(in. Rationalism; fr. Rationalisme; al. Rationalismus; it. Razionalismó).
Em geral, a atitude de quem confia nos procedimentos da razão para a determinação de crenças ou de técnicas em determinado campo. Esse termo foi usado a partir do séc. XVII para designar tal atitude no campo religioso: “Há uma nova seita difundida entre eles [presbiterianos e independentes], que é a dos racionalistas: o que a razão lhes dita, eles consideram bom no Estado e na Igreja, até que achem algo melhor” (Clarendon, State Papers, II, p. XL, na data de 14-X-1946). Nesse sentido Baumgarten dizia: “racionalismo é o erro de quem elimina da religião todas as coisas que estão acima da própria razão” (Ethica philosophica, 1765, § 52).
Kant foi o primeiro a adotar esse termo como símbolo de sua doutrina, estendendo-o do campo religioso para os outros campos de investigação. Deu o nome de racionalismo à sua filosofia transcendental (no texto de 1804 sobre os “Avanços da Metafísica”, Werke, V, 3, p. 101), ao passo que chamava de noologistas ou dogmáticos os filósofos que a historiografia alemã do séc. XIX chamou depois de racionalistas: de um lado Platão e de outro os seguidores de Wolff (Crítica da Razão Pura, Doutr. do Método, cap. IV). No terreno da moral, defendia “o racionalismo do juízo, que da natureza sensível toma apenas o que a Razão Pura pode pensar por si, ou seja, a conformidade com a lei”, opondo-se por isso ao misticismo e ao empirismo da razão prática (Crít. racionalismo Prática, I, cap. II, Da tipologia do juízo puro prático). No campo estético, falava analogamente de um “racionalismo do princípio do gosto” (Crít. dojuízo, § 58). Finalmente, caracterizava como racionalismo seu ponto de vista em matéria religiosa: “O racionalista, em virtude desse mesmo título, deve manter-se nos limites da capacidade humana. Portanto, nunca usará o tom contundente do naturalista nem contestará a possibilidade nem a necessidade de uma revelação. (…) Porquanto sobre tais assuntos nenhum homem pode decidir o que quer que seja pela razão” (Religion, IV, seç. I; trad. it., Durante, p. 169).
Por outro lado, Hegel foi o primeiro a caracterizar como racionalismo a corrente que vai de Descartes a Spinoza e Leibniz, opondo-o ao empirismo de origem lockiana. Por racionalismo ele entendeu a “metafísica do intelecto”, que é a “tendência à substância, em virtude da qual se afirma, contra o dualismo, uma única unidade, um único pensamento, da mesma maneira como os antigos afirmavam o ser” (Geschichte der Philosophie, ed. Glockner, III, pp. 329 ss.; trad. it., III, 2, pp. 68 ss.). A contraposição entre racionalismo é empirismo fixou-se depois nos esquemas tradicionais da história da filosofia, por mais que o próprio Hegel notasse seu caráter aproximativo. Quanto ao “racionalismo religioso”, Hegel afirmava que ele é “o oposto da filosofia” porque coloca “o vazio no lugar do céu” e porque sua forma é um raciocinar sem liberdade, e não um entender conceitualmente” (Ibid., I, p. 113; trad. it., I, p. 95). Com base nessas observações históricas, pode-se dizer que o termo em foco compreende os seguintes significados:
1) O racionalismo religioso designa algumas correntes protestantes, ou um ponto de vista semelhante ao de Kant.
2) O racionalismo filosófico designa propriamente a doutrina de Kant (que adotou esse termo), ou então a corrente metafísica da filosofia moderna, de Descartes a Kant.
3) Em sua significação genérica, pode ser usado para indicar qualquer orientação filosófica que recorra à razão. Mas, nessa acepção tão vasta, esse termo pode indicar as filosofias mais díspares e carece de qualquer capacidade de individualização. [Abbagnano]
(do latim ratio: razão, entendimento).
sistema baseado na razão, em contraposição aos sistemas baseados na revelação ou no sentimento. — Como teoria da origem de nosso, conhecimento, o racionalismo contrapõe-se ao empirismo, que sustenta derivarem todas as nossas ideias da experiência. O racionalismo afirma que, mesmo se descobrimos nossas ideias “em contacto” com a experiência, elas não se originam menos do espírito, e não simplesmente do hábito e da repetição das coisas. Tal é o ponto de vista de Platão, Descartes e Kant. — Como teoria do ato voluntário, o racionalismo contrapõe-se ao voluntarismo, que vê um impulso irracional na origem de toda ação humana: para o racionalista, por exemplo, o artista que cria uma escultura reproduziria um modelo que haveria em seu espírito; para o voluntarista, que nisso está certo, não há modelo válido antes da criação, e “os projetos só se desenvolvem sobre o esboço” (Alain). Na verdade, é necessário distinguir, na conduta humana, ação de tipo “racional” (toda atividade industrial, por exemplo) e ações de tipo “voluntarista” (a maioria das ações humanas). — Finalmente, no domínio religioso, o racionalismo pretende que todas as verdades da fé sejam analisáveis e que se possa adquirir delas um saber perfeitamente claro (Malebranche). [Larousse]
O conhecimento humano é um todo concreto, que coalesce com as contribuições dos sentidos e do entendimento. A íntima união destas duas contribuições encontra sua expressão na teoria da abstração e do conhecimento do essencial no fenômeno sensível. Além disso, acrescem, na realização global da vida, as potências da vontade e do sentimento. Quando um destes elementos é postergado ou totalmente negado em sua peculiaridade em favor do entendimento, desembocamos no racionalismo. Este nem sempre se manifesta como doutrina explícita, mas, às vezes, apresenta-se como atitude psicológica motivada pela disposição intelectual, pela ocupação predominante ou por outras causas. Este racionalismo, como, atitude, manifesta-se em todos os períodos da história e nas várias correntes do pensamento filosófico. Avalia ele, de maneira unilateral, o saber exclusivamente pelo saber, ao qual, por conseguinte, devemos aspirar “sem pressuposições” (pressuposição), prescindindo do significado da vida ou dos fins da vontade. Esta atitude esquece que todo saber, dirigido ao finito, como atividade parcial do homem dentro do conjunto de sua vida, não passa, em última instância, de puro meio e, por isso mesmo, conduz a uma ciência infecunda e alheia à vida.
O racionalismo epistemológico, como doutrina, foi propugnado especialmente por Descartes, Spinoza e pela filosofia do iluminismo (Leibniz, Wolff). A desagregação da síntese aristotélico escolástica de alma e corpo (relação entre corpo e alma), iniciada no nominalismo tardio, e a concomitante separação do conhecimento sensorial e do conhecimento intelectual levou, em Descartes, à doutrina das ideias inatas. Mas, se os conceitos não deviam ser obtidos por abstração e indução, a partir da experiência, senão que eram, no fundo, da mesma espécie que as ideias criadoras de Deus, então com o auxílio deles devia ser possível um tratamento apriorístico-dedutivo de todas as ciências. O racionalismo foi consolidado nesta concepção pelo ideal científico da matemática que então seduzia os ânimos, segundo o qual todo conhecimento certo é consequência de princípios necessários e apriorísticos do entendimento. Segundo o racionalismo, a única fonte do conhecimento humano é a razão. As sensações não são mais do que ideias confusas, baralhadas. — A exageração do racionalismo suscitou a reação contraria do empirismo inglês. Kant tentou desfazer o conflito, estabelecendo uma ponte, entre as duas posições antagônicas, mas não o conseguiu completamente, porque as formas subjetivas e os conceitos do entendimento são estranhos e permanecem alheios à matéria das sensações por eles moldadas.
O racionalismo epistemológico não satisfaz à totalidade do conhecimento humano, porque o restringe indevidamente, sob dois aspectos: em primeiro lugar, não reconhece a substantividade do conhecimento sensorial e, consequentemente, faz que o conhecimento degenere em formalismo oco, com o que se prende a falta de compreensão histórica frequentemente notada no racionalismo; em segundo lugar, porque, apesar da aparente aproximação dos conceitos humanos às ideias divinas, limita o conhecimento racional ao modo especificamente humano do pensamento discursivo-conceptual (racional) e converte essa limitação em norma suprema de todo conhecimento e de todo ser.
Da aplicação destas ideias à teologia surge o racionalismo teológico, o qual afere tudo, inclusive a fé e a revelação, pela bitola da razão puramente humana, não admitindo nada que a supere (Mistério). Este racionalismo ou só admite uma religião da razão em geral ou despoja a religião positiva de todo caráter de mistério e procura explicá-la de maneira histórico-imanente.
Assim como o racionalismo epistemológico, perante a razão, desdenha do conhecimento sensorial, assim o racionalismo ético prejudica a vontade e as potências emocionais. Segundo ele, só o conhecimento e a ciência do bem são decisivos para o comportamento moral. Representante típico do racionalismo ético é Sócrates (vide socrático). — Muitas vezes, o termo “racionalismo” é tomado como sinônimo de intelectualismo; sobre a diferença entre ambos, vide intelectualismo. — Brugger.
O vocábulo racionalismo pode ser compreendido de três maneiras:
1. Como designação da teoria segundo a qual a razão, equiparada com o pensar ou a faculdade pensante, é superior á emoção e à vontade; temos então um racionalismo psicológico. 2. Como nome da doutrina para a qual o único órgão adequado ou completo do conhecimento é a razão, de modo que todo o conhecimento verdadeiro tem origem racional; fala-se em tal caso de racionalismo gnoseológico ou epistemológico. 3. Como expressão da teoria que afirma que a realidade é, em último termo, de caráter racional; este é o racionalismo metafísico. As três significações de racionalismo têm se combinado com frequência. No entanto, é possível admitir um dos citados tipos de racionalismo sem se aderir aos restantes.
As diferenças entre racionalismo e voluntarismo ou empirismo, ou intuicionismo, não são cortantes. Em grande medida, os empiristas modernos – especialmente os grandes empiristas ingleses: Locke, Hume e outros -, embora costumem combater o chamado racionalismo continental, -de Descartes, Leibniz, etc -, nem por isso deixam de ser racionalistas, pelo menos sob o aspecto do método usado nas suas respectivas filosofias. Por isso se preferiu definir o racionalismo não como um mero e simples uso da razão, mas como o abuso dela. Em particular, e em especial durante a época moderna, considerou.-se o racionalismo como uma tendência comum a todas as grandes correntes filosóficas, o que sucedeu é que algumas destas acolheram certas linhas do racionalismo metafísico, enquanto outras se limitaram ao racionalismo gnoseológico.
Muito influente foi o racionalismo – especialmente o metafísico – na clássica grega. Nalguns casos (como em Parmênides) alcançou caracteres extremos, pois a afirmação da suposta racionalidade completa do real exigiu a negação de quanto não seja completamente transparente ao pensamento racional e ainda ao pensamento racional baseado no princípio ontológico de identidade. Para Parmênides, só é predicável o ser imóvel, indivisível e único, que satisfaz todas as condições da racionalidade. Noutros casos (como em Platão) atenuou-se esta exigência de completa racionalidade (metafísica e gnoseológica), dando-se cabimento no sistema do conhecimento aos fenômenos e considerando-se as opiniões como legítimos saberes. Mas visto que as opiniões são suficientes sob o aspecto de um saber completo, o racionalismo volta a surgir. Se a realidade verdadeira é o inteligível, e o inteligível é racional, a verdade, o ser e a racionalidade serão o mesmo, ou pelo menos serão três aspectos de uma mesma maneira de ser. Contra estas tendências racionalistas ergueram-se na antiguidade numerosas doutrinas de caráter empirista. Algumas destas, têm ainda uma componente racionalista muito forte. Noutras, o racionalismo desaparece quase por completo. É necessário observar que em numerosas tendências racionalistas antigas, o racionalismo não se opõe ao intuicionismo, na teoria do conhecimento, porquanto se supõe a razão perfeita é equivalente à intuição perfeita e completa. As correntes citadas subsistiram durante a idade média, mesmo quando ficaram notavelmente modificadas pela diferente posição dos problemas. A contraposição entre a razão e a fé e as frequentes tentativas para encontrar um equilíbrio entre ambas alteraram substancialmente as caraterísticas do racionalismo medieval. Ser racionalista não significou forçosamente, durante a idade média, admitir que toda a racionalidade fosse racional, na medida em que fosse completamente transparente à razão humana. Podia-se considerar o racionalismo como a atitude de confiança na razão humana com a ajuda de Deus. Podia-se admitir o racionalismo como tendência susceptível ou não de se integrar dentro do sistema das verdades da fé. Ao mesmo tempo, podia-se considerar o racionalismo como uma posição na teoria do conhecimento, em cujo caso se contrapunha ao empirismo.
O impulso dado ao conhecimento racional por Descartes e o cartesianismo e a grande influência exercida por esta tendência durante a época moderna, conduziu alguns historiadores a identificar a moderna com o racionalismo e a supor que tal constitui a maior tentativa jamais realizada com o fim de racionalizar completamente a realidade. Não pode negar-se que há muito disso nos esforços de autores como Descartes, Malebranche, Espinosa, Leibniz e até num filósofo como Hegel. No entanto, há nas citadas situações muitos outros elementos junto do racionalismo. Além disso, não obstante a confiança na razão atrás aludida, que opera também nos autores usualmente classificados de empiristas, é preciso ter em conta o grande trabalho realizado por estes com o fim de examinar a função dos elementos não estritamente racionais, no conhecimento e, por extensão, na realidade conhecida. Finalmente, a teoria da razão elaborada por muitos autores modernos geralmente mais complexa que a desenvolvida pelas antigas e medievais, de modo que pode concluir-se que se imperou o racionalismo foi porque previamente se ampliaram as possibilidades da razão. Deve distinguir-se entre o racionalismo do século dezassete e o do século dezoito. Enquanto no século dezassete o racionalismo era a expressão de uma suposição metafísica e ao mesmo tempo religiosa, pela qual se faz de Deus a suprema garantia das verdades racionais e, por conseguinte, o apoio último do universo concebido como inteligível, o século dezoito entende a razão como um instrumento mediante o qual o homem poderá dissolver a obscuridade que o rodeia; a razão do século dezoito é simultaneamente uma atitude epistemológica que integra a experiência e uma norma para a ação moral e social. A esta distinção entre dois tipos de racionalismo moderno pode agregar-se a forma que assumiu o racionalismo de Hegel e várias tendências evolucionistas do século dezanove; em todas elas se tenta ampliar o racionalismo até incluir a possibilidade de explicação da evolução e até da história.
Durante os séculos dezanove e vinte, produziram-se muitos equívocos em torno da significação de racionalismo, por se não precisar suficientemente o sentido do termo. Muito frequente foi combater o racionalismo clássico e tentar integrar a razão como elemento que usualmente se consideram contrapostos a ela. Como a vida, a história, o concreto, etc. importante fazer constar que nesta oposição ao racionalismo clássico coincidem a maior parte das tendências contemporâneas; Portanto, não só o racionalismo existencializada e outras tendências declaradamente opostas ao racionalismo moderno, mas também o empirismo, o positivismo, o analitismo, etc, que se consideram a si mesmos como fiéis à tradição racionalista. Pode dizer-se que na época atual surge um novo conceito de racionalismo, o que volta a provar que, tanto sistemática como historicamente, é pouco apropriado definir o vocábulo racionalismo de um modo unívoco. [Ferrater]
a) O método, ou melhor, a teoria filosófica, para a qual o critério seguro do conhecimento é o intelectualmente dedutivo e não o dado pela intuição sensível nem afetiva.
b) Em geral considera-se racionalismo a introdução dos métodos matemáticos na filosofia, mas aqui matemática é tomada no sentido vulgar. A base do racionalismo que vem de Descartes através de Spinoza e Hegel funda-se na verdade de irrecusáveis princípios a priori, que nos dão os meios claros e evidentes da verdade, já que os sentidos nos oferecem os fatos confusamente. Por essa concepção a experiência só é possível a um espírito possuidor de razão. O racionalismo põe toda a sua fé na razão e se opõe ao irracionalismo e às certezas de ordem afetivas. Chamam os teólogos de racionalistas aqueles que se apegam apenas à razão e só aceitam os dogmas que podem ser justificados racionalmente.
c) Para alguns é sinônimo até de irreligiosidade. Pode ser teológico ou filosófico. Teológico é o sistema que afirma não admitir a revelação nem mistérios, mas apenas as verdades adquiridas pela razão natural e que esta pode provar. Filosófico é o sistema dos que ensinam que todas as coisas devem ser demonstradas por dedução, partindo-se de algumas verdades prévias, nada devendo-se admitir sem demonstração. [MFSDIC]