(lat. principium identitatis; in. Law of identity; fr. Principe d’identité; al. Satz der Identität; it. Principio di identità).
O reconhecimento explícito deste princípio como um dos princípios lógicos ou ontológicos fundamentais, ao lado dos princípios de contradição e do terceiro excluído, é coisa recente porque não passa da época de Wolff. Aristóteles ignora o princípio da identidade, o mesmo ocorrendo com toda a tradição medieval. O próprio Leibniz considera o enunciado: “Tudo é aquilo que é” como tipo das verdades idênticas afirmativas, sem atribuir-lhe a posição de princípio, que atribui apenas ao de contradição e ao de razão suficiente (Théod., I, § 44; Monad., §§ 31-32, 35). Ele afirma: “As verdades primitivas de razão são aquelas a que dou o nome geral de idênticas porque parece que elas não fazem mais que repetir a mesma coisa sem dizer nada de novo. As verdades idênticas podem ser afirmativas ou negativas. As afirmativas são como as seguintes: Cada coisa é aquilo que é, e outros tantos exemplos nos quais A é A, B é B” (Nouv. ess, IV, 2, § 1). Por outro lado, o reconhecimento da certeza das proposições idênticas era muito antigo: encontrando-se já em Tomás de Aquino, que dizia: “Devem ser notórias por si mesmas as proposições nas quais se afirma a identidade de uma coisa consigo mesma, como em homem é homem ou nas quais o predicado está incluído na definição do sujeito como em homem é anima? (Contra Gent, I, 10).
Por outro lado, Leibniz também conhecia a fórmula geral das identidade, como ocorria com Locke, que a enumerava entre as máximas cujo caráter inato se reconhece, graças ao consenso universal que suscitam: “Aí estão dois dos célebres princípios, aos quais, mais que a qualquer outro, se atribui a qualidade dos princípios inatos: Tudo aquilo que é é, e: É impossível que uma coisa seja e não seja ao mesmo tempo” (Ensaio, I, 1, 4). Tanto Locke quanto Leibniz parecem referir-se à fórmula da identidade como máxima bem conhecida e reconhecida, mas que ainda não foi alçada ao nível de princípio ontológico ou lógico.
Ora, essa fórmula começara a circular na escolástica do séc. XIV, sobretudo entre os partidários de Scot e Ockham, na tentativa de reduzir o princípio de contradição (que continuava sendo reconhecido como o primeiro princípio ontológico) à sua expressão mais simples e econômica. Esta tentativa é uma manifestação característica do uso do princípio de economia , que era considerado guia metodológico por Ockham e por muitos escotistas. Antônio Andréa (morto em 1320) diz: “Digo que o princípio ‘É impossível que a mesma coisa simultaneamente seja e não seja’ não é absolutamente primário, ou seja, primariamente primeiro (…) Se perguntarem qual é absolutamente o primeiro complexo e o primariamente primeiro, direi que é este: ‘O ente é ente.’ Este princípio de fato tem termos primariamente primeiros e ultimamente últimos, que não são portanto resolúveis em termos precedentes; aliás toda resolução de conceitos diz respeito ao conceito do ente, como o é absolutamente primeiro entre os conceitos essenciais” (In Met., IV, q. 5). Buridan aludia a esta ou a semelhantes tentativas de reduzir o princípio de contradição a uma fórmula mais simples, que seria a da L: “Alguns, entendendo que tem mais prioridade a simplicidade que a evidência e a certeza, dizem que as proposições categóricas precedem as hipotéticas e que as assertórias precedem as modais, etc; consequentemente, propõem uma única grande ordem de princípios indemonstráveis. O primeiro princípio seria ‘O ente é’, donde se seguiria que ‘o não-ente não é’. Depois viria ‘O ente é ente’, donde ‘o não-ente não é ente’, etc.” (In Met., IV, q. 13). Do ponto de vista da simplicidade e da economia, a fórmula da identidade parecia então mais primitiva que a da contradição; assim, os lógicos do séc. XIV começaram a atribuir a essa fórmula a posição tradicionalmente atribuída apenas ao princípio de contradição.
Contudo, como dissemos, foi só com Wolff que se começou a reconhecer explicitamente no enunciado da identidade o valor de princípio. Wolff o expôs com a denominação de “Princípio da certeza”, que derivava do princípio de contradição. Em Ontologia (1729), disse: “Como é impossível que uma mesma coisa seja e não seja ao mesmo tempo, toda coisa, enquanto é, ê; ou seja: se A é, também é verdadeiro que A é. Se negares que A é, enquanto é, deveras então concordar que A é e não é ao mesmo tempo: o que se opõe ao princípio de contradição e por isso não pode ser admitido, por força desse princípio” (Ont, § 55). Wolff ligava o princípio à noção de necessidade (Ibid., § 288) e não lhe atribuía o caráter originário que atribuía ao princípio de contradição e ao de razão suficiente. Em Baumgarten, o princípio de identidade deu mais um passo ao ser posto após o de contradição (que para ele continuava sendo “o absolutamente primeiro”), mas no mesmo nível dele, como “Princípio de oposição ou de identidade”. Expressou-o da seguinte forma: “Todo possível A é A; ou seja, tudo o que é, é; ou então, todo sujeito é predicado de si mesmo” (Met., § 11). Por sua vez Kant, em Nova elucidação dos primeiros prinprincípios do conhecimento metafísico (1755), dizia: “Dois são os princípios absolutamente primeiros de todas as verdades: um das verdades afirmativas, a proposição ‘O que é, é’; o outro das verdades negativas, a proposição ‘aquilo que não é não é’. Ambas essas proposições denominam-se comumente princípio de identidade (Nova dilucidatio, prop. II).
Com isto, o princípio de identidade ingressava oficialmente no rol dos princípios fundamentais da lógica (apesar de na origem, com Wolff e Baumgarten, ele ter sido um princípio ontológico). Fichte valia-se dele como de uma proposição absolutamente “certa e indubitável” (Wissenschaftslehre, 1794, § 1). E como princípio indubitável do pensamento também era visto por Schelling (Werke, I, IV, p. 116). Tudo isto dava a Hegel o direito de dizer que “o princípio de identidade, em vez de ser uma verdadeira lei do pensamento, nada mais é que a lei do intelecto abstrato. A forma da proposição a contradiz, senão porque a proposição também promete uma distinção entre sujeito e predicado e essa proposição não cumpre o que sua forma promete. Mas deve notar, em especial, que ela é negada pelas outras chamadas leis do pensamento, para as quais é lei o contrário dessa lei” (Enc., § 115). Hegel, naturalmente, tinha razão, mas lutava contra um moinho de vento, pois os filósofos haviam admitido explicitamente esse princípio com o objetivo de dar fundamento de necessidade às verdades idênticas. A lógica filosófica do séc. XIX continuou incluindo o princípio da identidade entre as leis universais do pensamento (cf. Hamilton, Lectures on Logic, I, pp. 79 SS.; Drobisch, Logik, § 58; Überweg, System der Logik, p. 183; Wundt, Logik, I, pp. 504 ss.; B. Herdmann, Logik, I, pp. 172 ss., etc.) embora não faltasse quem lhe negasse qualquer significado (cf. P. Hermant e A. Van de Waele, Les principales théories de la logique contemporaine, Paris, 1909, pp. 116 ss.). Para Boutroux, no princípio de identidade estava expresso o ideal da necessidade racional (L’idée de loi naturelle, 1895. cap. 2). Meyerson, obedecendo a conceito análogo, reduzia a identificação a qualquer processo racional, ou seja, qualquer processo que consiga compreender ou explicar um objeto qualquer (Identité et realité, 1908; L’explication dans les sciences, 1927). Por outro lado, a lógica matemática logo percebeu a inutilidade desse princípio para a validade de um raciocínio qualquer, e Peirce podia reduzir o significado dele ao dizer que “continuamos a crer naquilo que acreditamos até hoje, na ausência de qualquer razão em contrário” (Coll. Pap., 3, 182). Na lógica contemporânea, dito princípio não existe, pelo menos na forma de “princípio”. Por vezes os lógicos fazem-no coincidir com este ou aquele teorema que expresse um dos significados da cópula (v. ser, I). Outras vezes, fora de lógica, consideram-no um postulado semântico, de que todo símbolo deve ter sempre o mesmo termo de referência, toda vez que ocorre no mesmo contexto (Dewey, Logic, XVII, § 3). Neste sentido, obviamente, o princípio de identidade não é lógico nem ontológico, e a rigor nem princípio é, mas apenas uma regra para o uso dos símbolos. [Abbagnano]
Perguntou-se, na época moderna, se não se poderia justapor e mesmo superpor ao princípio de não-contradição um princípio afirmativo, no qual o ser seria atribuído a si mesmo e ao qual se poderia dar o nome de princípio de identidade.
Tomás de Aquino fez alusão a um tal princípio? De modo explícito, certamente não. Quando, seja na lógica, seja na metafísica, estuda os axiomas, não fala de tal princípio. Mas, pelo menos, não é possível aproximá-lo de sua doutrina? A identidade, para Tomás de Aquino, tem um sentido bem definido: significa o modo próprio de unidade que convém à substância. Afirmar a identidade do ser, seria pois, de uma certa maneira, reconhecer a sua unidade. Avançando nesta via, somos naturalmente levados a dizer que o princípio de identidade é apenas uma forma do que se poderia chamar o princípio da unidade do ser: todo ser é uno ou idêntico a si mesmo, proposição exata e absolutamente imediata, mas que só intervém mais tarde após o reconhecimento do transcendental uno. Para fundar nosso princípio em Tomás de Aquino, é preciso recorrer a uma outra doutrina, aquela das propriedades transcendentais do ser (Cf. De Veritate, q. 1, a. 1). Um texto pode nos servir de base: “Nada se pode encontrar que seja dito afirmativamente e absolutamente de todo ser senão a sua essência, pela qual ele é dito ser; e é deste ponto de vista que se dá o nome de “coisa”, res, o que, segundo Avicena no início de sua Metafísica, difere de “ser”, ens, nisto: “ser” é tomado do ato de existir, enquanto o nome “coisa” exprime a quididade ou a essência do ser”.
Partindo-se daqui, eis como se poderá precisar o sentido desse princípio.
Antes de mais nada, é claro que só pode haver juízo verdadeiro se o predicado é, de alguma maneira, distinto do sujeito. Uma atribuição rigorosamente tautológica do ser não constitui, observou-se frequentemente, um juízo. Mas, o ser sendo naturalmente sujeito do nosso princípio, como encontrar-lhe um predicado que acrescente o mínimo possível à significação do sujeito? Tomás de Aquino no-lo indica: distinguindo os dois aspectos do ser como existente e do ser como essência. Chega-se assim a esta fórmula geral: “o ser (como existente) é ser (como essência).”
É assim que, de maneira comum, se procura constituir uma fórmula aceitável do princípio de identidade. Mas não estamos no fim de nossas penas, pois parece que nos encontramos aqui ainda diante de uma ambiguidade. Se acentuamos, com efeito, a distinção da essência ou da coisa e do ato de existir, terminamos em uma fórmula como esta (Cf. Garrigou-Lagrange, Le sens commun, 3.a ed., p. 166) : “Todo ser é algo de determinado, de uma natureza que e constitui propriamente”. Isto é: todo ser possui uma certa natureza. Mas não será possível, afastando-nos menos da noção do que existe (ens), considerar a essência, não como uma certa essência, mas como a essência do ser mesmo? Ao passo que, há instantes, eu respondia à questão: o ser é algo de determinado? Agora, coloco-me em face da questão: que coisa, que natureza é o ser? E respondo que ele é ser (Cf. Maritain, Sept leçons sur l’être, p. 104): “Cada ser é o que é” ou mais simplesmente “o ser é ser”, ens est ens, isto é, “o ser tem por natureza ser”. É, em definitivo, sobre esta última fórmula que nos deteremos. A outra fórmula, que sublinha o aspecto de determinação da essência, corresponde já a um nível mais elaborado do pensamento.
Deveremos repetir aqui o que já dissemos mais acima a respeito do princípio de não-contradição. Em primeiro lugar, em um caso como no outro, o espírito não se determina ou não afirma senão porque vê objetivamente a conveniência ou a não-conveniência dos dois termos em presença. Em segundo lugar, o princípio de identidade é, ele também, coextensivo à noção de ser, isto é, vale para todo ser, mas só se aplica ao seres limitados ou imperfeitamente ser proporcionalmente ao que eles são. Somente Deus é absolutamente ou identicamente ser.
Resta uma última questão. A qual dos dois princípios deve-se reconhecer a primazia? Se nos colocamos no ponto de vista objetivo, devemos dizer que um e outro apenas supõem um só e mesmo dado positivo, o de ser. Os dois se referem ao mesmo termo. Por outro lado, um e outro são imediatos e não se pode dizer que o valor de um esteja subordinado ao do outro. Do ponto de vista subjetivo, encontramos ao contrário duas atividades distintas, dupla negação de um lado, dissociação da noção de ser e afirmação, de outro lado. Deste ponto de vista, portanto, é talvez possível falar de prioridade (psicológica ou lógica). Em metafísica, uma vez que não se saiu do conteúdo explícito da noção de ser, não haverá lugar para se colocar esta questão. [Gardeil]