Filosofia – Pensadores e Obras

proposição

(gr. protasis; lat. propositio; in. Proposition; fr. Proposition; al. Satz; it. Proposizionè).

Enunciado declarativo ou aquilo que é declarado, expresso ou designado por tal enunciado. Os dois usos do termo foram nitidamente distinguidos por Carnap (Intr. to Semantics, 1941, § 37), mas ainda são frequentemente confundidos, conquanto a distinção tenha sido amplamente aceita na lógica contemporânea (cf. Church, Intr. to Mathematical Logic, § 04; W. Kneale e M. Kneale, The Development of Logic, pp. 49 ss.). Os dois usos são determinados por dois conceitos diferentes de proposição, mais precisamente os seguintes: 1) proposição como expressão verbal de uma operação mental, frequentemente chamada de juízo. 2) proposição como entidade objetiva ou valor de verdade de um enunciado.

1. A doutrina de que a proposição é expressão verbal de uma operação mental foi formulada pela primeira vez por Aristóteles, para quem o conjunto (symploke) dos termos (nome e verbo) do discurso declarativo (logos apophantikos) corresponde a um pensamento(noema) inerente necessariamente ao ser verdadeiro ou falso; portanto, “o verdadeiro e o falso” versam sobre a composição e sobre a divisão (synthesis kai diairesis) (De interpr., 1, 16 a 9 ss.). O discurso declarativo é, assim, expressão de um pensamento que procede compondo e dividindo: a composição dá origem à afirmação; a divisão, à negação (Ibid., 6,17 a 23). Nos Analíticos (na teoria do silogismo), Aristóteles chamou o discurso declarativo de “prótasis”(cujo equivalente latino é “propositio”), ou seja, “premissa de raciocínio”, definindo-a como “o discurso que afirma ou que nega alguma coisa de alguma coisa” (An. pr. I, 1, 24 b 16), ou como “a asserção de um dos membros da contradição” (Ibid. II, 12, 77 a 37). Desse ponto de vista, a proposição difere do problema apenas na forma, visto que, enquanto o problema consiste em perguntar (p. ex., o homem é um animal bípede terrestre ou não?), a proposição consiste na asserção (p. ex., o homem é um animal bípede terrestre) ou na asserção contraditória (Top., I, 4101 b 28). Porém, em qualquer caso, a verdade ou a falsidade de uma proposição depende do fato de a composição ou divisão dos termos nos quais consiste corresponder ou não àquela que o intelecto encontra nas coisas existentes. Aristóteles diz.- “Não és branco porque acreditemos que és branco, mas, por seres branco, dizemos a verdade ao afirmarmos isso. Se algumas coisas estão sempre unidas e não podem ser divididas, e outras estão sempre divididas e não podem estar unidas, se outras coisas ainda podem ser compostas ou divididas, o ‘ser’ consistirá em ser combinado ou ser dividido, e o ‘não ser’ consistirá em ser dividido ou em ser várias coisas” (Met., IX, 10, 1051 a 34). Ao combinar seus termos, a proposição expressa a ação combinante ou dissociante do intelecto que se segue à combinação e à dissociação das coisas existentes.

Essa doutrina conservou-se substancialmente inalterada na tradição, antiga, exceção feita aos estoicos (e pela corrente aí iniciada), que introduziram a noção de enunciado. A tradição medieval e boa parte da lógica moderna conservou-a. Tomás de Aquino dizia que a verdade e a falsidade estão no intelecto, porquanto este procede compondo e dividindo: “de fato, em toda proposição uma forma significada pelo predicado aplica-se a alguma coisa significada pelo sujeito ou se distancia dessa coisa” (Suma Teológica, I, q. 16, a. 2). Na linha da lógica terminista, Ockham admitia uma “proposição mental”, que identificava com ato do intelecto (liber peri ermenias proemium), ainda que para ele a verdade da proposição dependesse da suppositio (v. abaixo, 2). A partir de Descartes o termo “proposição” é substituído pelo termo “juízo”, porque a atenção da lógica filosófica estará cada vez mais concentrada na operação intelectual que encontra expressão na proposição (v. Juízo, 4).

Mas até mesmo Russell reduz a proposição a atitude mental, embora a distinguindo do enunciado. Na verdade, considera-a como “crença” ou “atitude proposicional”, e afirma que as proposição devem ser definidas como eventos psicológicos (ou fisiológicos) de certa espécie: imagens complexas, expectativas, etc. Segundo Russell, isso é evidenciado pelo fato de que as proposição podem ser falsas (An Inquiry into Meaning and Truth, cap. XIII, A; ed. Pelican Books, p. 172; Cf. Human Knowledge, pp. 449-50) (v. Juízo, 3).

2. A doutrina segundo a qual a proposição constitui o designado do enunciado assume formas diferentes, segundo a natureza atribuída ao designado. Às vezes, este é entendido como “proposição em si” ou “entidade” de algum tipo; outras vezes, como objeto, situação objetiva, estado de coisas ou caráter. Em todos os casos, essa interpretação de proposição não faz referência a atos ou a operações mentais.

Os estoicos, que introduziram a noção de enunciado, consideram que este expressa uma condição ou um estado de coisas. Assim, afirmavam que “quem diz ‘É dia’ mostra que acha que é dia. Ora, se realmente for dia, o enunciado que está diante de nós será verdadeiro; se não for dia, será falso ” (Dióg. L., VII, 65). Deste ponto de vista, o fato de ser dia é o significado ou o valor de verdade do enunciado “É dia”. A lógica terminista medieval designou o significado denotativo dos termos da proposição com o conceito da suposição, segundo o qual uma proposição é verdadeira se os termos dos quais resulta correspondem ao objeto existente (cf. Occam, Summa log., II, 2). Nas Laws of Thought (1854) Boole distinguia as proposição primárias, que expressam uma relação com a coisa, e as proposição secundárias, que expressam uma relação entre proposições (Cap. IV, § 1). Mas Bolzano opusera à proposição verbal a proposição em si (Satz und Sich), que é válida independentemente do fato de ser ou não ser expressa ou pensada, e constitui o elemento da matemática pura ( Wissenschaftslehre, 1837, § 19). Retomando a polêmica de Husserl contra o psicologismo, Meinong distinguia em todo “juízo” (termo para ele equivalente a proposição) o objetivo (Objektiv), que é o conteúdo interno do juízo, e o objeto (Objekt), que é a entidade externa à qual o juízo se refere ( Über Annahmen, 1902, p. 52). Para todos os efeitos, essa distinção equivale àquela que Frege estabelecera entre sentido e significado (Über Sinn und Bedeutung, 1892). A propósito da proposição, Frege dissera que, enquanto o sentido (Sinn) da proposição é um “pensamento” — não entendido subjetivamente, mas como “conteúdo objetivo que pode constituir a posse comum de muitos” —, o significado (Bedeutung) da proposição é o seu “valor de verdade”, isto é, “a circunstância de ser verdadeira ou falsa”. Deste modo, a proposição pode ser considerada como um nome próprio, e o verdadeiro ou falso é o objeto da proposição Mas como todas as proposição verdadeiras terão o mesmo significado (o verdadeiro), assim como todas as projeções falsas (o falso), segue-se que uma proposição não pode reduzir-se apenas ao seu significado, nem apenas ao seu sentido (que seria um pensamento puro), mas deve resultar do conjunto de ambos (Über Sinn und Bedeutung, § 5, em Phil. Writings of G. F., ed. Geach and Black, pp. 63 ss.). Nas proposição indiretas ou oblíquas, nas quais há verbos como “dizer”, “ouvir”, “pensar”, “acreditar”, “concluir” e semelhantes (como p. ex. em “Copérnico acreditava que as trajetórias dos planetas eram circulares”), a proposição secundária introduzida por que vale apenas como o nome de um pensamento, podendo por isso ser variada sem comprometer o valor da verdade da proposição inteira (Ibid, § 6; em Geach, pp. 66 ss.).

Em torno desse conceito de Frege giram as discussões da lógica contemporânea a respeito da natureza da proposição Das duas dimensões da proposição admitidas por Frege, Wittgenstein procurou eliminar o sentido (Sinrí), como “pensamento” ou “conteúdo objetivo”, e usar essa mesma palavra para designar aquilo que Frege entendia por significado (Bedeutung), empregando esta última apenas como denotação dos nomes e dos signos. “A proposição” — disse ele — “é uma figuração (Bild, picture) da realidade: de fato, tomo conhecimento da situação por ela representada tão logo compreendo a proposição E compreendo a proposição, sem que o seu sentido me seja explicado” (Tractatus, 4.021). Desse ponto de vista, “a forma universal da proposição é: as coisas estão assim e assim” (Ibid., 4. 5). Por essa razão, compreender uma proposição significa simplesmente saber “como estão as coisas, no caso de ela ser verdadeira” (Ibid., 4.024), não sendo, pois, necessário recorrer a um pensamento ou a qualquer conteúdo objetivo. Portanto, para Wittgenstein, o “sentido” de que falava Frege é inútil, porque o sentido da proposição é o seu próprio significado, e “a proposição mostra seu sentido” (Ibid., 4.022). Por outro lado, Wittgenstein afirma que “a proposição possui um sentido independente dos fatos” (4.061) e que “as proposição ‘p’ e ‘não p’ têm sentido oposto, embora nelas se expresse uma única e mesma realidade” (4.0621), o que, na terminologia de Frege, implicaria um sentido que não depende do significado.

Opondo-se a Wittgenstein, alguns lógicos contemporâneos tendem a reduzir o significado ao sentido, empregando o termo “significado” (Meaning) para indicar aquilo que Frege chamava de sentido. Assim, Ayer definiu a proposição como a “classe dos enunciados que têm o mesmo significado (significance) intencional para qualquer um que o entenda” (Language Truth and Logic, [1936], 1948, p. 88). Neste mesmo sentido, Quine considerou as proposição como “os significados dos enunciados” (From a Logical Point of View, VI, 2; p. 109; Word and Object, 1960, § 42). Mais próximos da posição de Frege estão Carnap e Church. Carnap distinguiu a extensão de um enunciado, que é seu valor de verdade, de sua intensão, que é a proposição que ele expressa. No sentido de Carnap, todavia, a proposição é uma entidade tão objetiva quanto a “propriedade”, embora apenas de natureza lógica. Segundo Carnap, pode-se falar de proposição também a propósito de enunciados falsos, porque as proposição são entidades complexas, compostas por outras entidades; e ainda que se admita que os componentes últimos de uma proposição devem ser “exemplificados” (isto é, devem ser verdadeiros), nem por isso a proposição, em seu conjunto, deverá sê-lo (Meaning and Necessity, § 6; pp. 26-30). Church, que aceitou a terminologia de Frege, usa o termo “proposição” como equivalente ao termo “sentido”, de Frege, e afirma dever-se a uma decisão de algum modo arbitrária o fato de recusarmos o nome de proposição aos sentidos dos enunciados (das linguagens naturais), porquanto expressam um sentido, mas não têm valor de verdade (Intr. to Mathematical Logic, § 04, op. 27). Por outro lado, Bergmann utilizou o termo de Brentano e de Husserl, “intenção”, para reinterpretar o “significado” de Frege. A intenção é o objeto dos atos intencionais, e a proposição é o “caráter” correspondente à intenção. “No paradigma”, disse ele, “a intenção é um fato expresso em ‘isto é verde’. Chamo de caráter correspondente ‘a proposição isto é verde’ e uso proposição como um nome geral para essa espécie de caráter” (Logic and Reality, 1964, p. 32).

As discussões havidas entre os lógicos a respeito da proposição, bem como a respeito de suas equivalências ou sinonímias, além de outros problemas relativos, continuam centrados na distinção entre sentido e significado, ou suas distinções correspondentes. [Abbagnano]


A lógica tradicional distingue entre a proposição e o juízo. Enquanto o juízo é o ato do espírito por meio do a qual se afirma ou nega algo de algo, a proposição é produto lógico desse ato, isto é, o pensar nesse ato. Por outras palavras, “João é inteligente” é uma proposição; para que se converta em juízo, é necessário que alguém o afirme e, nesse sentido, dê o seu assentimento.

Os autores escolásticos estabelecem, em geral, dois tipos de proposições: as simples e as compostas. As simples dividem-se quanto à matéria, à forma, à quantidade e à qualidade. As compostas dividem-se, evidentemente, em compostas e ocultamente compostas. As proposições simples são aquelas em que um conceito se une a outro por meio da cópula verbal. As compostas são as que resultaram da combinação de proposições simples com outras proposições simples ou com outros termos.

Na logística, não se admite que a proposição tenha de se compor de sujeito, verbo e atributo e menos ainda que o verbo tenha de ser sempre a cópula e ou reduzir-se à cópula é. Durante muito tempo, não houve dentro da logística opinião unânime no que se refere à interpretação do termo proposição. Para Russell, a proposição é “a classe de todas as sentenças que possuem a mesma significação que uma sentença dada”. Par Wittgenstein, a proposição é a descrição de um fato ou “a apresentação da existência de fatos atômicos”. Segundo Carnap, a proposição é uma classe de expressão. Estas podem ser proposicionais (não linguísticas) ou não proposicionais (linguísticas). As expressões proposicionais não linguísticas (ou proposições como tais) não estão pois, nem no nível da linguagem, nem no dos fenômenos mentais; são algo de objetivo que pode ser ou não ser exemplificado na natureza. As proposições são de natureza conceptual. [Ferrater]


O estatuto da proposição provocou muitas controvérsias. Alguns a consideram à maneira de entidades platônicas; outros, inspirados por uma epistemologia nominalista, como classes de sentenças sinônimas. Para Frege, a proposição é uma entidade objetiva, cuja natureza não é nem a de um conteúdo mental, nem a de uma entidade linguística. Church adota uma posição bastante próxima à de Frege, definindo a proposição como “o conteúdo de significa-são que é comum à sentença e às suas traduções em outras linguagens” (A. Church, “Propositions and sentences” in The Problem of Universais, University of Notre Dame Press, 1956, p. 5), ou ainda, como um conceito que determina um valor de verdade (A. Church, Introduction to Mathematical Logic, Princeton, Princeton University Press, 1956, p. 26). Assim compreendida, a proposição não é, portanto, uma entidade linguística; ela é obtida por abstração, a partir da linguagem. Parece viável considerar a proposição como a conotação (o sentido) de uma sentença, sem recorrer à interpretação quase platônica de Frege, inspirando-se nas sugestões da semântica científica 6.

Conforme o antigo sentido, o termo proposição designa o julgamento enquanto expresso em palavras. A proposição é considerada, portanto, como uma entidade linguística, assumida porém, ao mesmo tempo segundo sua dimensão sintáxica e segundo sua dimensão semântica: é, simultaneamente, a sentença e sua significação. Entretanto, em alguns contextos, o termo proposição pode designar unicamente o aspecto sintáxico, a sentença. [Ladrière]