Filosofia – Pensadores e Obras

pragma

(pragma; lat. res; in. Thing; fr. Chose; al. Ding; it. Cosa).

Tanto no discurso comum quando no filosófico, esse termo “coisa” tem dois significados fundamentais: 1) genérico, designando qualquer objeto ou termo, real ou irreal, mental ou físico, etc, de que, de um modo qualquer, se possa tratar; 2) específico, denotando os objetos naturais enquanto tais.

1) No primeiro significado, a palavra é um dos termos mais frequentes da linguagem comum e também é amplamente empregada pelos filósofos. “Coisa” pode ser o termo de um ato de pensamento ou de conhecimento, de imaginação ou de vontade, de construção ou de destruição, etc. Pode-se falar de uma coisa que existe na realidade como também de uma coisa que está na imaginação, no coração, nos sentidos, etc. Assim, pode-se dizer que, nessa acepção, coisa significa um termo qualquer de um ato humano qualquer ou, mais exatamente, qualquer objeto com que, de qualquer modo, se deva tratar. É o significado contido na palavra grega pragma.

2) No seu significado mais restrito, a coisa é o objeto natural também chamado de “corpo” ou “substância corpórea”. O uso do termo nesse segundo significado é até certo ponto recente. Pode talvez remontar a Descartes, que, porém, ao lado da expressãocoisa corpóreas” (choses corporelles), emprega também “coisa que pensa” (chose quipense), mostrando, assim, que entende a palavra no significado tradicional de substância (Méd., II, passirrí). Locke preferiu a palavra “substância” (“As ideias das substâncias são as combinações de ideias simples das quais se supõe que representem coisas particulares e distintas, subsistentes por si mesmas”, Ensaio, II, 12, § 6). E só com Berkeley pode-se dizer que o termo coisa tenha suplantado definitivamente o termo substância: “As ideias impressas nos sentidos pelo autor da natureza”, diz ele, “são chamadas coisas reais e as suscitadas pela imaginação, sendo menos regulares, vividas e constantes, são mais propriamente chamadas ideias ou imagens das coisas, que elas copiam ou representam” (Principles, I, § 33). A partir daí, esse termo coisa passou a ser bastante frequente para indicar o corpo ou o objeto natural em geral. Kant estende-o ainda mais, distinguindo as coisas tais como aparecem para nós, isto é, submetidas às condições da nossa sensibilidade (espaço e tempo), e as coisas em geral, ou coisa em si (Crít. R. Pura, § 8). Mas também fixa o significado desse termo em seu tratamento sobre o esquematismo transcendental, onde faz da coisalidade ou realidade (Sachheit, Realität) o esquema fundamental da categoria de qualidade, no sentido de que “coisa em geral é o que corresponde a uma sensação em geral” (Ibid., Esquematismo dos conceitos puros). A partir daí, a história da noção de coisa pode ser dividida em duas correntes fundamentais, segundo se lhe atribua ou negue um significado específico. Podemos, portanto, distinguir:

a) A corrente para a qual o ser da coisa se resolve no ser em geral. Assim, para o idealismo empírico, para o qual o ser é representação ou ideia, a coisa é representação ou ideia, ou um complexo de representações ou de ideias. Essa doutrina, que é a de Berkeley, foi reproduzida inúmeras vezes na filosofia moderna e contemporânea. Para o idealismo absoluto ou romântico, para o qual a realidade é a própria razão, a coisa é um conceito da razão; e de fato Hegel a considera como uma categoria lógica (Ene, §§ 125 ss.;Wissenschaft der Logik, ed. Glockner, I, pp. 602 ss.) O significado autônomo dessa noção não é resgatado pela modificação da tese do empirismo clássico, proposta por Stuart Mill. Segundo eles, as coisas são “possibilidades de sensações” (Examination of Hamilton’s Phil., pp. 190 ss.), mas isso não delimita especificamente o modo de ser das coisas. Isso tampouco é feito pela concepção de Mach, que define as coisa como complexos de sensações (Analyse der Empfindungen, 9a ed., 1922, p. 14), ainda que as “sensações” de que fala Mach não sejam determinações subjetivas, mas elementos neutros que entram na composição tanto das coisas quanto da mente. Esse ponto de vista foi reproduzido por Russell, para quem “uma coisa é uma sequência determinada de aparências, em ligação contínua umas com as outras, segundo certas leis causais” (Scientific Method in Phil, 1926, IV, trad. fr., p. 86).

A conexão do modo de ser das coisas com a ação humana sobre a qual, como veremos logo, baseia-se a noção positiva de coisa, é elucidada por Bergson, que, no entanto, a utiliza só com o fim de negar a realidade das coisas. “Nãocoisa, há somente ações”, disse (Évol. créatr., 11-ed., 1911, p. 270). As coisa são criações da inteligência enquanto função prática que solidifica o devir, substituindo pela estabilidade fictícia de “coisa” ou de “estados” a continuidade e fluidez da consciência (Ibid., pp. 269 ss. 296). Nessa doutrina, as coisas se reduzem a ações e a ação à duração real da consciência; tem-se, embora com certa consciência dos problemas inerentes, a costumeira redução da coisa a um estado subjetivo. E o significado de tal redução da coisa a elementos subjetivos, ainda que qualificados (sensações, representações, ideias, ações, etc), é simplesmente isto: que não existem coisas.

b) Corrente para a qual o ser da coisa tem significado específico. Foi Husserl quem ressaltou esse significado, do ponto de vista fenomenológico, afirmando que existe “uma diferença fundamental entre o ser como experiência vivida e o ser como coisa” e que, portanto, “uma coisa não pode ser dada em nenhuma percepção possível ou outra modalidade de consciência em geral” (Ideen, I, § 42). O modo de ser específico da coisa consiste no fato de que ela é dada em um número indefinido de aparições, mas permanece transcendente como uma unidade que está além dessas aparições, e que, todavia, se manifesta em um núcleo de elementos bem determinados, circundados por um horizonte de outros elementos mais indeterminados (Ibid., § 44). O ser da coisa se contrapõe, assim, ao das experiências vividas ou da consciência. Essa contraposição é pressuposta por todas as tentativas da filosofia contemporânea de determinar de maneira específica o ser da coisa. E é significativo que tais tentativas tenham partido de dois pontos de vista independentes e aparentemente contrastantes, o naturalismo instru-mentalista, de um lado, e a filosofia existencialista, de outro.

Mead mostrou a ligação entre a noção de coisa e o “mundo da ação”. As coisa se inserem numa fase bem determinada desse mundo, isto é, na que se situa entre o início de uma ação e a sua consumação final. Em outros termos, é na fase da manipulação que comparece ou se constitui a coisa física, que, no entanto, é universal no sentido de pertencer à experiência de todos (Mind, Self and Society, pp. 184-85). Dewey, por sua vez, mostrou a estreita conexão do modo de ser das coisa com a investigação. “As coisas”, disse ele, “existem como objetos para nós na medida em que tenham sido preliminarmente determinadas como resultados de investigações. Quando são usadas na preparação de novas investigações sobre novas situações problemáticas, são conhecidas como objetos só em virtude de indagações anteriores que justificam a sua assertividade. Na nova situação, os objetos são meios para alcançar o conhecimento de alguma outra coisa” (Logic, VI; trad. it., p. 175). Dewey afirmou nitidamente o caráter instrumental das coisas e, em geral, de todos os objetos de conhecimento. Tanto as “coisas imediatas” quanto os objetos da ciência física “construídos por uma ordem matemático-mecânica” são “meios para garantir ou para evitar determinados objetos imediatos” (Experience and Nature, p. 141). Essas determinações de Mead e Dewey são apresentadas como resultados de análises empíricas. Heidegger apresenta suas determinações como resultados de uma análise existencial: a noção de coisa é esclarecida por ele como um elemento da existência humana enquanto “ser-no-mundo”. Ser no mundo significa ocupar-se com alguma coisa e a coisa é sempre um instrumento (Zeug), um meio para… Enquanto tal, o modo de ser da coisa é o da instrumentalidade, e “a instrumentalidade é a determinação ontológico-categorial do ente como ele é em sf. Quer dizer: a instrumentalidade não se acrescenta como uma qualidade secundária ou extrínseca à realidade da coisa, mas a constitui, é essa mesma realidade. O modo de ser da coisa é o da instrumentalidade, do ser instrumento ou instrumento para… Desse ponto de vista, “a natureza não pode ser entendida como simples presença, nem mesmo como força natural. A floresta é plantação, a montanha é pedreira, a corrente é força hidráulica, o vento é vento em popa. A descoberta do mundo ambiente e a descoberta da natureza ocorrem ao mesmo tempo”. Pode-se certamente procurar ver o que é a natureza, e deixar de lado a instrumentalidade das coisa Mas, nesse caso, a natureza permanece incompreensível “como o que tece e acontece, o que se precipita sobre nós e nos empolga” (Sein und Zeit, § 15). Sem dúvida, Heidegger conseguiu determinar, ainda melhor do que o instrumentalismo americano, o modo de ser instrumental das coisas, a categoria da instrumentalidade que o define. Por sua vez, Lewis pôs em evidência as implicações lógicas que semelhante conceito da coisa traz em si. “Atribuir uma qualidade objetiva a uma coisa”, disse ele, “significa implicitamente a previsão de que, se eu agir de certa maneira, ocorrerá certa experiência especificável: se eu morder esta maçã, seu sabor será doce; se eu a comer, será digerida e não me envenenará, etc. Essas e outras tantas proposições hipotéticas constituem o meu conhecimento da maçã que tenho em mãos” (Mind and the World-Order, cap. V, ed. Dover, p. 140). As expressões da forma Se… então referem-se a possibilidades que transcendem a experiência atual e que são próprias do homem como ser ativo. “O significado do conhecimento”, disse ainda Lewis a esse propósito, “depende do significado de uma possibilidade que não é atual. Possibilidade e impossibilidade, logo necessidade e contingência, compatibilidade e incompatibilidade, e várias outras noções fundamentais, exigem que deva haver proposições ‘Se… então’, cuja verdade ou falsidade é independente da condição afirmada na oração antecedente” (Ibid., 142 n) (v. Implicação). O horizonte lógico do conceito de coisa, elaborado pela filosofia contemporânea, é, portanto, o da possibilidade, expresso pelas proposições condicionais. Isso é confirmado pelos resultados das pesquisas experimentais realizadas pela psicologia transacional, que levam a ver na coisa certa “classe de possibilidades” que constitui uma prognose generalizada, com base na experiência passada, dos usos ou comportamentos possíveis de um objeto (Explorations in Transactional Psychology, org. F. P. Kilpatrick, 1961, cap. 21; trad. it., p. 495-96). [Abbagnano]