Historicamente, a consideração da ordem da natureza foi o que primeiro sugeriu, desde o alvor da filosofia ocidental, o argumento para chegar a um fundamento primitivo espiritual do mundo (noûs). Esboços desta “prova teleológica” já se encontram em Anaxágoras, depois em Platão, nos estoicos e em Cicero; os apologistas cristãos dos séculos II e III aduzem-na explicitamente como demonstração de um Deus pessoal e supramundano. — A doutrina platônica das ideias contém as ideias básicas da prova pelos graus de perfeição (prova dos graus de perfeição): a diversidade de graus de beleza e de bondade, que há nas coisas, mostra que elas são belas e boas “por participação” e pressupõe, como fundamento último e arquétipo, a pura e imutável Beleza e Bondade. Estas ideias exerceram especial influência em S. Agostinho e S. Anselmo e, através destes, em S. Tomás de Aquino e na filosofia escolástica. Aristóteles, em sua prova pelo movimento (prova cinesiológica), parte do movimento local dos corpos, principalmente das revoluções das esferas celestes, e daí conclui a existência de Deus como Primeiro Motor, o qual movendo apenas enquanto fim desejado, permanece imóvel. Contrariamente a isto, S. Tomás mostra que Deus, sem prejuízo de sua imutabilidade, deve ser admitido também como Causa eficiente; mas, sobretudo, eleva a prova a um plano metafísico, ao conceber o “movimento” como trânsito da potência ao ato. Apesar disso, a prova encontrou muitos críticos até dentro da escolástica. — Em Cícero e nos apologistas cristãos da Antiguidade, encontram-se as ideias fundamentais da prova, tomadas da persuasão concorde dos povos sobre a existência de Deus (prova histórica ou etnológica). — A prova de S. Agostinho, fundada na imutabilidade da verdade, que pressupõe uma verdade primeira, subsistente, tem sido objeto de múltiplas interpretações. Provavelmente, não deve ela ser tomada como “prova ideológica” que da validade pura infere a necessária base ontológica da mesma, mas no sentido de o raciocínio chegar a Deus como luz que ilumina nosso espírito e como Verdade subsistente, fundamento primitivo e arquétipo do (ontologicamente) verdadeiro. — S. Anselmo de Cantuária foi quem primeiro se propôs demonstrar a existência de Deus só a partir do seu conceito. Esta prova, que no século XVIII recebeu o nome de “prova ontológica” (argumento ontológico), foi retomada por Descartes e, em forma mais depurada, por Scotus e Leibniz; pelo contrário, foi rejeitada não só por Kant, como também por S. Tomás e pela maioria dos escolásticos. — Tornaram-se clássicas as provas que S. Tomás expôs em suas “cinco vias”. Todas elas, baseadas no princípio de causalidade, levam à conclusão de Deus, Causa primeira do universo. Ulterior amplificação encontraram as provas da existência de Deus entre os apologistas do século XVIII, na luta contra o ateísmo da época. Neles aparece, pela primeira vez, a classificação das provas em metafísicas, físicas e morais. Enquanto as provas metafísicas passavam a plano Secundário, as preferências iam para as “físicas” (nomeadamente para a teleológica, então denominada “prova físico-teleológica”) e para as morais. Entre estas últimas contam-se, além da etnológica, a prova moral em sentido estrito, isto é, baseada na obrigação moral que pressupõe um legislador divino (“prova ético-teológica”) e a prova tomada da inata aspiração do homem à felicidade, posteriormente denominada prova eudemonológica, a qual chega à conclusão de Deus como supremo Bem e fim último do homem. Recentemente tentaram-se outras provas, p. ex., a fundada na necessidade de um primeiro princípio temporal do mundo, o qual se procurou demonstrar por considerações apriorísticas ou com a ajuda da lei física da entropia, isto é, da transformação crescente de toda energia em energia calorífica (prova da entropia). De modo análogo, se intentou mais recentemente calcular o início da evolução do universo, tomando como fundamento a progressiva expansão deste e a desintegração da matéria radioativa.
Perante a acumulação de provas da existência de Deus no transcurso dos séculos, hoje, no tratamento sistemático delas, com razão se atribui a importância máxima à sua sustentação fundamental e à sua estabilidade. A este respeito, merecem a preferência as provas “clássicas” de S. Tomás. Partem elas de notas ou caracteres experimentalmente comprováveis, peculiares de todo ente intra-mundano; por essa forma demonstram a contingência metafísica deste e, com o auxílio do princípio de causalidade, concluem a existência de Deus como Causa primeira do mundo. Assim, a prova teleológica, partindo da característica da ordem experimental da natureza, infere que nas coisas, principalmente nos seres vivos, deve admitir-se uma autêntica finalidade produzida pelo espírito; mas, como o espírito ordenador não se encontra nem nos seres particulares naturais, nem no universo como conjunto (à maneira de alma cósmica), deve necessariamente exigir-se um Ordenador supramundano. A prova pelo movimento, entendida meta-fisicamente, mostra como todo ato, que é enriquecimento ontológico de um ente, de si apenas potencial, depende de outro ser atual no aspecto respectivo, e, por essa forma, chega finalmente a um Ato puro, fundamento primário de toda evolução neste mundo temporal. A prova cosmológica (prova da contingência), baseando-se no nascimento e no deperecimento das coisas, conclui a contingência das mesmas, e partindo da mutabilidade própria também dos elementos constitutivos fundamentais cuja origem não pode ser mostrada experimentalmente, infere sua natureza também contingente, provando dessa maneira que o mundo todo é causado por um Criador supramundano. A mais profunda e, a um tempo, a mais difícil prova da existência de Deus é a prova dos graus. Tomando como base a finitude de todas as coisas mundanas, mostra que as perfeições puras ontológicas só lhes advêm “por participação”, e, por conseguinte, não de maneira necessária; por essa forma, conduz a uma Causa primeira que, como Ser subsistente, é a infinita plenitude do ser. Esta prova é completada pela prova henológica, a qual, partindo da multiplicidade numérica de perfeições especificamente iguais neste mundo, infere, de modo idêntico, o “ser-por-participação” das mesmas e com isso demonstra a unicidade do Ser subsistente.
As restantes provas afastam-se destas clássicas, em grau maior ou menor. Os argumentos baseados no começo temporal do universo ou do acontecer cósmico, p. ex., a prova da entropia, concluem com a ajuda do princípio de causalidade, mas o centro de gravidade desloca-se para a comprovação da característica (do começo temporal) indicadora de contingência. Afora isso, graves objeções se têm erguido contra esta prova. Outras provas, deixando de lado a ideia de causalidade eficiente, procurem mostrar diretamente Deus como arquétipo ou fim do universo. Entre estas últimas conta-se, sobretudo, a prova eudemonológica, que se fundamenta no “princípio de infrustrabilidade do fim” (princípio de finalidade) e, por conseguinte, na propriedade de “ter-sentido” que convém a todo ser; neste caso surge a questão: se com isso não se pressupõe já a sabedoria do Criador. As provas moral e histórica apresentam, em comum, a particularidade de não referir a Deus como Causa (eficiente, final ou exemplar) o ser real de um ente intra-mundano, mas de partir de uma espécie de união intencional de nossas faculdades espirituais, para explicá-la, embora não de igual modo, partindo de um influxo de Deus: a união moral de nossa vontade (que, é claro, tem de pressupor-se) só pode realizar-se mediante uma lei divina; a união naturalmente necessária do entendimento, tal como se manifesta na persuasão universal, só encontra explicação na evidência da existência de Deus. Na prova ideológica deveria mostrar-se que o trânsito da mera validade da verdade ao ser eterno de uma verdade subsistente não se justifica. Com maior razão, devido ao trânsito injustificado da ordem puramente mental à ordem ontológica, deve ser rejeitada a prova ontológica, a qual por seu modo de proceder apriorístico se aparta, o máximo possível, dos argumento clássicos. — De Vries. [Brugger]
A existência de Deus.
Se a filosofia de Descartes não pudesse sair daqui, encalharia naquilo que se chama “solipsismo”, ou seja: existo eu e meus pensamentos, e mais nada. Porém eis aqui que Descartes descobre dentre os pensamentos claros e distintos um pensamento, um só, que talvez seja o único que tem em sisi mesmo a garantia de que o objeto pensado existe fora do pensamento. De modo que há um pensamento que se distingue de todos os demais pensamentos claros e distintos porque contém no próprio pensamento esta garantia de existência do seu objeto. E este pensamento único é o pensamento de Deus, a ideia de Deus. A ideia de Deus é tal que se a examinamos como tal ideia, encontramos nela, não somente que pensamos num ente (Deus) do qual não sabemos se existe ou não existe, mas que pensamos num ente (Deus) e que este pensamento contém uma porção de caracteres segundo os quais Deus, além de ser objeto do meu pensamento, existe realmente fora de mim. E então desenvolve esses caracteres que a ideia de Deus tem, na forma de três provas, de três demonstrações da existência de Deus.
A primeira demonstração da existência de Deus, consiste em considerar o pensado por nós quando pensamos em Deus; e em examinar a própria ideia de Deus. Examinamos essa ideia e encontramos a ideia de um ser infinito, perfeito, infinitamente bom, onisciente; todo-poderoso. Ora: essa ideia que temos, que pensamos, esse objeto que ainda não sei se existe ou não, mas que está contido dentro do meu pensamento. Como poderíamos nós tê-lo formado?
Donde poderíamos nós ter tirado essa ideia? Não de nós mesmos, porque o contido nessa ideia é tão enormemente superior a tudo quanto nós somos, que não é possível que de nós mesmos, de nosso próprio fundo, tenhamos extraído o referido nessa ideia. O mencionado nessa ideia é tão enormente transcendente, tão por cima das possibilidades de invenção e combinação que possa haver em nosso pensar em geral, que sem dúvida alguma não é possível outra coisa senão que o conteúdo nessa ideia, essa perfeição infinita, essa “infinidade”, responda a uma realidade fora dela.
A segunda prova que dá Descartes da existência de Deus é uma aplicação da prova que dá Aristóteles. A que dá Descartes é a seguinte: eu existo; tal é a primeira verdade que descobri ao afastar minha vista dos objetos e concentrá-la sobre os pensamentos. Descobri-me a mim mesmo, como eu pensante. Eu existo, mas eu, que existo, tenho uma existência cujo fundamento não percebo, não vejo. Eu existo com uma existência contingente. Não vale dizer que devo a existência a meus pais; não vale dizer que no passado e no futuro minha existência permanece; porque não há nenhum motivo pelo qual se dê na minha existência a prolongação dela dentro de um momento ou de ter existido um momento antes. Por conseguinte, minha existência é contingente; não é necessária. E se minha existência é contingente, necessita um fundamento. Mesmo que eu vá longe tomar este fundamento, subindo a outro e a outro e a outro, terei que acabar sempre, de longe e de perto, admitindo um ser, uma existência (Deus), que seja o fundamento da minha.
A terceira prova da existência de Deus que dá Descartes é o famoso argumento ontológico. Descartes lhe concede uma importância especial; tanto que lhe consagra quase uma meditação inteira. Expõe-no num capítulo distinto do capítulo em que expôs os dois argumentos anteriores. O argumento ontológico consiste em assinalar a característica da ideia de Deus como uma ideia singularíssima, única, na qual o pensamento de Deus contém também sua existência. O pensamento desse objeto — Deus — é o pensamento de um objeto em cujas notas características, em cujo objeto pensado está também a existência. Vou formular o argumento ontológico de uma maneira não cartesiana; falsa, por conseguinte, e que não responde ao espírito de Descartes, mas que nos ajudará a entendê-lo. Eu tenho a ideia de um ser perfeito; este ser existe. Demonstração: um ser perfeito tem todas as perfeições; a existência é uma perfeição; logo o ser perfeito tem existência. Descartes não o formula nesta forma silogística, mas nessa outra, ou seja: no pensamento da essência do ser perfeito está contida necessariamente a existência; e está contida a existência como uma das notas que ao mesmo tempo resulta ser nota do conteúdo do pensamento e nota da realidade objetiva do pensamento. Descartes considera a ideia de Deus como a única das ideias que leva em si mesma a marca, a garantia de sua realidade exterior.
De todos os argumentos de que se vale Descartes, o único no qual realmente acredita profundamente é este último. O segundo, o da contingência da existência, ultrapassa por completo o círculo, a maneira de pensar cartesiana. Parte de existências: da existência do eu, o qual já é um mal para Descartes; é um pis aller verdadeiro. Os únicos argumentos nos quais confia são o primeiro e o terceiro; no terceiro sobretudo. [Morente]
VIDE dialética transcendental
Passa Kant à terceira parte de seu estudo, na Crítica da Razão Pura, que se refere à existência de Deus. Kant encontra também, nas provas que tradicional mente se vêm dando da existência de Deus, um erro de raciocínio, o qual consiste — como os anteriores — em eludir a razão, as condições de todo conhecimento possível, de toda objetividade possível.
Kant agrupa as provas tradicionais da existência de Deus em três argumentos principais: o argumento ontológico, o argumento cosmológico e o argumento físico-teleológico.
O argumento ontológico é aquele que Descartes nos expõe numa de suas Meditações metafísicas. Descartes não foi o primeiro em expô-lo, mas provavelmente o estudou já em Santo Anselmo. É o argumento que todos recordamos: eu tenho a ideia de um ser, de um ente perfeito; este ente perfeito tem que existir, porque se não existisse faltar-lhe-ia a perfeição da existência e não seria perfeito.
Kant discute este argumento e mostra que a existência, aquilo que chamamos existência, tem um sentido muito claro e muito completo na série das condições do conhecimento possível. Existir, a existência, é uma categoria; e uma categoria formal, como o espaço, o tempo, a causalidade, a substância, que nós aplicamos, mas que não podemos legitimamente aplicar mais que a percepções sensíveis. Se nós não aplicássemos a categoria de existência à percepção sensível, teríamos de dizer, como Hume, que nossas percepções sensíveis são nada mais que nossas, e que não lhes correspondem nada fora de nós. Mas justamente o aplicarmos às percepções sensíveis a categoria de existência, de substância, de causa, é o ato pelo qual estabelecemos os objetos a conhecer, os fenômenos. Este é o sentido da existência. De modo que para afirmar que algo existe não é suficiente ter a ideia deste algo, mas ademais há de se ter a percepção sensível correspondente; tê-la ou poder tê-la. É assim que de Deus não temos, não podemos ter a percepção sensível correspondente; logo não podemos em virtude de sua ideia, afirmar sua existência. Ou, dito de outro modo, podemos dizer: eu tenho a ideia de um ente perfeito e tenho a ideia de que este ente perfeito existe, porque na ideia de um ente perfeito está contida a ideia da existência. Porém, não saímos da ideia. A existência autêntica, ou, como diz Kant, “aquilo que diferencia cem táleres realmente existentes de cem táleres ideais” não é mais que isto: que os cem táleres reais são sensíveis, perceptíveis. E isso é justamente que falta à ideia de Deus.
Depois examina Kant o argumento cosmológico. Consiste em ir enumerando séries de causas até ter que chegar a deter-se numa causa incausada, que é Deus. Para Kant o erro do raciocínio consiste em que so deixa de aplicar de repente a categoria de causalidade sem motivo algum.
Kant examina, por último, o argumento físico-teleológico, que é o argumento popular por excelência, é o da finalidade. É o de descrever e descobrir na Natureza uma porção de formas reais de coisas (como, por exemplo, a maravilha da estrutura do olho humano ou o maravilha dos organismos animais), formas cujas engrenagens e conjunturas várias não podem realmente explicar-se senão supondo uma inteligência criadora que lhes tenha impresso estas formas tão perfeitamente engrenadas para a realização dos fins. Porém Kant alega também aqui que o conceito de fim é um desses conceitos metódicos que nós fazemos para a descrição da realidade, mas do qual não podemos tirar nenhuma outra consequência, senão que tal ou qual forma é adequada a um fim. Não podemos, sem ultrapassarmos os limites da experiência, tirar dessa adequação a um fim conclusões referentes ao criador dessas formas.
Em definitivo, Kant pretende demonstrar em cada uma das argumentações da metafísica o pecado que todas elas cometem, e que consiste em que ultrapassam os limites da experiência; em que aplicam as categorias ou não as aplicam, segundo a sua vontade; em que tomam por objeto a conhecer, aquilo que não é objeto a conhecer, mas coisa em si mesma. A metafísica, segundo ele, comete a falha essencial de querer conhecer o incognoscível. É, pois, uma disciplina impossível. À pergunta: é possível a metafísica?, Kant responde dizendo radicalmente: não é possível. [Morente]