Filosofia – Pensadores e Obras

natureza

(gr. physis; lat. natura; in. Nature; fr. Nature; al. Natur; it. Natura).

Para definir este termo, lançou-se mão de uma série de conceitos, entre os quais há alguns pontos em comum. Os principais são os seguintes: 1) princípio do movimento ou substância; 2) ordem necessária ou conexão causal; 3) exterioridade, contraposta à interioridade da consciência; 4) campo de encontro ou de unificação de certas técnicas de investigação.

1) A interpretação da natureza como princípio de vida e de movimento de todas as coisas existentes é a mais antiga e venerável, tendo condicionado o uso corrente do termo. “Permitir a ação da natureza”, “Entregar-se à natureza”, “Seguir a natureza”, e assim por diante, são expressões sugeridas pelo conceito de que a natureza é um princípio de vida que cuida bem dos seres em que se manifesta. Foi nesse sentido que Aristóteles definiu explicitamente a natureza: “A natureza é o princípio e a causa do movimento e do repouso da coisa à qual ela inere primariamente e por si, e não por acidente” (Fís., II, 1, 192 b 20). Como explica o próprio Aristóteles, a exclusão da acidentalidade serve para distinguir a obra da natureza da obra do homem. A. natureza também pode ser matéria, a admitir-se, como faziam os pré-socráticos, que a matéria tem em si própria um princípio de movimento e de mutação; mas é realmente esse mesmo princípio, portanto a forma ou a substância em virtude da qual a coisa se desenvolve e torna-se o que é (Fís., II, 1, 193 a 28 ss.). Por esse motivo a natureza assume o significado de forma, substância ou essência necessária: uma coisa possui sua natureza quando alcançou sua forma, quando é perfeita em sua substância. Em conclusão, segundo Aristóteles, a melhor definição da natureza é a seguinte: “A substância das coisas que têm o princípio do movimento em si próprias”: nesta definição podem ser incluídos todos os significados do termo (Met., V, 4,1015 a 13). Nesse sentido, a natureza é não somente causa, mas causa final (Fís., II, 8,199 b 32). A tese do finalismo da natureza costuma estar ligada a esse conceito da natureza.

Tal conceito, que é a síntese dos dois conceitos fundamentais da metafísica aristotélica (substância e causa), dominou por muito tempo a especulação ocidental e nunca foi completamente obliterado por conceitos diferentes e concorrentes. Por sua causalidade, a natureza é o próprio poder criador de Deus: é natureza naturante. Mas como tal causalidade é inerente às coisas que produz, a natureza é a própria totalidade dessas coisas, é natureza naturada. Essa distinção, que se encontra em Scotus Erigena, mas sem os termos relativos (De divis. nat., III, 1), foi introduzida na escolástica latina por Averróis (De coei., I, 1), sendo amplamente aceita (cf. Tomás de Aquino de Aquino, S. Th., II. 1, q. 85, a. 6). Spinoza nada mais fez que reexpô-la quase nos mesmos termos (Et., I, 29, schol.). A essa distinção, mais precisamente ao conceito de natureza naturada, liga-se o outro significado subordinado, de natureza como universo ou conjunto das coisas naturais: conceito que coexiste com o de natureza como princípio de movimento, por ser seu resultado, e — como veremos — com o de natureza como ordem, por designar, neste segundo caso, a natureza “material” (materialiter spectatá).

A exaltação especulativa da natureza por parte do naturalismo renascentista recorre ao conceito de natureza criadora ou universal. Nicolau de Cusa dizia: “É o Espírito difuso e contraído por todo o universo e por cada uma de suas partes que se chama de natureza Portanto, de algum modo a natureza é a reunião (complicatió) de todas as coisas geradas através do movimento” (Dedocta ignor., II, 10). E Giordano Bruno afirmava: “A natureza ou é Deus mesmo, ou a virtude divina que se manifesta nas coisas” (Summa terminorum, em Op. latine, IV, 101). No mesmo sentido Spinoza identificava a natureza com Deus (Et., I, 29, schol.). Esse conceito da natureza atravessou o séc. XVIII e foi reafirmado por Wolff (Cosm., §§ 503-506) e por Baumgarten (Met., § 430). Quando, naquele mesmo século, começou-se a contrapor a natureza ao homem e a proclamar-se a “volta à natureza”, a natureza à qual se recorreu continuava sendo a do antigo conceito aristotélico: princípio diretivo inato no homem sob forma de instinto; tal foi o conceito de Rousseau (De l’inégalité parmi les hommes. I). Essa noção já entrou no patrimônio das crenças comuns de nosso mundo, e por isso está presente, mesmo sem se fazer notar, nas mais elaboradas concepções filosóficas.

Como se viu, compreende três conceitos coordenados ou equipolentes: a) a natureza como causa (eficiente e final); b) a natureza como substância ou essência necessária; c) a natureza como totalidade das coisas.

2) A segunda concepção fundamental de natureza considera-a como ordem e necessidade. A origem dessa concepção está nos estoicos, para os quais “a natureza é a disposição a mover-se por si segundo as razões seminais, disposição que leva a cabo e mantém unidas todas as coisas que dela nascem em tempos determinados e coincide com as próprias coisas das quais se distingue” (Diógenes Laércio, VII, 1, 148). Nesta definição é acentuada a regularidade e a ordem do devir à qual a natureza preside. A este conceito de natureza está ligada a noção de lei natural, que, da Antiguidade ao séc. XIX, teve grande importância na moral e no direito . De fato, a lei natural é a regra de comportamento que a ordem do mundo exige que seja respeitada pelos seres vivos, regra cuja realização, segundo os estoicos, era confiada ao instinto (nos animais) ou à razão (no homem) (Diógenes Laércio, VII, I, 85). O aristotelismo do Renascimento retoma o conceito de natureza como ordem. Em De fato (séc. XVI), Pietro Pomponazzi defendia explicitamente o fado estoico, que é a necessidade absoluta da ordem cósmica estabelecida por Deus. E o pensamento que fundamenta as primeiras manifestações da ciência moderna, na obra de Leonardo, Copérnico, Kepler e Galilei, é o de ordem necessária e de caráter matemático, que a ciência deve descobrir e descrever. Segundo Leonardo da Vinci: “A necessidade é tema e inventora da natureza, freio e regra eterna” (Works, ed. Richter, n. 1135). Para Galilei, a natureza é a ordem do universo, ordem única que nunca foi nem será diferente (Op., VII, p. 700). A insistência na natureza como ordem e necessidade é acompanhada pela negação do finalismo da natureza, característico da primeira concepção. Esse conceito da natureza permaneceu como fundamento da ciência moderna em todo seu período clássico. “A natureza é bastante consonante e concordante consigo mesma”, dizia Newton (Optiks, 1704, III, 1, q. 31), mas foi Boyle quem teve as ideias mais claras sobre isso, afirmando explicitamente: “A natureza não deve ser considerada como um agente distinto e separado, mas como uma regra, ou antes como um sistema de regras, segundo as quais os agentes naturais e os corpos sobre os quais eles agem são determinados pelo Grande Autor das coisas a agir e sofrer ação.” Foi esta a concepção da natureza aceita por Kant. “Pela expressão ‘natureza’ (em sentido empírico) entendemos a conexão dos fenômenos para sua existência segundo regras necessárias ou leis. Existem, portanto, certas leis apriori que tornam possível uma natureza; as leis empíricas podem estar presentes e ser descobertas apenas através da experiência, portanto depois das leis originárias graças às quais começa a ser possível a própria experiência” (Crít. R. Pura, Anal. dos princ, cap II, seç. 3, Terceira analogia). Em outro lugar Kant distingue a natureza materialiter spectata da natureza formaliter spectata: a primeira seria “o conjunto de todos os fenômenos”; a segunda seria “a regularidade dos fenômenos no espaço e no tempo” (Ibid., § 26). Mas a primeira nada mais é que o material a que se aplica a segunda, e o conceito da natureza continua sendo o de regularidade devida a leis (Prol, § 14). Esta doutrina foi repetida numerosas vezes na filosofia moderna e contemporânea. Entre os últimos que a repetem pode-se lembrar Whitehead, para quem natureza é “um complexo de entes em relação”, em que a ênfase é posta na relação, atribuindo-se à filosofia natural a tarefa de “estudar como se interligam os vários elementos da natureza (The Concept of Nature, 1920, caps. I-II; trad. it., pp. 13, 28).

3) Para a terceira concepção, natureza é a manifestação do espírito, ou um espírito diminuído ou imperfeito, que se tornou “exterior”, “acidental” ou “mecânico”, ou seja, foi degradado de seus verdadeiros caracteres. Essa concepção encontra-se claramente expressa em Plotino: “A sabedoria é o primeiro termo; a natureza é o último. A natureza é a imagem da sabedoria e é a última parte da alma; como tal, só tem em si os últimos reflexos da razão. (…) A inteligência tem em si tudo; a alma do universo recebe as coisas eternamente, sendo a vida a eterna manifestação do intelecto, mas a natureza é o reflexo da alma na matéria. A realidade termina nela, ou até antes dela, pois ela é o termo do mundo inteligível; além dela, só há imitações” (Enn., IV, 4, 13). O conceito de natureza como manifestação, no sentido de “exteriorização”, com tudo o que a exterioridade tem de diminuído ou degradado em relação à interioridade e à consciência, foi compartilhado (e continua sendo) por todas as metafísicas espiritualistas. É retomado pela teosofia renascentista e encontra-se, p. ex., em Jakob Boehme (De signatura rerum, IX). Mas foi o romantismo que o amplificou e difundiu. Novalis dizia: “O que é a natureza senão o índice enciclopédico sistemático ou o plano de nosso espírito?” (Fragmente, nQ 1384). Foi Hegel quem expressou do modo mais rigoroso e completo esse conceito: “A natureza é a ideia na forma de ser outro”, isto é, da “exterioridade” (Enc., § 247). Como tal, não mostra, em sua existência, liberdade alguma, mas apenas necessidade e acidentalidade. Portanto, “na natureza, não só a inter-relação das formas está à mercê de uma acidentalidade desregrada e desenfreada, como também nenhuma forma tem, por si, o conceito de si mesma”. Hegel reconhece que a natureza está sujeita a “leis eternas”, mas isso não a salva: a natureza é pior que o mal. “Quando a acidentalidade espiritual, o arbítrio, chega ao mal, até o mal é algo infinitamente superior aos movimentos dos astros e à inocência das plantas; porque quem assim erra, ainda é espírito, apesar de tudo” (Ibid., § 248). É bem verdade que nem toda a filosofia romântica compartilhou a condenação hegeliana da natureza Schelling exaltou a natureza, considerando-a como parte ou elemento da vida divina. Numa obra de 1806, censurava Fichte por encarar a natureza ora com um ascetismo grosseiro e insensato, considerando-a puro nada, ora de um ponto de vista puramente mecânico e utilitarista, considerando-a um instrumento de que o Eu Absoluto lança mão para realizar-se (Werke, I, VII, pp. 94,103)-Na realidade, ao considerar a natureza como manifestação do Absoluto, Schelling não insistia tanto na inferioridade da manifestação em relação ao Princípio que se manifesta, mas sobretudo na estreita relação entre os dois. Esta é a outra alternativa oferecida pela concepção da natureza de que tratamos. Por um lado pode-se insistir nos aspectos que distinguem a natureza do espírito e que, de algum modo, os contrapõem, quais sejam, exterioridade, acidentalidade e mecanismo, mas, por outro lado, pode-se também ressaltar que a natureza, como manifestação do espírito, tem em comum com ele seus caracteres substanciais. Foi o que fez Schelling, mas a primeira alternativa costuma prevalecer. O espiritualismo francês do séc. XIX compartilhou quase unanimemente a tese expressa por Ravaisson no fim de Rapport sur la philosophie en France au XIXe siècle (1868)”: a natureza é a degradação, em mecanicismo e necessidade, de um Princípio Espiritual que é espontaneidade e liberdade. Essa concepção também prevaleceu no espiritualismo do séc. XX graças a Bergson. A natureza, como exterioridade ou espacialidade, é uma degradação do espírito. É assim que Bergson expõe o projeto de uma teoria do conhecimento da natureza: “Seria preciso, com um esforço sui generis do espírito, seguir a progressão, ou melhor, a regressão do extra-espacial que se degrada em espacialidade. Se nos situarmos primeiramente no ponto mais alto de nossa própria consciência para em seguida deixarmo-nos cair pouco a pouco, teremos a sensação de que nosso eu se estende em recordações inertes, exteriorizadas umas em relação às outras, em vez de propender a um querer indivisível e agente. Mas isso é apenas o início, etc. (Évol. créatr., 11a ed., 1911, p. 226). O mesmo sentido de degradação é atribuído à natureza na filosofia de Gentile, para quem ela é o “passado do espírito”, sendo, pois, um limite abstrato que o espírito recompreende em si e “domina” (Teoria generale dello spirito, XVI, 18).

4) A quarta concepção de natureza pode ser discernida de modo implícito ou na forma de pressuposto na prática efetiva da pesquisa científica e em algumas análises da metodologia científica contemporânea. Para esta, a natureza é definida em termos de campo , mais precisamente o campo ao qual fazem referência e em que se encontram (ou algumas vezes se desencontram) as técnicas perceptivas e de observação de que o homem dispõe: as primeiras não são menos complexas que as segundas, apesar de se mostrarem como “naturais”, ou seja, passíveis de serem postas em prática sem o concurso de projetos deliberados. A arte faz constante referência às técnicas perceptivas, pois sempre oferece alguma coisa a ser “vista” ou “sentida”, mesmo quando pretende ser “abstrata” e prescindir das formas comumente oferecidas pela percepção comum. A ciência natural faz referência às técnicas de observação, pois, mesmo iniciando seu trabalho com a percepção, afasta-se desta rapidamente tanto no que se refere aos instrumentos de observação quanto no que diz respeito aos objetos que consegue identificar (p. ex., “massa”, energia”, “elétrons”, “fótons”, etc), alguns dos quais se comportam de modo muito diferente das “coisas” que são objeto da percepção comum. Hoje, pode-se entender como natureza o campo objetivo ao qual fazem referência os vários modos da percepção comum e os vários modos da observação científica, do modo como esta é entendida e praticada nos vários ramos da ciência natural. Nesse sentido a natureza não se identifica com um princípio ou com uma aparência metafísica, nem com determinado sistema de conexões necessárias, mas pode ser determinada, em cada fase do desenvolvimento cultural da humanidade, como a esfera dos possíveis objetos de referência das técnicas de observação que a humanidade possui. Trata-se, como é óbvio, de uma concepção não dogmática, mas funcional, pois ainda não foram feitas indagações metodológicas suficientes para esclarecê-la-, contudo, afigura-se como uma exigência da atual fase da metodologia científica. [Abbagnano]


(do gr. physis, do verbo phyô, produzir, crescer)

O universo físico. — A. Lallande denunciou com razão o sentido equívoco da palavra, que pode designar: 1.° o conjunto dos caracteres que definem um ser, uma coisa (a “natureza animal, humana”); 2.° o mundo material, especificando-se se considerado do ponto de vista científico como universo físico (conjunto de relações ou de leis), ou do ponto de vista metafísico como totalidade orgânica (a “natureza naturante” em Spinoza, como energia criadora, presença de Deus no mundo, oposta à “natureza naturada”, objeto da ciência humana; a Natureza no sentido romântico — Novalis, Schelling —, como mediadora entre o homem e a divindade; ou no sentido vitalista — Bergson —, como “evolução criadora” etc); 3.° o que não provém da arte ou da indústria do homem. Nesse sentido, emprega-se principalmente o termo ‘natural”: uma “beleza natural”; 4.° conjunto de tendências, ou temperamento, que constituem o natural de um indivíduo, por oposição ao que pode lhe adicionar a arte, a civilização ou sua própria vontade (caráter que se dá a si mesmo). Deve-se distinguir as ciências da natureza (física, química etc.) e as filosofias da natureza: essas últimas não nos entretém, como as ciências, com os objetos que estão na natureza; partem do sentimento originário do homem de participar da natureza como uma totalidade que nos engloba. Esse sentimento da natureza exprimiu-se, inicialmente, na história da filosofia, nas teorias pré-socráticas dos jônicos, que consideravam a natureza como uma força vital: este sentimento era o da ordem do mundo (os antigos denominavam o mundo cosmos: “ordem”) e, por isso mesmo, o da racionalidade das coisas (o cosmos era a expressão do logos); a meditação dos antigos sobre a natureza partia principalmente da contemplação do céu estrelado. Com a metafísica de Aristóteles, a filosofia da natureza tornou-se um “vitalismo”, relacionando todos os movimentos dos objetos no mundo a uma força interior, a uma tendência que os animaria: se os corpos caem em direção ao solo, é, segundo Aristóteles, porque “desejam” ou “aspiram” reencontrar seu “próprio lugar” (ficticiamente localizado no centro da terra). Com o Renascimento e o desenvolvimento das ciências modernas, a natureza tornou-se o objeto da ciência física: esta designou então o conjunto dos objetos do mundo material (Descartes, Kant); para Kant, a “natureza” correspondia exatamente ao universo de Newton. Nesse contexto, a filosofia da natureza tem sido uma investigação dos princípios racionais (das “leis do espírito”) que tornam possíveis as leis mais gerais da ciência física. A metafísica da natureza de Kant apresenta-se como uma dedução das leis fundamentais da física newtoniana, a partir das “categorias” do espírito descobertas pela reflexão filosófica. — A ontologia moderna substituiu a noção de “natureza” pela do “ser” como presença e luz (Heidegger). Em resumo, a história das “filosofias da natureza” revela uma oscilação entre as teorias vitalistas, que focalizam o ser da natureza, e as teorias racionalistas, que se baseiam no conhecimento da natureza (teoria das ciências, epistemologia). [Larousse]


A palavra, bem como os seus equivalentes, conservaram e aumentaram a variedade de significados. Essa consideração filosófica merece ser tomada como ponto de partida, porque conduz diretamente a uma definição do termo, que é a base para todos os empregos da palavra, e que vê no conceito de natureza a ideia de uma existência que se produz, ou pelo menos se determina a si mesma, em sua totalidade, ou só em parte, sem ter necessidade de uma causa externa. As principais acepções do termo podem ser obtidas, conforme J. Lachelier, pela aplicação à definição acima dada de três diferentes distinções, segundo se atribua essa ideia: 1) a um ser particular ou ao conjunto das coisas; 2) ao princípio intrínseco de produção e de determinação ou à coisa produzida e determinada; 3) a todos estes, considerando, ou a sua constituição material e mecânica ou a sua constituição formal e teleológica.

a) O que caracteriza essa palavra, particularmente, é o fato de em todos os empregos que tem, conservar sempre em segunda plana toda essa unidade de significação, que corresponde à definição acima, formando, cada, um sentido particular, apenas pela atenuação de certos traços, pondo em relevo outros que de momento são atualizados.

b) Partindo do primeiro termo da primeira distinção, nos deparamos diante da natureza concebida como “princípio vital” que estrutura e conserva a constituição de um ser particular. É o que temos em mente quando se fala na “Vis medicatrix naturae’, força medicadora da natureza. É este sentido uma combinação do primeiro termo da primeira e do primeiro termo da segunda distinção.

c) Combinando o 1° termo da 1a distinção com o 2° da 2a, a natureza aparece como a própria essência das coisas, produzida por aquele princípio vital. Assim natureza de uma legislação, natureza de uma ciência, natureza específica de uma coisa, etc.

d) Tomando a representação da constância da essência em oposição à mutação dos caracteres acidentais, como base de uma nova acepção da natureza, natural é tudo o que tem uma espécie, e particularmente na humanidade, esse caráter constante, isto é, tudo o que é inato, congênito, instintivo: o estado em que nascem os homens. Este sentido reflete a concepção teológica da natureza corrompida do homem como oposta àquele que sofreu a transformação sobrenatural pela graça.

e) Da mesma maneira significa a estado natural que caracteriza o homem que não o experimentou a transformação, que se processa em virtude da civilização, da arte, da reflexão, quer se trate de um grupo de primitivos, quer de uma criança que ainda não foi educada. (Cf. Rousseau: A desigualdade, que é quase nula no estado de natureza, tira a sua força e a sua base do desenvolvimento das nossas faculdades e do progresso do espírito humano). Essa natureza empírica, enquanto própria a um indivíduo, constitui mais uma modificação semântica do nosso termo que equivale, então, ao caráter ou ao temperamento. Neste sentido fala-se de uma natureza ambiciosa ou natureza conciliante de uma pessoa.

f) Passando a considerar o segundo termo da primeira distinção e aplicando-lhe simultaneamente a segunda distinção, natureza significa ou a totalidade das coisas que apresentam uma ordem, realizam tipos, acusam a existência de certas leis ou o termo expressa o princípio ativo e vital, a vontade de ordem, que se manifesta nessa regularidade. (Aristóteles opôs neste sentido a natureza ao azar, acaso).

No mesmo sentido Linneu chama a sua obra : Systhema Naturae. A natureza assim compreendida é muitas vezes personificada, como o faz Rousseau quando diz: “A natureza trata todos os animais abandonadas ao seu cuidado com uma predileção que parece mostrar quanto ela é ciosa desse direito”. A natureza, representando assim uma ordem de índole e de dignidade muito especial, muitas vezes se opõe à ordem sobrenatural. O milagre parcialmente destrói a ordem natural. A natureza manifesta uma própria ética; revela a existência de leis que, senão por sua perfeição ética, pelo menos por sua constância, podem servir de normas fixas para o homem. O fato de ser contra a natureza é, no setor moral, o que torna tão odiosas as coisas que chamamos perversas.

g) Se consideramos a terceira distinção, que se prende ao fato de que ela revela uma multiplicidade de valores evidentemente hierarquizados, que se movem entre os extremos de matéria e razão, deparamos com o problema mais profundo e mais intrincado da natureza, porque a todo o espaço que separa estes dois extremos, matéria e espírito, é repleto daquele fenômeno misterioso que chamamos vida, nas suas mais variadas manifestações. Nem a matéria nem o espírito estão geralmente incluídos no conceito da natureza, assim como a índole desse problema o exige. J. Lachelier diz que o mundo puramente natural e mecânico representa até a negação da ideia da physis, que implica crescimento, e que igualmente na vida humana, o mais alto grau de natureza revela algo que já não é natureza, o elemento espiritual, que ele chama liberdade. A oposição entre liberdade e natureza foi estabelecida habilmente por Kant: “A causalidade incondicional do fenômeno se chama liberdade, a causalidade condicional, ao contrário, se chama em sentido restrito, causalidade natural”. Toda a realidade que fica dentro destes extremos de mecanicismo e de liberdade é, nesta acepção, a natureza. Vide livre arbítrio.

h) O que se oferece à primeira vista é o aspecto que temos da riqueza e da beleza da natureza, e que também foi a primeira realidade da qual partiram os filósofos gregos especialmente os da escola jônica. Diz Baldwin que ainda não foi feita nenhuma distinção clara entre matéria e espírito; a natureza foi concebida como viva, ou pelo menos, como animada (psychical). Esta concepção, em uma palavra, foi hilozoísmo, não materialismo. Platão introduziu a distinção entre físico e metafísico, dando origem à tendência de usar o termo natureza em um sentido restrito, que o distinguiu do espiritual. Era o mundo do devir, distinto do mundo do ser.

i) Em Aristóteles, a natureza é o sistema das coisas cambiantes que tendem a um fim ou, em sua totalidade, ao fim: o bem absoluto. Ele aceita, não a independência existencial das formas no sentido de Platão, mas a transcendência das formas com respeito à matéria. Quanto mais alto, mais perfeito, mais espiritual é o princípio informante, tanto mais fortemente se manifesta essa transcendência. Deus, que deu a ordem teleológica ao universo, é ao mesmo tempo o que mais transcende a natureza.

j) Não parecia assim aos estoicos, que consideraram a natureza movida por si mesma, causal e teleologicamente. Era o seu fim em si, era Deus mesmo, e viver de acordo com ela era a virtude perfeita.

k) Os epicureus eliminaram o ponto de vista teleológico e, com isto, todo elemento racional e espiritual da natureza, e chegaram a um atomismo mecanicista, que encontrou a sua mais perfeita expressão no poema de Lucrécio De rerum natura, que muito contribuiu para limitar o termo natureza ao sentido preferentemente físico. Também entre os estoicos, o termo possuía, ao lado da acepção mais integral acima aludida, um sentido mais restrito que coloca a physis como princípio animador do mundo vegetativo, acima dos corpos inorgânicos e abaixo dos animais e do homem.

l) Na Idade Média, além da tradição aristotélica, observa-se uma outra concepção mística da natureza, que desenvolve elementos platônicos e neoplatônicos em uma direção panteísta, tomando-a como a misteriosa e vital energia criadora de Deus. m) Uma terceira corrente parte da interpretação que Averróis deu a Aristóteles, imputando-lhe que negava existência de um transcendente e considerava a forma e as finalidades completamente imanente à natureza. Assim Averróis chega a uma distinção, que avidamente adotada pela filosofia medieval, se expressa nos termos escolásticos de natura naturans, a forma materializada no mundo, o efeito da força divina.

n) Com isto o termo se estendeu novamente para o lado ideal, extraindo do materialismo de um Lucrécio um uso que, porém, nunca de todo esteve esquecido, em virtude do emprego que os autores escolásticos fizeram da palavra; foi Spinoza quem mais decididamente definiu este sentido, dizendo que “a natureza de uma coisa é a sua ideia”.

o) O pensamento moderno, aliás muito dado à exploração das forças e lei mecânicas e a descrever as formas do mundo biológico, nunca deixou por completo de reconhecer um elemento teleológico na natureza, pelo menos quando considerada em sua totalidade. O próprio evolucionismo contribuiu a reforçar este ponto de vista e o princípio da seleção natural (indireta) é perfeitamente compatível com o mesmo e até aprofundou a concepção de uma ordem teleológica. Ademais, em geral, não se ergue a questão se essa ordem teleológica acusa a existência de uma inteligência transcendente. O termo natureza tende, modernamente, não só a perder o setor ideal, como também o campo puramente material e mecanicista de sua aplicação. Ainda falamos em ciências naturais opondo-as às ciências do espírito. Contudo o naturalista para nós já é um homem que deixou de ser um recluso de um laboratório, como o físico ou químico, e vai para junto da natureza para estudá-la, como o zoólogo, o botânico, o geólogo.

Depois da exposição da tríplice distinção sistemática é conveniente resumir a totalidade de todos aqueles fenômenos que designamos como naturais, por meio de uma enumeração dos termos, aos quais a palavra natural se opõe em suas várias acepções. Natural, segundo Lalande, pode ser oposto a: adquirido, refletido, constrangido, artificial, afetado, humano, divino, espiritual, revelado, regenerado, sobrenatural, surpreendente, monstruoso (biologicamente), perverso (moralmente), positivo (direito natural), legítimo (filho natural).

p) Na estética há um emprego muito vago do termo e dos seus derivados, de maneira a reduzi-lo à completa imprecisão de sentido. Quase todos proclamam a volta à natureza. Mas uns entendem a natureza humana no que ela possui de especificamente humano: a razão. Outros, no que ela tem de individual: a sensibilidade, a impressão subjetiva. Outros se referem à natureza externa, porque é abundante, pitoresca e romântica; outros, porque é saudável e forte. A palavra naturalismo, pelo contrário, tomou um sentido muito especial ao cingir-se com preferência aos aspectos inferiores da natureza. [MFSDIC]


O vocábulo “natureza” deriva etimologicamente do latim “natura”, tradução exata do grego physis. Ambos os termos dizem relação ao nascimento, à origem, significando (1), em primeiro lugar, a propriedade natural, isto é, nativa, procedente ou oriunda do nascimento, de um ser vivo. Em sentido lato, chama-se natureza (2) o modo de ser de “cada” ente, tal como lhe compete por sua origem.. Embora muitas vezes não se faça distinção entre natureza e “essência”, contudo, em rigor de expressão, a natureza acrescenta à essência um momento dinâmico; ou seja, a essência é denominada “natureza” enquanto princípio de desenvolvimento do ente, enquanto fundamento interno de seu operar e padecer (de sua ação e paixão). Sob este aspecto, todo ente possui sua natureza, incluindo o homem e o próprio Deus (com exclusão de qualquer imperfeição e devir). Esta natureza (3) é o plano construtivo entranhado em todo ente e, por isso mesmo, também a norma determinante de seu operar; por outras palavras, a lei natural lança raízes na natureza. As coisas inferiores ao homem seguem as leis naturais sem inteligência e, portanto, de maneira necessária; pelo contrário, a lei natural correspondente à vida espiritual do homem adquire caráter moral porque ele a conhece como um “dever” ético que convida sua liberdade. Consequentemente, aparece como contrário à natureza tudo o que pugna com as leis naturais, especialmente com a lei moral natural. — Tendo em conta quanto fica dito, denomina-se natureza, como todo completo, a totalidade dos seres que possuem uma natureza sujeita ao devir. Segundo o danteísmo, esta totalidade é a de todo ente em geral (p. ex., em Spinoza: “Deus sive natura”); de ordinário, porém, representa a totalidade dos seres tópico-temporais, na medida em que eles, mercê de sua peculiar natureza (3), se produzem, desenvolvem e unem para constituir uma ordem: a ordem da natureza (1). Encarada deste modo, a natureza (4), como vontade ordenadora que tudo envolve, é muitas vezes personificada (a “mãe” natureza); diz-se então que ela não age em vão, que não dá saltos (natura no facit saltus). Esta vontade ordenadora, a que também o homem está sujeito, fundamenta-se, em última instância, em Deus, em sua potência criadora e conservadora.

Para mais acurada determinação do que deixamos exposto, são necessárias ainda ulteriores delimitações. Em primeiro lugar, importa distinguir entre natureza (5) e espírito. Pertencem à natureza (5) todos os seres que se desenvolvem de maneira inconsciente e impulsivo-instintiva, e, em primeira linha, a esfera da vida biológica. Embora, o homem, por muitos estratos de seu ser, mergulhe nesta natureza (5) inferior, todavia opõe-se-lhe primariamente enquanto portador do espírito, ou seja, da vida consciente. Desconhece ao homem aquele naturalismo, que se propusesse convertê-lo num pedaço de natureza (5) (Nietzsche, Klages); contudo, esta opinião encerra o legítimo desejo de vencer o capricho e a consciência morbidamente exagerada de um espírito degenerado, o qual exige do homem que retorne à natureza (5), unindo-se a ela de maneira profunda.

Em segundo lugar, importa distinguir entre natureza e cultura. Natureza (6) designa o estado do homem e de todas as coisas visíveis, tal como espontaneamente resulta das leis naturais e se renova de modo não-histórico no eterno ciclo do nascer e do perecer. Cultura, pelo contrário, é aquilo que o homem, por sua intervenção planejadora e plasmadora desenvolve partindo de si e das coisas e onde se realiza como ser histórico, lutando por seu constante e superior desenvolvimento. Como o homem necessariamente cria cultura, também neste sentido (essencialmente diferente do antes mencionado) não há nenhum estado puro de natureza (1); o que sucede é que os povos naturais (selvagens) estão mais próximos dele do que os povos de cultura. Se a cultura se afasta demasiadamente da natureza, então justifica-se plenamente o lema “volta à natureza” (Rousseau).

Em terceiro lugar, importa distinguir entre a natureza e o sobrenatural. Natureza (7) ou natural compreende tudo o que pertence a um ser criado, quer como elemento constitutivo (alma, corpo, membros íntegros), quer como propriedade, disposição, força operativa (entendimento, vontade) dimanante daquele, quer, finalmente, como meio necessário, para que possa existir, desenvolver-se e alcançar seu fim (alimentação, educação). Sob este aspecto, a expressão ordem da natureza (2) designa o conjunto dos seres criados (incluindo os espíritos puros) com tudo quanto pertence à sua natureza (3) como criaturas de Deus. Em oposição a esta ordem, denomina-se sobrenatural a participação das naturezas espirituais criadas na natureza divina (3) ou vida de Deus pela graça da filiação; esta, segundo a revelação cristã, foi concedida ao homem desde o início, de maneira que (mesmo neste sentido essencialmente distinto do anteriormente mencionado [1]) o homem nunca se encontrou em puro estado de natureza (2). — Qualifica-se de extranatural uma perfeição que supera as forças de uma determinada natureza criada, não porém a de todas. Deve também incluir-se aqui o milagre, que em casos excepcionais pode ser produzido pela onipotência divina em testemunho de sua revelação. Lotz. [Brugger]


Trataremos deste conceito pelo menos em dois sentidos, nem sempre independentes entre si: no sentido de natureza principalmente como a chamada “natureza de um ser” e no sentido de natureza como “a natureza”.

O contraste entre “aquilo que é por natureza” e “aquilo que é por convenção” foi tratado principalmente pelos sofistas para distinguir entre aquilo que tem um modo de ser que lhe é próprio e que há que conhecer tal como efetiva e naturalmente é, e aquilo cujo ser, ou modo de ser, foi determinado de acordo com um propósito humano. Também se discutiu – e tem vindo a discutir-se até hoje – se as leis enquanto leis de uma sociedade derivam de um modo, ou modos, de ser, ou são resultado de um pato ou “contrato social”. Em todas estas discussões, a noção de “ser por natureza” aproximava-se da noção de “ter algo próprio de si e por si”. Esta última noção não é alheia ao modo como Aristóteles propôs as suas influentes definições de natureza. Distinguiu, com efeito, vários sentidos de natureza: a geração daquilo que cresce; o elemento primeiro donde emerge aquilo que cresce; o princípio do primeiro movimento imanente a cada um dos seres naturais em virtude da sua própria índole; o elemento primeiro de que é feito um objeto ou do qual provém; a realidade primeira das coisas (Metafísica). Todas estas definições têm em comum que a natureza é “a essência dos seres que possuem em si mesmos e enquanto tais o princípio do seu movimento”. Por isso se pode chamar natureza à matéria, mas só enquanto é capaz de receber esse princípio do seu próprio movimento; ou também à mudança e ao crescimento, mas só enquanto são movimentos procedentes desse princípio. natureza é, pois, “um princípio e uma causa de movimento e de repouso para a coisa na qual reside imediatamente por si e não por acidente” (Física).

De tudo isto se depreende que aquilo que existe por natureza se contrapõe àquilo que existe por outras, por exemplo, pela arte. Uma coisa que não possua o princípio do movimento que a faz atuar de acordo com o que é, não tem essa substância que se chamar natureza. A natureza é, pois, ao mesmo tempo, substância e causa. Ora, dentro daquilo a que chamamos “mundo natural” ou simplesmente natureza, há conhecimentos que n~ão produzidos pela arte e, todavia, são de certo modo “contrários à natureza”. Isso acontece com os chamados “movimentos violentos”, ao contrário dos “movimentos naturais”. O estudo da diferença entre estes dois tipos de movimentos foi muito importante especialmente na idade média e nos começos da época moderna, quando se estabeleceram os fundamentos da chamada física clássica. Quando nos referimos à “unidade da natureza” como um todo, apontamos para ideias acerca da natureza mais próximas das modernas, nas quais, como depois, veremos se entendeu natureza como o “conjunto das coisas naturais”. Em alguns casos, o conceito de natureza como “um todo” foi explicado usando nomes tais como cosmos, universo, o todo, “a realidade sublunar”, etc.

Importa destacar, no começo da idade média, a concepção de natureza de João Escoto Erígena, para o qual Deus é a natureza criadora e incriada, d’Ele procede a natureza criadora e criada, isto é, as ideias, o inteligível. Segue-se-lhe a natureza incriada e incapaz de criação, representada pelo mundo sensível. O último elemento desta é a natureza que não foi criada nem tão pouco é criadora, esta natureza é no entanto Deus, como ponto final de um desenvolvimento no qual foi princípio e que se cumpre na aspiração de todo o ser a identificar-se de novo com a natureza divina. A natureza, em sentido lato, constitui uma unidade onde a separação não é mais do que o afastamento do primeiro princípio e onde a temporalidade do mundo é manifestação da eternidade.

Os escolásticos usaram o termo em sentidos parecidos ao de Aristóteles, mas acrescentaram-lhe novas significações. Assim, em S. Tomás há três significações predominantes: como princípio intrínseco de movimento; como essência, forma, índole de uma coisa e como aquilo a que se chamou “a totalidade de todas as substâncias”. No primeiro caso, trata-se de um modo de ser próprio de certas entidades; no segundo, é aquilo que constitui o todo ou uma parte de certas entidades. Cada um destes significados se entende melhor se o confrontarmos com alguns dos outros. Assim, por exemplo, se tomarmos o conceito de natureza na sua segunda significação, podemos ver melhor o que se entendeu por natureza em relação ao que se entendeu por pessoa. A natureza equivale aqui ao quê de uma coisa, aquilo que uma coisa é, enquanto a pessoa equivale ao quem, seja qual for o suposto que o constitui. O suposto é o que tem natureza e a natureza é aquilo pelo qual o suposto se constitui na sua espécie. alem da contraposição de natureza e arte, foram muito importantes a de natureza, como aquilo que foi criado, e Deus. Outra, de certo modo derivada da anterior, é a contraposição de natureza e graça, que foi particularmente importante na filosofia e na especulação teológica de Santo Agostinho. Enquanto criada por Deus, a natureza é, para Santo Agostinho, fundamentalmente boa. Não é uma potência má que se oporia a uma potência boa. O mal na natureza surge como consequência do pecado, o qual pode ser interpretado, metafisicamente, como ummovimento de afastamento da fonte criadora”. Para redimir a natureza assim corrompida, é necessária a graça. Daí que a graça não elimine a natureza, mas que a aperfeiçoe.

Própria da época moderna e, mais especificamente da contemporânea, é a contraposição entre natureza e cultura.

Mencionaremos muito ao de leve algumas das posições tomadas. Segundo alguns, são ilegítimas todas as contraposições, visto que “o que há” é simplesmente “a natureza”, à qual deve reduzir-se tudo. Segundo outros, a natureza está subordinada à liberdade, à cultura ou ao espírito, cada um dos quais, ou todos ao mesmo tempo, acabarão por absorver a natureza. Segundo outros, cada um dos termos de qualquer destas contraposições exclui o outro só enquanto não se tem em conta a possibilidade de um terceiro termo, que seria como que uma síntese. Esta última localização foi muito comum desde o idealismo alemão, que, em grande parte, pode caraterizar-se como uma tentativa para resolver a contraposição natureza-espírito. Finalmente, outros preferem falar de uma complementarização recíproca, segundo a qual, e de modo análogo ao que se tinha dito relativamente à natureza e à graça, á liberdade e à cultura, ao espírito, etc, não se opõem propriamente à natureza, mas complementam-na ou completam-na. [Ferrater]