(lat. vis; in. Force; fr. Force, al. Kraft; it. Forza).
Precisamente a ação causal, não no sentido de explicar ou justificar (como razão de ser), mas de produzir infalivelmente um efeito. Portanto, de forma mais geral, toda técnica apta a garantir infalivelmente um efeito ou que pretenda garanti-lo. Nesse sentido, diz-se “o direito como força” ou “o Estado como força” para destacar a infalibilidade da realização do direito ou da vontade do Estado. Em tal sentido Kant dizia que há quatro espécies de combinações da força com a liberdade e a lei: a) lei e liberdade sem força: anarquia; b) lei e força sem liberdade: despotismo; c) força sem liberdade e sem lei: barbárie; d) força com liberdade e lei: república (Antr., II, Delineação do caráter do gênero humano, 2). Em sentido análogo Hegel falou de “força da existência” no domínio das relações jurídicas entre os Estados, aludindo à frase de Napoleão: “A república francesa não tem necessidade de reconhecimento” (Fil. do dir., 331, Apênd.).
A noção de força deve ser considerada sob dois aspectos fundamentais, a saber: 1) no seu uso pela ciência; 2) na interpretação dada pela filosofia.
1) Consideramos aqui a noção de força exclusivamente da forma como se veio configurando desde os primórdios da ciência moderna, excluindo de seu âmbito as noções de potência, de causa eficiente ou formal, de qualidade oculta, etc, todas de caráter metafísico ou teológico às quais se pode referir, retrospectiva e grosseiramente, o termo força Todos esses termos têm uma amplitude histórica e problemática completamente diferente do termo em questão, de tal maneira que não podem lançar luzes sobre seu significado ou aos problemas a ele atinentes. Portanto, entenderemos com o termo força a ação causal infalível considerada como: a) diferente ou independente de qualquer agente ou forma metafísica; ti) diferente ou independente de qualquer forma ou agente psíquico; c) suscetível de tratamento matemático. A noção de força também deve ser distinguida da noção de energia, apesar de os próprios cientistas terem por vezes confundido os dois termos, ao falarem (como, p. ex., Mayer e Helmholtz) de conservação da força, quando se trata da conservação da energia.
Neste sentido, pode-se discenir o nascimento da noção de força nas observações de Kepler, que considerou a virtude (virtus), à qual se devem os movimentos gravitacionais, como sujeita a todas as “necessidades matemáticas” (Astronomia nova, III, p. 241), negando que ela pudesse ser identificada com a alma (Mysterium cosmographicum, 1621, em Opera, ed. Frisch, I, p. 176). Mas essa noção só foi definida quando se definiu com precisão o princípio da inércia como princípio fundamental da física, com Descartes. Galilei utilizou-a com frequência (p. ex., nos Disc. sulle nuovescienze, em Op., VIII, pp. 155, 344, 345, 442, 447, etc), mas não a define, como tampouco define a noção de inércia, que também utiliza. Em relação direta com esta última, a força é definida por Descartes, que diz: “A força com que um corpo age contra outro corpo ou resiste à sua ação consiste apenas em que toda a coisa persiste, enquanto pode, no mesmo estado em que se encontra, de acordo com a primeira lei já exposta [lei da inércia]. De tal maneira, um corpo unido a outro corpo possui força para impedir que seja dele separado e, quando é separado, há uma força que impede a união; assim, quando se encontra em repouso, tem força para permanecer em repouso e para resistir àquilo que poderia fazê-lo mudar; assim, se se move, há uma força para continuar mo vendo-se com a. mesma velocidade e para o mesmo lado” (Princ. phil., II, 43). Mas foi Newton quem generalizou a noção de força, dando-lhe expressão matemática precisa. O segundo princípio da dinâmica newtoniana, ou seja, a proporcionalidade entre força e aceleração imprimida (F = ma), faz da força uma relação entre duas grandezas, sem nenhuma referência às essências ou qualidades ocultas, cuja inutilidade para a física era declarada pelo próprio Newton: “Pretendo dar somente uma noção matemática das forças, sem considerar suas causas ou suas sedes físicas” (Philosophiae naturalisprincipia mathematica, 1760, p. 5). A generalização newtoniana permitia falar de força da gravidade, de força elétrica ou de força magnética, de tal modo que, na segunda metade do séc XVIII, o conceito de força tornou-se um dos mais populares e difundidos. Contudo, despertou a desconfiança dos cientistas, que muitas vezes se recusavam ver nele algo mais que simples relação causal. D’Alembert observou que, se a relação entre causa e efeito não for considerada de natureza lógica, mas apenas baseada na experiência, a força a distância (gravidade) não representa um enigma maior do que a transmissão do movimento através do choque, e de fato nada mais faz que expressar, assim como esta última, uma relação confirmada pela experiência (Élements de phil., 1759, § 17). Pelos mesmos motivos Maupertuis queria que o conceito de força como “causa da aceleração” fosse eliminado da mecânica e substituído pelas simples determinações da medida da aceleração (Examen philosophique de la preuve de l’existence de Dieu, 1756, II, §§ 23, 26). Kant não fez mais que expressar o mesmo conceito ao dizer que “força nada mais é que a relação entre a substância A e qualquer outra coisa B’ e que tal relação só pode ser dada pela experiência (De mundi sensibilis et inteligibilis forma et principiis, 5 28), ou que a força não é mais que “a causalidade da substância”, ou seja, “a relação do sujeito da causalidade com o efeito” (Crít. R. Pura, Anal. dos Princípios, cap. II, seç. III, Segunda analogia da experiência). Deste ponto de vista, a interpretação da força como agente causal misterioso e inacessível, tal como se encontra, p. ex., em Spencer (First Principles, § 26), é alijada de ciência.
Contudo, com os significados atribuídos por Galilei ou Newton, a noção de força também não predominou por muito tempo na ciência. Leibniz já descobrira e esclarecera o conceito de força viva, que é o produto da massa pelo quadrado da velocidade, conceito que constitui o ponto de partida para a moderna noção de energia (Mathematische Schriften, ed. Gerhardt, VT, pp. 218 ss.). Sua doutrina acerca da superioridade da força sobre a matéria, que serve de termo médio para a resolução da matéria em energia espiritual (V. adiante), baseia-se precisamente nesse conceito de energia. Porém, no século seguinte, a descoberta da conservação da energia (1842) por Robert Mayer e a obra de Helmholtz e de Hertz conduziram à formulação daquilo que se chamou energismo da mecânica (cf. Poincaré, La science et l’hypothèse, p. 148). O energismo nega que a força seja a “causa” do movimento e que, portanto, esteja presente antes áo movimento, e considera a ideia de energia anterior à de força Esta última é introduzida através de simples definição e suas propriedades são deduzidas a partir da definição e das leis fundamentais. Portanto, no energismo a ideia de força já não implica dificuldade alguma: é um simples conceito convencional. Na mesma linha encontram-se os Princípios de mecânica (1894) de Hertz, que só consideram como fundamentais as ideias de tempo, espaço e massa, considerando derivadas as ideias de força e de energia. Contudo, o conceito de energia continuava sendo importante em física, sobretudo com referência ao conceito de campo , enquanto o conceito de força continuava sendo o mesmo demonstrado pelo energismo: um nome para definir certas relações entre algumas grandezas físicas. A este propósito Russell disse: “Supõe-se que a força seja causa da aceleração… Mas a aceleração é uma simples ficção matemática, um número, não um fato físico… Portanto, se a força é causa, é causa de um efeito que não se produz” (Principles of Mathematics, 1903, p. 474)
2) As interpretações filosóficas do conceito de força seguem à distância e com pouca fidelidade o desenvolvimento científico do seu conceito. Todas elas obedecem a um esquema uniforme e consistem em integrar a noção de força na experiência humana. Esta redução pode ter duplo significado. Pode: a) ser entendida como justificação da noção e transformá-la em conceito metafísico; b) ser entendida como crítica à noção e mostrar, com o caráter antropomórfico, a falta de fundamento. Leibniz é o iniciador das tentativas no primeiro sentido e Locke, no segundo sentido.
a) Em Système nouveau de la nature (1695) Leibniz narra que, depois de se libertar do jugo de Aristóteles, acreditara no vácuo e nos átomos, mas que, depois de muitas meditações, concluíra que as unidades últimas não podem ser materiais e que, portanto, não podem ser átomos de matéria, mas de espírito. E acrescenta: “Era necessário, portanto, reabilitar as formas substanciais tão desacreditadas hoje em dia, mas de tal maneira que fossem inteligíveis e permitissem uma separação entre o uso que delas se deve fazer e o abuso que delas se tem feito. Descobri, então, que a natureza delas consiste na força e que disto resulta algo análogo à consciência e ao apetite, sendo, assim, necessário concebê-las à imitação da noção que temos das almas” (Système, etc, § 3). Isto mostra as bases do primado que Leibniz sempre concedeu à noção de força em suas interpretações físicas e metafísicas: a força é algo análogo à consciência (sentimeni) e ao apetite, ou seja, a experiências internas do homem. É certo que Leibniz entendeu por força a vis activa que, como se disse, é energia. Mas isso não faz diferença do ponto de vista de sua metafísica, que é uma metafísica da força espiritual (cf. Nouv. ess., II, 21, § 1). Esta doutrina torna-se arquétipo de toda a corrente filosófica cujo segundo fundador foi Maine de Biran, no início do séc. XIX. Este considera a percepção interna e imediata, vale dizer, a consciência que o eu tem de si, como força volitiva e ativa, como revelação do mesmo caráter originário da realidade, que, por isso mesmo, seria ela mesma força Diz: “A percepção interna ou imediata é a consciência de uma força que é meu próprio eu e que serve de exemplo para todas as noções gerais e universais de causa e de força” (Nouveaux essais d’anthropologie, 1823-24, em (Euvres, ed. Naville, III, p. 5). Praticamente na mesma época Schopenhauer realizava a mesma passagem da psicologia para a metafísica, reconhecendo como única força constitutiva da essência do mundo a que o homem percebe imediatamente em sisi mesmo, ou seja, a vontade (Die Welt als Wille und Vorstellung, 1819). Isso deve ser entendido no sentido de que ao homem mostra-se como vontade a mesma potência ativa que nas outras partes da natureza se manifesta como força: “Se, portanto, eu disser que a força que faz a pedra cair no chão, em sua essência, em si e fora de qualquer representação, é vontade, não se deverá atribuir a essa afirmação o insensato significado de que a pedra se move segundo um motivo conhecido pelo fato de que no homem a vontade se manifesta deste modo” (Ibid., I, § 19). Esta identificação da força que o homem conhece pela experiência interior com a força que age no mundo continua constituindo a base das filosofias espiritualistas. A doutrina de Bergson, segundo a qual um elã vital, que se revela à consciência humana como duração real, dá origem à vida penetrando e organizando a matéria (Évol. créatr., cap. I), obedece ao mesmo critério fundamental. Mas essa postura também é assumida pelas doutrinas materialistas: admitir, a exemplo de Haeckel (Die Welträtsel, 1899), uma única força que explica todo devir do universo e é análoga à que se revela na consciência do homem significa obedecer à mesma interpretação da noção de força
b) Por outro lado, a redução dessa noção a experiência interna por vezes significou uma crítica à própria noção, porque considerada como sinal do seu caráter arbitrário. A este respeito, Locke evidenciara que a ideia de poder (Power) derivara da reflexão do espírito sobre suas operações (Ensaio, II, 21, 4). Com o fim de defender sua concepção do universo como linguagem ou manifestação de Deus, Berkeley foi levado a retirar o caráter realista dos conceitos da ciência: “força, gravidade, atração e termos semelhantes convém ao fim de raciocinar e de fazer cálculos sobre o movimento e sobre todos os corpos que se movem, mas não ao fim de compreender a natureza do próprio movimento” (De motu, § 17; Siris, § 234). Hume por sua vez demonstrou que nem da experiência interna nem de qualquer outra fonte o espírito pode extrair uma ideia clara e real de força: “E certo que ignoramos a maneira como os corpos agem um sobre o outro, e que sua força ou energia nos é de todo incompreensível, porém somos igualmente ignorantes sobre a maneira ou força com que uma mente, conquanto suprema, age sobre si mesma e sobre os corpos. De qual dessas coisas, pergunto, conseguimos fazer uma ideia?… O que é mais difícil conceber: que o movimento nasce de um choque ou que nasce de um ato de vontade? Tudo o que conhecemos é nossa ignorância profunda em ambos os casos” (Inq. Conc. Underst, VII, 1). Essa crítica de Hume é clássica e, sob certo aspecto, definitiva. Mach considerou “fetichismo” o uso do conceito de força, aliás tanto quanto o de causa, que desejava substituir pelo conceito de função (Analyse der Empfindungen, 9a ed., 1922, p. 74; Populäwissenschaftlichen Vorlossugen, 1896, p. 259; trad. in., 1943, p. 254). Por outro lado, pelo fato de esse conceito ter deixado de despertar o interesse da ciência também deixou de ter interesse para a crítica metodológica. Portanto, hoje se apresenta como conceito científico antiquado, que serve de pretexto (embora cada vez mais raramente) para especulações metafísicas (cf. Max Jammer, Concepts of Force, 1957: obra rica de informações conquanto dúbia e confusa ao delimitar a noção de que trata). [Abbagnano]
Significa capacidade de operar, de produzir alguma coisa; denota, portanto, capacidade de ação, potência ativa. É um acidente da substância dotada de poder operativo e causa próxima de sua atividade. Sua existência infere-se em virtude do princípio de causalidade. A ocasião concreta para formar o conceito de força é a exteriorização e o esforço dinâmicos vitalmente experimentáveis. A força dá-se em todos os domínios do ser; no espiritual, no meramente vital e no material. As forças operantes na natureza inorgânica entre os vários corpos são concebidas, na maioria dos casos, por analogia com as forças espirituais e musculares experimentáveis, embora não lhes advenha vitalidade. As forças inerentes aos objetos naturais operam necessariamente e constituem a base das leis naturais. — Segundo a terminologia científico-natural usual, força significa a causa a que se deve a variação do estado de movimento de um corpo. Esta definição está incluída na lei de inércia (movimento). — Segundo Leibniz, a força dirigida teologicamente é constitutiva da substância. As m6onadas são, em si, centros inextensos de força, que só por sua ação produzem nos corpos as formas geométricas extensas. — Junk. [Brugger]