Filosofia – Pensadores e Obras

suicídio

(gr. exagoge; in. Suicide; fr. Suicide; al. Selbstmord; it. Suicídio).

Os filósofos condenaram o suicídio pelos seguintes motivos:

1) Porque é contrário à vontade divina. Platão afirma que “não é irracional que alguém não possa matar-se antes que a divindade lhe comande essa necessidade” (Fed., 62 c). Este é o ponto de vista constantemente afirmado pelos escritores cristãos (v. para todos eles: suicídio Agostinho, De Civ. Dei, I, 20; Tomás de Aquino, Suma Teológica, II, 2, q. 64, a. 5). A afirmação de que o suicídio é contrário à ordem do destino (Plotino, Enn., I, 9) ou à lei natural (Tomás de Aquino, Suma Teológica, II, 2, q. 64, a. 5) não é diferente, visto que o destino ou a lei natural são manifestações da vontade divina. A esse argumento Hume replicava que nada escapa à vontade divina, nem a morte, natural ou voluntária, e que por isso o suicídio não pode ser considerado contrário à vontade divina ou à ordem das coisas (Of Suicide, em Essays, ed. Green e Grose, II, p. 412).

2) Porque o suicídio não chega a separar completamente a alma do corpo. Este é o argumento aduzido por Plotino contra o suicídio; segundo ele, “quando o corpo é coagido por violência a separar-se da alma, não é ele que permite a partida da alma, mas foi uma decisão da paixão, seja ela tédio, dor ou ira” (Enn., I, 9). Esta também é a razão aduzida por Schopenhauer, segundo quem “o suicídio, longe de ser negação da vontade, é um ato de forte afirmação da vontade” porque “o suicida quer a vida e só está descontente com as condições que lhe couberam” (Die Welt, 1, § 69).

3) Porque é transgressão de um dever para consigo mesmo, pois, como diz Kant, “o homem tem a obrigação de conservar a vida unicamente pelo fato de ser uma pessoa” (Met. der Sitten, II, parte I, § 6).

4) Porque é um ato de covardia. Fichte observava a propósito que também pode ser considerado um ato de coragem. Se, de fato, falta ao suicida coragem “para suportar uma vida que se tornou insuportável”, o suicídio executado com fria premeditação é a expressão do domínio da razão sobre a natureza, que é o instinto de auto-conservaçâo. E concluía: “Se confrontado com o homem virtuoso, o suicida é um covarde; se confrontado com o miserável que se submete à desonra e à escravidão para prolongar por alguns anos o sentimento mesquinho de existir, é um herói” (Sittenlehre, 1798, em Werke, IV, p. 268).

5) Porque é injusto para com a comunidade à qual o suicida pertence. Esta é a razão aduzida por Aristóteles (Et. Nic, V, 11, 11 38a 9). A esse argumento Hume objetava que as obrigações do homem e da sociedade são mútuas; assim, a morte voluntária não anula só as obrigações do homem para com a sociedade, mas também as da sociedade para com ele (Of Suicide, em Essays, cit., p. 413).

Por outro lado, os filósofos consideraram o suicídio lícito ou necessário pelos seguintes motivos:

I) Porque pode ser um dever renunciar à vida quando continuar vivendo impossibilita o cumprimento do dever. Era assim que pensavam os estoicos, cuja doutrina Cícero expõe da seguinte maneira: “Quem possui em maior número as coisas segundo a natureza tem o dever de continuar vivendo; quem, ao contrário, tem ou se acredita destinado a ter em maior número as coisas contrárias, tem o dever de sair da vida. Donde se segue que o sábio às vezes tem o dever de sair da vida mesmo sendo feliz, e o tolo, de continuar vivendo mesmo sendo infeliz” (De finibus, III, 18, 60; v. Sêneca, Ep., 12).

II) Porque é uma afirmação da liberdade do homem contra a necessidade. Epicuro dizia: “É uma desventura viver na necessidade, mas viver na necessidade não é em absoluto necessário”; e Sêneca comentava: “Agradecemos a Deus que ninguém possa ser retido em vida contra sua própria vontade: é possível esmagar a própria necessidade” (Ep., 12). A exaltação da morte por Zaratustra tem o mesmo motivo: “Louvo minha morte, a morte livre, que vem porque eu quero. E quando vou querer? Quem tem uma meta e um herdeiro quer a morte na hora certa, pela sua meta e por seu herdeiro” (Also sprach Zarathustra, I, Da livre morte).

III) Porque pode ser a saída para uma situação insustentável e o único modo de salvar a dignidade e a liberdade. Desse ponto de vista Hume afirmava que “o suicídio está de acordo com o interesse e o dever pessoal: isso não pode ser questionado por quem reconhece que a idade, a doença e a infelicidade podem transformar a vida num peso insustentável e torná-la pior que o aniquilamento” (Of Suicide, em Essays, cit., p. 414). Na filosofia contemporânea, Jaspers aduziu o mesmo argumento em favor do suicídio (Phil, 11, pp. 303 ss.), e Sartre escreveu: “Se estou mobilizado numa guerra, essa é a minha guerra: ela é à minha imagem e eu a mereço. Mereço antes de tudo porque podia ter-me subtraído dela com o suicídio ou com a deserção: essas possibilidades extremas devem sempre ser levadas em conta quando é preciso enfrentar alguma situação” (Vêtre et le néant, p. 639). [Abbagnano]


É a destruição direta da vida própria por impulso próprio (não, p. ex., como execução da pena de morte). Para lei moral natural é proibido o suicídio até mesmo em casos excepcionais (em enfermidades graves e incuráveis, em perigos que ameaçam a honra e a boa reputação), porque ele significa uma intervenção injustificada no direito, reservado somente ao Criador, sobre a vida humana. Deus deve reservar-se o direito de fixar um termo à vida do homem, porque esta vida tem o caráter de tempo de prova, e nunca pode ser permitido a quem sofre uma prova determinar por si próprio a duração da mesma. O suicida só aparentemente dá mostras de fortaleza. A maior e autêntica fortaleza, que se pode praticar por um bem moral, patenteia-a o homem, quando, no meio das mais graves aflições, sabe resistir no posto que lhe foi marcado por Deus (Platão). A responsabilidade de evitar a desonra, o escândalo, etc, vai até onde se dispõe de meios lícitos. — O suicídio é também uma grave violação do verdadeiro amor de si, porque o homem pelo suicídio livremente querido torna impossível para si a consecução do fim da vida: a eterna felicidade. A glorificação do suicídio pelo estoicismo e por não poucos autores modernos não está ao serviço da autêntica responsabilidade moral ante a vida e as obrigações que esta implica. Do mesmo modo que o suicídio, são igualmente ilícitas a automutilação, a castração e a esterilização. Só em atenção ao bem de todo o corpo se pode lesar ou amputar um membro. Distinta do suicídio e permitida por imperiosas razões é a morte indireta ou exposição da vida a grave risco, na qual de uma ação lícita se seguem direta e imediatamente (isto é, sem que a morte se converta em meio) um efeito bom e a morte ou aceleração da mesma. Causas do suicídio e de sua frequência são a disposição mórbida, a pressão social, mas, principalmente, o definhamento da crença em Deus, que não deixa prevalecer a reta concepção da vida com suas forças consoladoras nem o sentimento de responsabilidade. — Schuster. [Brugger]


Durkheim aprova o fenômeno da divisão orgânica do trabalho, vendo nela um desenvolvimento normal e, em última análise, feliz das sociedades humanas. Considera como coisas boas a diferenciação dos ofícios e dos indivíduos, a redução da autoridade da tradição, o crescente domínio da razão, o desenvolvimento da parte deixada à iniciativa pessoal (R. Aron). Entretanto, registra também elementos de insatisfação e acena de passagem para o aumento do número de suicídios, tema sobre o qual, em 1897, publicou O suicídio, onde, depois de discutir sobre a predisposição psicológica e sobre a determinação social do suicídio, Durkheim, baseando-se em comparações estatísticas, distingue três tipos de suicídio, que correspondem a três tipos de solidariedade social.

Há o suicídio altruísta: trata-se do suicídio provocado por motivos sociais, como quando um homem se mata para evitar o opróbio da desonra ou como quando uma pessoa anciã de tribo nômade tira a própria vida para evitar ser peso para o grupo. O suicídio altruísta se verifica no seio de grupos fortemente coesos, onde os fins coletivos são vividos e considerados como superiores aos fins individuais e onde o indivíduo conta unicamente em função do grupo. Ao lado do altruísta, porém, há o suicídio egoísta, que se dá em pessoas pouquíssimo ligadas ao grupo. Em outros termos, o suicídio egoísta é típico de situação social em que prevalecem a responsabilidade, a iniciativa individual e a livre escolha pessoal, na qual a crise deve ser enfrentada mais com meios e recursos pessoais do que institucionais. Por fim, além do suicídio altruísta e do egoísta, há ainda o suicídio anômico. A anomia (a-nomos = privado de leis) é uma situação social na qual não existem mais leis ou regras ou, se existem, são confusas, contraditórias ou então ineficazes. Nessa situação, até quando o grupo permanece, não há mais qualquer solidariedade e o indivíduo não conta mais com sistemas de apoio nem com pontos de referências. A anomia é estado de desordem. Durkheim se deu conta de que o percentual de suicídios aumenta nas épocas de forte depressão econômica e dissenção social, mas viu que esse percentual também cresce nos períodos de prosperidade imprevista: segundo ele, a depressão e a prosperidade levariam à derrocada das expectativas e, com isso, ao aumento dos suicídios.

Por outro lado, Durkheim também apresenta muitas exemplificações de suicídios altruístas e egoístas, em confirmação às suas ideias. Assim, por exemplo, passamos a saber que o número de suicídios é muito elevado entre os livres-pensadores, bem como entre os protestantes, ao passo que entre os católicos o percentual é baixo e mais baixo ainda entre os judeus, devido à integração social produzida por suas respectivas crenças. Durkheim nos diz ainda que se registram mais suicídios entre os solteiros, os divorciados e os viúvos do que entre os casados, da mesma forma que, entre estes, são mais numerosos nas pessoas casadas sem filhos do que nas casadas com filhos. [Reale]