Quando se considera sem atenção a natureza, oferece ela o espetáculo de uma incessante mudança e de uma infinita variedade. Não há numa floresta duas folhas de árvore que sejam exatamente idênticas; e cada folha, considerada em si mesma, varia, por pouco que seja, de um instante a outro, pois é sede de uma infinidade de fenômenos químicos. Mas, logo que a observação se torna atenta e refletida, apercebemo-nos de que, sob estas mudanças, há elementos fixos que se apresentam sempre de uma maneira semelhante. A variedade não exclui certas analogias e certas uniformidades. As folhas de um carvalho têm todas uma contextura idêntica, embora difiram todas em algum pormenor, e os fenômenos químicos que nelas se passam ocorrem sempre de maneira bem definida, como se obedecessem a regras imutáveis. A reflexão vai atender a estes elementos permanentes e estáveis.
Com efeito, a curiosidade, a atenção, não se fixa sobre o que é efêmero e acidental, sobre o que, mal aparece, se desvanece para nunca mais. E, se o fizesse, o conhecimento resultante seria inútil, pois nunca acharia aplicação alguma. Demais, um conhecimento refletido exige uma multitude de observações diversas, que apenas são possíveis pela repetição frequente de fenômenos semelhantes. Ater-se-á a descobrir as semelhanças constantes, para além das variações de pormenor, as relações imutáveis que a observação atenta nos revela nas transformações incessantes dos fenômenos naturais. Estas relações são denominadas leis da natureza e a ciência pode ser definida como a pesquisa de tais leis.
Procuremos precisar o sentido desta expressão: lei natural, para esclarecer ao mesmo tempo a definição da ciência.
Uma lei natural é, no dizer de Lachelier, uma redução do particular ao universal, do composto ao simples, do contingente ao necessário. Daí resulta que a ciência apresentará também este tríplice caráter.
«Abandono uma pedra que tinha entre os dedos: ela cai; do mesmo modo, largo um pedaço de metal e um pedaço de madeira: eles caem; volto um vaso cheio de água: o líquido escorre. No ar, uma bola de chumbo e uma bola de cortiça caem com velocidades desiguais: no vácuo caem com a mesma velocidade. No polo, no equador, entre o polo e o equador, a linha seguida pelos corpos que caem é perpendicular à superfície das águas tranquilas e, se a prolongássemos, encontraria o centro da Terra. […] Aqui estão os fatos. Agora a lei: todos os corpos caem para o centro da Terra e, no vácuo, com a mesma aceleração.» (Liard, Science Positive et Métaphysique, 4.)
1.° «Consideremos os fatos: nada mais diverso. Fiz a experiência com corpos sólidos: uma pedra, um pedaço de ferro, de chumbo, de madeira, etc., e com corpos líquidos; verifiquei que os próprios gases estavam submetidos à ação da gravidade. Fiz a experiência em meios diversos: na atmosfera a diversos graus de condensação, no ar rarefeito, no vácuo menos imperfeito que os nossos instrumentos podem obter. Fi-la em diversos lugares: perto do polo, longe do polo, em dois pontos diametralmente opostos do globo terrestre. Fi-la em alturas diferentes: na planície, nas montanhas.
Em todos estes casos, por diversos que sejam e possam ser, encontrei um elemento comum: a queda para o centro da Terra. […] Quando deixo de considerar os fatos para passar à lei que os rege, ponho de lado todas as circunstâncias, todas as variedades individuais e particulares, para reter apenas a propriedade comum.» (Liard, op. cit., 5.)
Retenho de um grande número de fenômenos, muito diferentes uns dos outros, uma propriedade universal, isto é, apresentada por eles todos, quaisquer que sejam as circunstâncias consideradas. Por isso se pode dizer, com Aristóteles, que só há ciência do universal ou do geral.
2.° Esta redução do particular ao universal é ao mesmo tempo uma passagem do composto ao simples.
Para quem ignora as leis da gravidade não há coisa mais complexa do que o conjunto destes fenômenos: um balão, o fumo, um «papagaio» que se elevam na atmosfera, uma pena, tuna folha de papel que oscilam no ar, um corpo pesado que cai verticalmente, a subida da água nas bombas. E, no entanto, diz-nos a ciência, todos seguem a mesma lei, se eliminarmos certas particularidades acidentais.
A natureza inteira afigura-se-nos então como constituída por efeitos inumeráveis e muito variados de um pequeno número de causas muito gerais. A variedade resulta de diferenças secundárias e mínimas na maneira como esses fatores gerais agem e se combinam. Vemos assim que a pesquisa do geral e do universal nos fenômenos particulares é afinal a redução do complexo ao simples; e as leis científicas são uma explicação simples, embora suficiente, de um conjunto à primeira vista muito complexo.
Esta simplicidade tem a vantagem de nos dar dos fenômenos, na expressão de Descartes, uma ideia clara e distinta, porque um conjunto complexo é por força confuso e obscuro. O conhecimento científico substitui, portanto, por noções claras e distintas as ideias obscuras que espontaneamente fazemos das coisas. E é esta simplicidade, pela clareza que implica, que nos permite evitar, tanto quanto é possível, o erro.
3.° Enfim, e é esse o caráter fundamental da ciência, reduz ela o contingente ao necessário. Uma vez que explicamos um conjunto de fenômenos por leis gerais e simples, vemos nitidamente como esses fenômenos se produzem e que não poderiam produzir-se de outro modo. É necessário que as coisas se passem assim.
A quem quer que considere superficialmente a natureza e não a compreenda parece-lhe que os fenômenos se produzem ao acaso e arbitrariamente. O milagre está por toda a parte e a ordem em parte alguma. Os Gregos do tempo de Homero não explicavam tudo pelas vontades mais ou menos razoáveis das divindades caprichosas? Na linguagem filosófica denomina-se contingente o que é produto do acaso e do capricho; o que poderia ser coisa diversa do que é; o que não obedece a uma lei fixa e imutável. A natureza, antes que a ciência tivesse determinado as suas leis, surge, pois, como contingente. «Esta pedra que abandonei a si mesma caía segundo a normal; a velocidade da queda crescia proporcionalmente ao tempo: eram estes os fatos. Mas nada me garantia que ela não pudesse permanecer suspensa no ar, ou descrever, na queda, esta ou aquela curva, ou cair num movimento uniforme ou uniformemente retardado. Agora que conheço a lei, o fato e as suas diversas circunstâncias essenciais afiguram-se-me necessários: o meu espírito recusa-se a conceber que ocorra o oposto do que ocorreu. A produção de um fato cuja lei é conhecida é necessária em relação a essa lei.» (Liard, op. cit., 6.) [Alain Rey, Leçons de Philosophie, n, 1927, pp. 9-12.]