instantes indivisíveis, hipótese também absurda porque, se o instante não passasse, como se observou, não seria tempo mas eternidade.
Concluindo sua análise, observa Santo Agostinho que nem o futuro nem o passado são. É, pois, impropriamente que se fala em três tempos, pois, a rigor, se deveria falar no presente do passado, no presente do presente e no presente do futuro. Esses três modos do tempo “estão em nossa alma”, como pretendia Plotino. O presente do passado é a memória, o presente do presente é a visão (percepção) direta, e o presente do futuro é a expectativa, a espera. “Que o futuro ainda não seja, quem o negaria? A espera do futuro, no entanto, já está no espírito. Que o passado não seja mais, quem duvida? Mas a lembrança do passado ainda está no espírito. Que o presente seja inextenso, sendo apenas um ponto fugidio, quem o contestaria? Mas o que dura é a atenção pela qual o tempo se encaminha para o não ser mais, aquilo que pela atenção vai passar”.
Ao proferir um discurso, a atenção se volta para o seu conjunto. A medida que se fala, a atenção se concentra em duas direções: é memória em relação ao que se disse, é expectativa quanto ao que se vai dizer. A atenção, porém, fica presente, a atenção por meio da qual o que ainda não era se torna o que não é mais. E, conclui Santo Agostinho, à medida que esse movimento se desenvolve, a memória se enriquece de tudo o que é perdido pela atenção, até o momento em que a espera se esgota completamente, a ação se achando concluída e tendo passado toda para a memória. O que ocorre com o discurso também acontece com as palavras que o compõem, e com as sílabas das palavras. E, mais ainda, com a vida toda do homem, da qual os atos são apenas partes; e, enfim, com a história de todas as gerações humanas, das quais cada vida individual é apenas uma parte.
A meditação de Santo Agostinho sobre o tempo, que antecipa, quanto ao essencial, a reflexão de Bergson e de Husserl, assim como a obra romanesca de Proust, mereceu do próprio Husserl o seguinte comentário: “Os capítulos 13 e 28, do XI livro das Confissões, devem ainda hoje ser estudados a fundo por quem se ocupa com o problema do tempo. Pois, nessa matéria, a época moderna, tão orgulhosa do seu saber, nada produziu de muito amplo e que vá muito além desse grande pensador, que se debateu seriamente com a dificuldade”.
Os filósofos e teólogos medievais não trouxeram contribuições significativas à elucidação da ideia de tempo. Santo Tomás, por exemplo, que é considerado o maior teólogo da idade Média, limitou-se a reiterar, quanto ao essencial, as teses de Aristóteles a respeito do espaço e do tempo.
Noção de tempo na ciência e na filosofia moderna. Com Copérnico, Galileu, Kepler e Newton, a ciência moderna se constitui na perspectiva anti-historicista do racionalismo cartesiano. Nessa perspectiva, a realidade se divide em res extensa e res cogitans que, coincidindo uma com a outra, tornam possível a ciência da natureza como ciência físico-matemática. A natureza é concebida à semelhança da máquina, ou de um conjunto de máquinas, cuja estrutura e cujo funcionamento podem ser explicados mecanicamente. As descobertas e invenções científicas, propiciadas pela fundação e pelo progresso da físico-matemática, favoreceram a eclosão do naturalismo anti-historicista que caracterizou o pensamento renascentista e a primeira fase do pensamento moderno. A descoberta da história, ou da realidade como tempo, seria posterior à descoberta da natureza, ou da realidade como espaço.
Embora não pretenda mais conhecer as causas das coisas, mas apenas determinar como se processam, os fundadores e principais representantes da ciência moderna conservam a mesma concepção do tempo, formulada por Aristóteles no século IV antes de Cristo. A ciência continua a fundar-se na hipótese de que o espaço e o tempo são absolutos, admitindo-se que um intervalo de tempo, ou de espaço, é sempre o mesmo, para qualquer observador, e sejam quais forem as condições ou o ponto de vista em que se encontre. No seu famoso Escolio, Newton escreve o seguinte: “O tempo absoluto, verdadeiro e matemático, tomado em sisi mesmo, e sem relação com nenhum objeto exterior, flui uniformemente por sua própria natureza… E o espaço absoluto, independentemente da relação com objetos exteriores, permanece sempre imutável e imóvel”. Tal concepção, assim resumida, deveria prevalecer na ciência natural até o advento, três séculos depois, da relatividade einsteiniana.
Immanuel Kant pretendia ter feito, no campo da filosofia, uma revolução comparável à de Copérnico no campo da astronomia, ao descobrir que não é o sujeito que gravita em torno do objeto, mas, ao contrário, o objeto que gravita em torno do sujeito. Na perspectiva kantiana, do idealismo subjetivo, o conhecimento deixa de ser o reflexo ou a representação da realidade na consciência, para tornar-se a construção do objeto pelo sujeito. Conhecer não é reproduzir ou representar o objeto tal qual é em sisi mesmo, mas transformá-lo, enquadrando-o nas formas a priori da sensibilidade e nas categorias igualmente a priori do entendimento. As formas a priori, que tornam possível a física e a matemática, são o espaço e o tempo.
O tempo é subjetivo, anterior à experiência, porque é possível concebê-lo sem acontecimentos, não sendo possível conceber os acontecimentos, interiores e exteriores, fora do tempo, que, por isso mesmo, é a forma a priori da sensibilidade externa e interna. Essa característica do tempo explica a compenetração da geometria e da aritmética. A geometria analítica, cartesiana, permite reduzir as figuras e equações e vice-versa. O cálculo infinitesimal, leibniziano, arremata essa compenetração, definindo a lei de desenvolvimento de um ponto em qualquer direção do espaço. A matemática é, pois, um conjunto de leis a priori que tornam a experiência possível e com ela coincidem.
Na Fenomenologia do Espírito, Hegel declara que se propõe fazer em relação ao tempo, à história, o que Descartes havia feito em relação ao espaço, à natureza. Hegel é, assim, o primeiro a identificar o conceito e o tempo. “Quanto ao tempo, escreve, é o próprio conceito existindo empiricamente”. O tempo a que se refere é o tempo humano ou histórico, tempo da ação, do trabalho, consciente e voluntário, que procura realizar no presente um projeto de futuro, projeto que se forma não só com a imaginação criadora, mas também com o conhecimento do passado. A realização desse tempo humano implica a negação do espaço, da matéria, da natureza, pois o tempo nega ou destrói o mundo natural, fazendo-o desaparecer no passado. Consistindo nessa “nadificação” do mundo, pressupõe o mundo, sem o qual não poderia existir. A presença ou a existência do tempo coincide, assim, com a presença do homem.
“O espírito é tempo”, diz Hegel e, como não é transcendente mas imanente ao mundo, à história, o espírito que define como tempo é o próprio espírito humano, não individual, mas coletivo, o “universal concreto”, representado pelo povo ou Estado, a humanidade na totalidade de sua existência, a rigor, a história universal. Mas qual é a estrutura da história, ou da temporalidade humana? A temporalidade é dialética, envolvendo três momentos: 1) a identidade, a tese, a natureza; 2) a negatividade, a antítese, a ação do homem, o trabalho; 3) a síntese ou totalidade, a obra, a história. A existência humana apresenta uma estrutura dialética ou histórica, porque o homem vive em função do futuro, de um projeto ou de um “fim”, cuja realização implica a negação da natureza e da própria natureza do homem, que só é humano na medida em que se cria a si próprio (pedagogia, ética, política) como se fosse uma obra.
O tempo newtoniano era, assim como o espaço, um referencial absoluto, em função do qual se determinava o movimento enquanto relação. Em 1881, a fim de verificar a realidade do éter, Michelson e Morley realizaram a famosa experiência cujos resultados exerceram decisiva influência no pensamento de Einstein. Comparando o espaço a um imóvel mar de éter, admitiram que o movimento da terra através do éter poderia ser medido como a velocidade de um navio no mar. Por meio de um aparelho chamado “interferômetro”, verificaram que a velocidade dos feixes luminosos, que deveria aumentar quando os feixes se projetam na direção do movimento da terra, permanecia invariável, qualquer que fosse sua direção. A experiência apresentava a seguinte alternativa: ou abandonar a teoria do éter ou renunciar à teoria copernicana sobre o movimento da terra, pois a experiência demonstrou que as ondas luminosas, electromagnéticas, não precisavam, para propagar-se, de um meio ou ambiente que as suporte.
Refletindo sobre essa experiência, e admitindo que a velocidade da luz não é afetada pelo movimento da terra, Einstein admite que também deve ser independente do movimento dos astros ou de qualquer sistema do universo. A simultaneidade é universal e passa a depender do movimento relativo. Se todos os observadores, ou todos os pontos de vista, são equivalentes, nenhum privilégio pode ser atribuído ao espaço, e, se a simultaneidade também varia de acordo com o movimento relativo dos observadores, deixa, também, de ter sentido a hipótese de uma sucessão temporal absoluta. Nenhum critério permite afirmar que o movimento de um sistema qualquer é aparente em relação ao de outro sistema, que, por hipótese, seria real, e nenhuma experiência prova que o espaço e o tempo são absolutos. O tempo não passa, pois, de uma forma da intuição, inseparável da consciência do sujeito. Não há, no universo, nenhum ponto de referência que permita comparações absolutas e, o que chamamos de tempo, é apenas a ordem de sucessão das coisas, umas depois das outras. Não há, portanto, um tempo absoluto, independente do que acontece na consciência que o conserva.
No livro intitulado Duração e simultaneidade, Henri Bergson critica a concepção einsteiniana do tempo, distinguindo o tempo que chama de duração, do tempo físico e matemático que, a seu ver, não é tempo propriamente, mas tempo espacializado, ou espaço. O tempo real, ou a duração, é imediatamente percebido, na intuição da vida interior que, segundo Bergson, é continuidade, escoamento, passagem, transição, que se bastam a si mesmos, não implicando nem uma coisa que se escoa, nem estados pelos quais se passaria. Essa fluidez da vida interior é, em si mesma, memória, que “prolonga o antes no depois, impedindo-os de ser puros instantes, aparecendo e desaparecendo em um presente que renasceria sem cessar”. Não fosse essa consciência da duração, que se confunde com a memória, e não se teria noção alguma do tempo, pois não é possível conceber uma realidade que dura sem nela introduzir a consciência, a memória.
Caracterizando-se pela sucessão do antes e do depois, o tempo implica uma ligação, uma “ponte entre os dois”, sendo impossível conceber essa ligação sem a memória que é, precisamente, a consciência de tal sucessão. “Sem uma memória elementar que ligue os dois instantes um ao outro, diz Bergson, haverá apenas um ou outro, um instante único, e não antes e depois, não haverá sucessão, não haverá tempo”. Esse tempo, percebido e vivido, que consiste na continuação do que não é mais no que é, não comporta medida, não é mensurável. A rigor, o que se mede, por meio do movimento, não é o tempo, mas a extensão percorrida pelo móvel, o seu rastro no espaço. Fazendo coincidir a trajetória com o trajeto e a linha descrita pelo movimento com o próprio movimento, converte-se o tempo em espaço, tornando-o então mensurável. O tempo de que se ocupam os físicos e os matemáticos é esse tempo espacializado, que não se confunde com a duração, tempo real, irredutível à medida e ao cálculo, tempo absoluto, que se identifica com a intuição do espírito pelo próprio espírito.
Edmund Husserl, em suas Lições para uma fenomenologia da consciência íntima do tempo, cujo tema é a descrição do “tempo fenomenológico”, tal como se revela à intencionalidade da consciência, não procura descrever o tempo do mundo, o tempo “coisificado”, no sentido das ciências da natureza, mas o tempo que surge, a duração emergente, considerados como dados absolutos dos quais não é possível duvidar. O tempo admitido por Husserl não é, pois, o do mundo da experiência, mas o “tempo imanente”, que coincide com o curso da consciência. O que procura elucidar são as condições a priori do tempo, explorando a “consciência transcendental do tempo” mediante a análise de sua constituição essencial.
A exigência a priori, diz Husserl, “se funda na validade das evidências fundamentais relativas ao tempo, que devem ser apreendidas imediatamente e que se tornam evidentes a partir da apreensão intuitiva dos dados das situações temporais”. É da essência a priori do tempo ser uma continuidade de situações (temporais) e que a homogeneidade do tempo absoluto se constitua no escoamento das modificações do passado e na irrupção contínua de um “agora”, do instante criador, “ponto-original” das situações temporais em geral. Também é necessário a essa essência que a sensação, a apreensão, participem do mesmo fluxo temporal e que o tempo absoluto objetivado seja o mesmo que o tempo pertencente à sensação e à apreensão. O tempo imanente à consciência e aos seus atos intencionais é pois a “subjetividade absoluta”, condição a priori de qualquer objetivação temporal.
Em contraste com a concepção vitalista e psicológica, própria do bergsonismo e mesmo com a concepção fenomenológica e idealista de Husserl, Heidegger sustenta uma concepção existencial do tempo e da historicidade do homem. A partir da situação original, que consiste na implicação recíproca homem-mundo, Heidegger procede à “análise existencial” do Dasein (ser-aí, existência humana), procurando revelar seus elementos estruturais. Posto no mundo, o Dasein apresenta uma estrutura pro-jetiva, ou antecipadora, pois não poderia realizar seu ser sem antecipar seu poder ser. Existindo em função do projeto, cuja realização depende de sua liberdade, será essencialmente pré-ocupação, cujo “sentido ontológico” é a temporalidade.
Por que há tempo? Que é que permite a temporalização do tempo, do futuro, em primeiro lugar? A capacidade de antecipar, que permite ao Dasein aceder ao seu ser próprio. “O futuro, diz Heidegger, não significa um momento que ainda não se tornou “real”, e que só o será mais tarde, mas o processo pelo qual o Dasein chega, em seu poder-ser mais autêntico, até a si mesmo”. Esse aceder a si mesmo é um aceder à própria morte, ao que o Dasein já é, pois em sisi mesmo o Dasein é mortal. O futuro realiza, assim, o passado, o qual, por sua vez, não existiria sem o futuro. As fases do tempo se incluem e se excluem o que permite defini-lo como simultaneamente exterior e interior a si mesmo. O homem não é mais o seu passado, a sua infância e, no entanto, ainda é a sua infância, ainda a traz dentro de si. O passado é, pois, um passado ainda presente.
Mas que é o presente? O presente é a “presentificação”, pois, ao temporalizar-se, o Dasein torna o ente presente. “O passado-presente, escreve Heidegger, surge do futuro, de tal modo que o futuro-passado dá nascimento ao presente. Chamamos de temporalidade à unidade desse fenômeno assim estruturado, como futuro-passado-presente. É apenas enquanto determinado como temporalidade que o Dasein pode realizar seu ser total autêntico… A temporalidade se revela como o sentido da preocupação autênti