Podemos considerar os fatos como históricos, desde que tenhamos uma perspectiva tal que nos permita ver o cosmos como um acontecer, como um produzir-se. É preciso que saibamos distinguir bem o que é um fato histórico enquanto histórico, que nessa perspectiva o é todo acontecer, de o fato histórico, no sentido que lhe dão os historiadores.
Quando um fato ultrapassa ao campo do indivíduo e do grupo, e tem sua influência, significação ou condicionamento, quer sobre ou para outros grupos sociais maiores, penetrando na direção do seu destino, chamamo-lo de histórico. E, nesse sentido, tais fatos formam o historial, ou mostram seu aspecto historial que é o conjunto dos acontecimentos, que tem ou tiveram certa significação ou influência sobre uma coletividade humana.
Para os gregos a história era concebida como o relato dos fatos importantes que eles, devido à falta de um sentir em profundidade do tempo, envolviam, confundiam com os mitos criados sobre a sua origem e sobre as épocas pretéritas (dos antepassados). Consideravam os gregos, o saber de duas espécies: um teórico e um prático. O prático é o saber que é dado pela experiência.
Toda teoria se funda numa especulação, num espelhar os fatos do passado, comparando-os com os do presente, para descobrir nestes como naqueles, o nexo que os liga. A teoria é assim uma construção do espírito feita sobre os fatos dados pela prática. A matemática, a física, a filosofia, etc., são saberes teóricos. Mas a história, para os gregos, é um saber prático. Não procuravam eles uma teoria sobre ela, nem descobrir o nexo dos fatos, apesar das passagens de certos autores, onde encontramos comparações e a apreensão de analogias, que já encerravam, em si, as possibilidades de ulteriores desenvolvimentos; tal se verificou no desenrolar dos estudos históricos, sobretudo em nossos dias, quando ela passa a adquirir novos métodos e novos instrumentos de trabalho, em suas combinações com a sociologia, e que lhe darão uma nova fisionomia.
Como a perspectiva e a visão do tempo varia de cultura para cultura, varia também sua perspectiva da história. Para os gregos ela é apenas dos homens. Mas na cultura fáustica já verificamos que aquela é concebida, não apenas como do campo antropológico, mas também dos animais e das coisas, de todos os seres que se dão no tempo e no espaço. Dessa forma, temos uma visão histórica do mundo. Mas no estado atual dos nossos conhecimentos sobre a história, como o produzir-se do acontecer cósmico e dos fatos importantes da vida humana, podemos apontar a sua essência? Dizem alguns que a essência da história está em sua irrepetibilidade. O histórico não se repete, porque a perspectiva histórica é consequência da posição que tomamos, de cujo ângulo visualizamos apenas o aspecto irrepetível dos fatos. Cada fato que se dá é novo e único em sisi mesmo. Mas cada fato também repete algo dos fatos passados, porque, do contrário, todo o existir seria de uma diferença absoluta e não nos permitiria o conhecimento. Conhecemos porque há aspectos que se repetem, e é sobre o repetível que construímos a ciência, construímos um saber. Mas o fato histórico como tempo é irrepetível, porque o minuto que passa, não retorna; é sucedido, é substituído. Sabemos que Napoleão Bonaparte não será repetido, não retorna; mas as condições que geram um Bonaparte, o bonapartismo, sob certos aspectos, se repetem.
Por um lado a sociologia atualiza as notas que se repetem dos fatos, enquanto a história apenas atualiza as irrepetíveis. Quando dizemos que a história se repete, atualizamos apenas as notas que retornam, não o fato em sua unicidade; olhamos mais o lado sociológico que propriamente o histórico. Diz-se: Não se dão os fatos históricos apenas no tempo; dão-se também em um local, no espaço, portanto. Sim, realmente se dão também no espaço, mas como algo que sucedeu no tempo. O que resta da história, no espaço, é o produto e não o produzir-se. Ela é o produzir-se, porque é dinâmica, é tempo. O que produziu, o que ficou, monumentos, arte realizada, obras em geral, são o produto, os quais nos permitem através deles captar algo daquele produzir-se. Assim é irreversível como produzir-se, mas reversível como produto.
Quem a vê apenas extensivamente, como objetivação do produto, tende a ver mecanicamente os fatos históricos, a atualizar uma causalidade rígida, a sistematizar o acontecido. Quem a vê apenas como um produzir-se, aponta-lhe a direção, como se fosse uma vida, como se fosse uma estrutura biológica, atualizando apenas o lado temporal. O estudo da história, para ser um estudo proveitoso, não pode afastar-se de uma concepção que englobe ambos aspectos, que permita a formação de uma visão concreta, conexionando os aspectos meramente históricos, como irrepetíveis, com as realizações, as obras feitas, as quais servem para indicar um novo caminho capaz de permitir o vislumbrar dos aspectos sociológicos, para uma visão filosófica e histórica da cultura humana em geral, e da história em particular.
Assim considerar a morfologia da história pelos dois lados que se antagonizam, e vê-la em sua unidade, é ter uma visão orgânica e, ao mesmo tempo sistemática; é não deixar-se arrastar por valorizações apenas unilaterais, atualizando o lado extensista ou o intensista, o que nos levaria a uma compreensão meramente abstrata, e não a uma posição concreta, capaz daí de poder captar da história os nexos que permitem concluir muito em benefício do homem. [MFSDIC]