VIDE complicação
O explicar e explicação significam, em geral, a redução do desconhecido a alguma coisa conhecida. Explica-se um conceito, indicando as notas particulares, já pressupostas como conhecidas, de que ele consta. Neste sentido, desde o século XVIII se fala da explicação de palavras e de conceitos, como de sinônimo da definição. Explicar um objeto é reduzi-lo a seus elementos, a suas causas necessárias ou, considerado como caso particular, a uma lei geral. — Enquanto a vida do espírito e suas criações são caracterizadas pela liberdade do espírito, a qual se subtrai a toda determinação unívoca e meramente legal, a natureza infra-espiritual é dominada pela conexão dos fenômenos segundo leis (sobre as excepções aparentes indeterminação [relação de indeterminação]). Com razão se contrapõe, desde Dilthey, o explicar, como método característico das ciências naturais, ao compreender, próprio das ciências do espírito. Com efeito, nas ciências naturais procura-se reduzir os fenômenos a seus elementos, entendê-los por suas conexões com as leis, conhecer o indivíduo, que, neste domínio (ao contrário do que sucede na esfera do espírito), não possui qualquer valor próprio como caso particular de um universal. (O objetivo da ciência natural não é, p. ex., “este” arco-íris, mas “o” arco-íris; ao invés, a ciência do espírito, p. ex. a história da arte, trata não “do” quadro, mas de determinados quadros de determinados mestres). Em conexão com o objeto e o objetivo do conhecimento das ciências naturais está o fato de que seu método, a explicação, é racional-conceptual. Embora aí a dedução dos fenômenos a partir de suas causas eficientes, ocupe o primeiro plano, contudo seria uma concepção unilateral não tomar em consideração a finalidade (inconsciente na natureza) e a totalidade que, na esfera biológica e também na natureza inanimada, se encontra acima dos elementos. Os dois pontos de vista, longe de se excluírem, completam-se. A ciência natural, quando tenta “explicar” também os princípios de sua explicação, chega às suas fronteiras e converte-se em filosofia natural, a qual é forçada a reduzir o conhecido ao que é desconhecido, mas necessário (como condição da possibilidade do conhecido). — Brugger.
Examinou-se o problema da explicação ligando-o à descrição e à compreensão. Já Leibniz afirmava (Teodiceia) que explicar e compreender diferem em princípio, visto que os mistérios da fé, por exemplo, podem explicar-se mas não compreender-se, e mesmo na ciência física certas qualidades sensíveis explicam-se de um modo imperfeito e sem as compreender. O problema foi retomado por duas tendências filosóficas contemporâneas. Para Dilthey e seus seguidores, deve distinguir-se rigorosamente entre a explicação e a compreensão. A primeira é o método que é típico das ciências da natureza, que se preocupam coma causa, enquanto a compreensão é o método típico das ciências do espírito, se preocupam com o sentido. Por outro lado, segundo os positivistas e os fenomenistas, deve distinguir-se entre explicação e descrição, porque a primeira é uma especulação ilegítima sobre causas últimas e só a segunda constitui o autêntico método da ciência. Opondo-se ao positivismo e ao fenomenismo, alguns autores afirmaram que a ciência procura as verdadeiras causas dos fenômenos e que isso se torna possível mediante um processo de assimilação da realidade à razão ou de identificação da razão com a realidade. Outros preocuparam-se antes com precisar o significado de “explicação” e, sobretudo, de “explicar causalmente”. Por exemplo, afirmou-se que “explicar causalmente” um processo significa poder derivar dedutivamente de leis condições concomitantes uma proposição que descreve esse processo. Em qualquer explicação, há antes de mais uma hipótese ou uma proposição que tem um caráter de uma lei natural, e, depois, uma série de proposições válidas só para o caso considerado. A explicação causal está, pois, ligada à possibilidade de prognosticar o aparecimento de fenômenos. Como pode verificar-se, esta análise não se baseia numa oposição à descrição, pois considera esta como fazendo parte do processo explicativo. Assim se abandonam anteriores explicações que se limitavam a reduzir a explicação à indicação do porquê e a contrastá-la com a descrição enquanto indicação do como. Também se propôs uma teoria da explicação baseada numa concepção da ciência como modo de ordenar coerentemente as nossas experiências. Ora, esta ordenação não consiste apenas no estabelecimento de algumas leis que reúnam certo número de fatos que nos explique. As leis científicas e explicativas estão organizadas numa hierarquia, segundo a qual há leis primárias que explicam fatos observados, leis secundárias (leis de leis), que explicam conjuntos de leis primárias, leis terciárias (ou leis de leis), que explicam conjuntos de leis secundárias, e assim sucessivamente. Assim se refina o conceito de explicação e se faz ver que certas leis que reúnem entre si conceitos muito gerais podem considerar-se explicativas e não só, como diziam os positivistas do século XIX, como especulativas.
Também se investigaram os diferentes tipos de explicação científica e se apontaram quatro princípios: 1) as que seguem o modelo dedutivo (como em lógica e matemática), 2) a explicação probabilística, onde as premissas são logicamente insuficientes para garantir a verdade do que deve explicar-se, mas onde podem alcançar-se enunciados prováveis; 3) as explicações funcionais ou teleológicas, nas quais se empregam locuções como “com o fim de” e outras semelhantes nas quais, em muitos casos, se faz referência a um estado ou acontecimento futuro em função do qual se tornam inteligíveis a existência de uma coisa ou as alterações de um ato; 4) as explicações genéticas, nas quais se estabelece uma sequência de acontecimentos mediante a qual se transforma um dado sistema noutro sistema. Todos estes tipos de explicação têm algo em comum: o fato de em todos eles, se tentar responder à pergunta “porquê?” (“porque é que algo é como é?”, ou “porque é que algo acontece como acontece?”). Em geral, admite-se a possibilidade de “explicação verdadeira” nas ciências, em vez de considerar que as ciências se limitam a apresentar descrições. O fato de nem todas as explicações serem de natureza dedutiva não significa que não sejam autênticas explicações. Acontece só que, em muitas das explicações científicas, as consequências não podem derivar simplesmente de um modo formal das premissas. Mesmo as ciências que mais se aproximam do modo dedutivo (como a física teórica) requerem enunciados singulares por meio dos quais se estabelecem as condições iniciais de um sistema. [Ferrater]
É possível propor dois modelos de explicação: a explicação em termos de projetos e a explicação em termos de sistemas. Por um lado, consideramos os projetos formados ou vividos pelos atores individuais, por outro, consideramos as totalidades, as configurações de conjunto, envolvendo numerosas ações, nas quais não distinguimos o concurso dos atores individuais. No caso de recurso a uma explicação em termos de projeto, será preciso elaborar uma teoria que analise os laços possíveis entre situações e projetos, além de, em função das situações conhecidas e apoiando-nos na teoria em questão, ser preciso imaginar tipos de projetos possíveis que desempenharão o papel de hipótese no processo explicativo. Se, ao contrário, recorremos a uma explicação em termos de sistemas, será preciso elaborar uma teoria relativa à evolução dos sistemas; neste trabalho, seremos levados, quer a buscar inspiração em teorias relativas aos sistemas físicos ou biológicos (servindo-nos, por exemplo, de um modelo cibernético), quer a buscar apoio em teorias de caráter filosófico (não-científico, portanto) como, por exemplo, uma filosofia de tipo dialético. [Ladrière]
L. Explicatio; F. Explication; It. Esplicazione, spiegazione; I. Explanation, explication; A. Erklärung, Explikation.
Ato de explicar, de tornar compreensível. No sentido figurado, exposição do conteúdo do assunto. Quem “explica”, expõe o assunto, decompondo-o em seus pormenores, ou seja, tornando claro o que estava simplesmente latente. A explicação trabalhará com o máximo de conservação, mas fixação esta variável no tempo, conforme as descobertas de novos elementos contidos no assunto. Por milênios o átomo permaneceu “explicado”, isto é, “exposto” como indivisível. Foi Newton, segundo Dampier-Whetham, Ciências, 190, o primeiro a se dar conta de que todo intento de explicação corresponde a uma etapa posterior do assunto.
— “O processo de explicação mais importante consiste em mostrar que um fato observado é caso particular de uma lei ou tendência geral.” Jevons, Principles, 532. [Soares]
A ciência experimental em geral procura estabelecer relações constantes entre os fenômenos. A fim de estabelecer que a relação visada é constante, é indispensável multiplicar as observações e as experimentações em que os termos a serem relacionados apareçam ou possam aparecer. Assim se acham legitimados os processos tradicionais descritos por Claude Bernard e Mill. Quando a correlação entre os dois termos é atestada por uma frequência satisfatória, admite-se que os dois termos estejam ligados de maneira constante ceteris paribus, isto é, se certas condições estão reunidas; a procura se estende pois a uma constelação de fatores no seio da qual a constante possa ser verificada. A epistemologia se acha assim levada a abandonar a categoria de causa e a ideia correspondente de encadeamento unilinear; ela os substitui pelo conceito mais flexível de conjunto de condições ou de condicionamento e pela ideia de um determinismo em rede. Mas essa evolução não altera o objetivo da ciência experimental: a explicação. A lei, ou relação constante entre um conjunto de condições e um efeito, não é por si mesma explicativa, pois responde à questão de como e não à questão por quê; a teoria, elaborada sobre a infra-estrutura de um conjunto de leis concernentes ao mesmo setor da natureza, visa a destacar a razão comum. Somente então é que o espírito pode ser satisfeito porque ele detém a explicação de todos os fenômenos subsumidos na teoria por intermédio das leis. O processo explicativo passaria pois necessariamente por uma indução: esta, a crer na metodologia empirista, consistiria em concluir da observação dos fatos a uma relação constante de sucessão ou de simultaneidade entre alguns desses fatos. A constante relativa à observação seria a seguir universalizada como constante absoluta, até ser eventualmente desmentida pela observação.
Esse método de procura das condições não apresenta nenhuma dificuldade especial, à primeira vista, quando aplicado às ciências humanas. Pode-se mesmo dizer que oferece garantias de objetividade. Assim, Durkheim propondo tratar os fatos sociais como coisas tentava elaborar um método explicativo em sociologia: tratava-se explicitamente, em Les règles de la méthode sociologique de estabelecer relações constantes entre a “instituição” estudada e o “meio social interno” definido por sua vez em termos de física (densidade, volume). Durkheim mostrava-se assim fiel ao programa comteano da “física social” e conduzia a sociologia para o eminente emprego da estatística comparada. Tratava-se com efeito de relacionar uma dada instituição aos diversos setores do mesmo meio social ou aos diversos meios sociais e de tirar, pelo estudo detalhado das correlações assim estabelecidas, constantes para o condicionamento dessa instituição. Podia-se, universalizando até segunda ordem, escrever então leis de estrutura social. Sem dúvida não se pode reduzir Durkheim a essa sociologia estática; ele próprio utilizou a explicação genética ou histórica em seu estudo sobre a família por exemplo, e fazia na Revue de métaphysique et de morale de 1937 uma atualização, ao final de que distinguia o problema da gênese das instituições (“quais são as causas que aç suscitaram”) e o problema de seu funcionamento (“quais são os fins úteis que elas preenchem, a maneira como funcionam na sociedade, isto é, como são aplicadas pelos indivíduos”). A sociologia empreende essa dupla investigação recorrendo para o segundo ponto à estatística e para o primeiro, à história e à etnografia comparada (x). Nem por isso a tarefa sociológica é menos explicativa, ao mesmo tempo longitudinalmente (gênese) e transversalmente (meio). O determinismo, ainda que reticular, é determinismo.
Encontrar-se-á uma atitude metodológica sensivelmente paralela em psicologia entre os objetivistas. [Lyotard]
(lat. explicatio; in. Explication; fr. Explication; al. Auslegung; it. Esplicazioné).
O contrário de complicação .
(in. Explanation, Explication; fr. Explication; al. Erklärung; it. Spiegazioné).
Em geral, todo processo tendente a determinar o porquê de um objeto, a tornar um discurso ou uma situação clara e acessível ao entendimento ou a eliminar dificuldades e conflitos de uma situação. Esse termo, já usado por Cícero nesse sentido (De finibus, III, 4, 14; De nat. deor., III, 24, 62, etc), foi retomado por Nicolau de Cusa no sentido de manifestação: “Deus é a complicação de todas as coisas, porque todas as coisas estão nele; e é a explicação de todas as coisas porquanto ele está em todas as coisas” (De docta ignor., II, 3). Sob a metáfora do “aplainar”, “entender”, “tornar explícito”, esse termo oculta uma multiplicidade de significados que podem ser distinguidos segundo as situações a que fazem referência. Temos, então, que:
1) em face de um termo, explicar significa determinar seu significado, interpretá-lo (v. interpretação);
2) em face de um enunciado analítico, explicar significa substituir o enunciado em questão por um enunciado menos vago, mais exato ou, se possível, próprio de uma linguagem formal (Carnap, Meaning and Necessity, § 2).
3) em face de uma situação humana de conflito, explicar significa eliminar as causas ou os motivos do conflito;
4) em face de um objeto em geral, seja ele coisa, evento ou pessoa, explicar significa fornecer o porquê de ele ser ou acontecer.
Desses quatro significados, é ao quarto que se refere o problema específico da natureza da explicação As várias doutrinas que a filosofia e a metodologia da ciência apresentaram sobre a natureza da explicação versam todas sobre o significado do porquê e sobre as possíveis respostas que ele pode ter. Desse ponto de vista, podem ser distinguidas duas espécies fundamentais de técnicas explicativas: A) técnica explicativa causal; B) técnicas explicativas condicionais.
A) Existem dois tipos de explicação causal, correspondentes aos dois conceitos fundamentais de causalidade que se alternaram na tradição filosófica e científica: a) o conceito de causalidade como dedutibilidade, b) o conceito de causalidade como uniformidade. Como esses dois conceitos de causalidade têm a pretensão de possibilitar uma previsão infalível, por explicação causal pode-se entender, em geral, toda técnica que permita a previsão infalível de um objeto. Mas como a previsão infalível só é possível quando se trata de objetos necessários, ou seja, que não podem não ser ou não podem ser diferentemente do que são, a explicação causal é, em todos os casos, a demonstração da necessidade do seu objeto. Desse ponto de vista, afirmar que “x foi explicado” significa afirmar “x foi demonstrado em sua necessidade” e portanto “x era infalivelmente previsível”. Sobre essa base comum, é possível distinguir: a) técnica explicativa causal que recorre à dedutibilidade; b) técnica explicativa causal que recorre à uniformidade.
a) A técnica explicativa que recorre à dedutibilidade é a da metafísica clássica, sobretudo de Aristóteles. Embora tenha distinguido quatro espécies de causas, Aristóteles reconhece, para efeito de explicação, o primado da causa final como razão de ser, substância ou forma do objeto (De part. an., I, 1, 639 b, 14; 642 a, 17; cf. Causalidade) Desse ponto de vista, a explicação finalista é primordial e fundamental, coincidindo com aquela que, em termos modernos, se chama explicação genética, por recorrer à causa eficiente, que, em última análise, coincide com a causa final. Nesse sentido, a explicação causal identifica-se com a demonstração , porquanto é demonstração da necessidade. Nesse aspecto, Hegel só fazia repetir o ensinamento de Aristóteles, quando afirmava ser tarefa da filosofia especulativa “a demonstração da necessidade”, vendo só nela a satisfação da necessidade própria da razão. Mas esse conceito de explicação não se encontra apenas na metafísica: foi frequentemente estendido para a ciência. Quando, contra a análise positivista da ciência, explicação Meyerson afirmava que a ciência não procura só a previsão, mas a explicação dos fenômenos, estava reduzindo a explicação à identificação, porque só a identificação permite a dedução do fenômeno. E diz: “Em virtude da causa ou da razão e com a ajuda de operação pura de raciocínio, devemos poder concluir no fenômeno. É o que se chama uma dedução. A causa, então, pode ser definida como ponto de partida de uma dedução de que o fenômeno é o ponto de chegada” (De l’explication dans les sciences, 1927, p. 66; cf. Identité et réalité, 1908). Por outro lado, o próprio positivismo remetera a explicação ao domínio da dedução. Stuart Mill escreve: “Diz-se que determinado fato está explicado quando se indica a sua causa, ou seja, a lei ou as leis de causação cujo exemplo é sua produção… De modo semelhante, diz-se que uma lei ou uniformidade de natureza está explicada quando se indica outra lei, ou outras leis, de que aquela lei é um caso e das quais ela pode ser deduzida” (Logic, III, 12, 1). Além disso, uma das tentativas mais conhecidas da “lógica da explicação”, no âmbito do positivismo lógico, que é a de C. G. Hempel e P. Oppenheim, obedece à mesma inspiração. Dando o nome de explanandum ao enunciado que descreve o fenômeno a ser explicado e de explanam à classe dos enunciados aduzidos na consideração do fenômeno (a preferência dada ao termo explanation e seus derivados, na literatura anglo-saxônica atual, é determinada pela exigência de reservar o termo expli-cation à análise dos enunciados), Hempel e Oppenheim assim descrevem as “condições lógicas da adequação”: “(R 1) O explanandum deve ser consequência lógica do explanans, em outras palavras, deve ser logicamente dedutível da informação contida no explanans, senão este não constituirá o fundamento adequado para o explanandum. (R 2) O explanans deve conter leis gerais, e estas devem ser realmente necessárias à derivação do explanandum. (R 3) O explanans deve ter um conteúdo empírico, ou seja, pelo menos em princípio, deve ser suscetível de comprovação por experimento ou observação”. A essas condições lógicas Hempel e Oppenheim acrescentam uma “condição empírica”, que é a seguinte: “(R 4) Os enunciados que constituem o explanans devera ser verdadeiros” (“The Logic of Explanation”, 1948, em Readings in the Philosophy of Science, ed. Feigl e Brodbek, 1953, pp. 321-22). Essa doutrina da explicação está em oposição à concepção que reduz a explicação a princípios ou elementos familiares, à qual recorrem os adeptos do segundo tipo de explicação causal (Ibid., p. 330). Essa mesma doutrina foi estendida por Hempel ao campo da história (“The Function of General Laws in History”, em Journal of Philosophy, 1942, pp. 35-48), com a exigência de que a explicação causal seja acompanhada pelo prognóstico infalível do fenômeno explicado (Ibid., p. 38). Observou-se com justiça que toda a sua teoria da explicação pode ser adaptada à física newtoniana, mas é completamente incapaz de dar conta daquilo que se deve entender por explicação na física quântica (N. R. Hanson, “On the Symmetry between Explanation and Prediction”, em The Philosophical Review, 1959, pp. 349-58). Com maior razão, esse tipo de explicação não pode ser considerado adequado no domínio da história e, em geral, das ciências.
b) O segundo tipo de explicação causal é o que recorre ao conceito de causa como uniformidade de interconexão dos fenômenos. Esse é o conceito introduzido por Hume e utilizado por Comte como fundamento da explicação “positiva” dos fenômenos. Comte contrapôs à tentativa metafísica de descobrir “os modos essenciais de produção” dos fenômenos a tarefa puramente descritiva da ciência positiva, que se limita a descobrir as leis dos fenômenos, ou seja, suas relações constantes (Cours de phil. positive, 4a ed., 1887, II, pp. 169, 268, 312, etc). No estágio positivo, dizia Comte, “a explicação dos fatos, reduzida aos seus termos reais, não é mais do que o nexo estabelecido entre os diversos fenômenos particulares e alguns fatos gerais cujo número o progresso da ciência tende cada vez mais a diminuir” (Ibid., I, p. 5). Esse ponto de vista herdava a contraposição estabelecida pelos iluministas, especialmente D’Alembert, entre o espírito de sistema e a descrição científica da natureza. Este é muito menos ambicioso do que o outro, pois não lança mão da dedutibilidade de um fenômeno (ou da sua descrição) a partir de sua causa (ou de um conjunto de leis gerais), mas recorre à uniformidade ou constância das relações entre fenômenos e, portanto, à redução do fenômeno a ser explicado a tais relações constantes. É esse o valor dado, p. ex., à técnica explicativa causal por P. W. Bridgman: “A essência de uma explicação causal consiste em reduzir uma situação a elementos de tal modo familiares que possamos aceitá-los como coisa óbvia e satisfazer a nossa curiosidade. Reduzir uma situação a elementos significa, do ponto de vista operacional, descobrir correlações familiares entre os fenômenos de que a situação se compõe” (The Logic of Modern Physics, 1927, cap. II; trad. it., p. 50). Em sentido análogo, R. B. Braithwaite disse: “Quando se pergunta a causa de determinado evento, o que se quer é a especificação do evento precedente ou simultâneo que, conjugado a alguns fatores causais que têm natureza de condições permanentes, seja suficiente para determinar a ocorrência do evento a ser explicado, de acordo com uma lei causal, num dos significados habituais de lei causal” (Scientific Explanation, 1953, p- 320). Como, por leis causais, Braithwaite entende as generalizações empíricas que afirmam concomitâncias de sucessão ou simultaneidade (Ibid., cap. IX), uma explicação que “esteja de acordo com uma lei causal” é uma explicação que faz referência a uma uniformidade empiricamente constatada. Esse ponto de vista é repetido de várias formas na filosofia contemporânea, ainda que nem sempre nitidamente separado do precedente.
B) As técnicas explicativas causais, tanto a fundada na dedução quanto a fundada na conexão uniforme, pretendem conferir à explicação causal um caráter infalível e global que corresponde ao caráter de previsão certa atribuído ao nexo causal. A técnica explicativa que pode ser chamada de condicional elimina do esquema explicativo justamente essas características. Os primórdios desse conceito podem ser encontrados na doutrina de Kant, que também empregou em sentido próprio o conceito de condição . Kant contrapõe a explicação científica dos fenômenos à “hipótese transcendental” da metafísica. Diz: “Para a explicação dos fenômenos dados, não podem aduzir coisas e princípios que não se relacionem com os fenômenos dados, segundo as já conhecidas leis dos fenômenos. Uma hipótese transcendental em que, para a explicação das coisas naturais, se empregasse uma simples ideia da razão não seria absolutamente uma explicação, porque aquilo que não é suficientemente entendido com princípios empíricos seria explicado com algo de que não se entende coisa alguma” (Crít. R. Pura, Doutr. do método, cap. I, seç. 3). Mas foi sobretudo no campo da metodologia histórica que esse tipo de explicação foi elaborado; quem o introduziu de modo explícito foi Max Weber: “A consideração do significado causal de um fato histórico começará, antes de mais nada, com a seguinte questão: excluindo esse fato do conjunto de fatores assumidos como condicionantes, ou mudando-o em determinado sentido, o curso dos acontecimentos, tomando como base as regras gerais da experiência, poderia ter tomado uma direção de algum modo diferente, nos pontos decisivos para o nosso interesse?” Se pudermos responder afirmativamente, o fato em questão deverá ser considerado um dos fatores condicionantes do processo histórico; se a resposta for negativa, deverá ser excluído de tais fatores (Kritische Studien auf dem Gebiet der kulturwissenschaftlichen Logik, 1906, II; trad. it., em Il método delle scienze storico-sociali, p. 223). A moderna metodologia da história é unânime em abandonar os esquemas de explicação causal e em aceitar um esquema condicional que se configura de maneiras diferentes, segundo o metodologista. Quando, na doutrina de S. Mill sobre a natureza da explicação, K. Popper observa que “Mill e seus companheiros historicistas não consideram que as tendências gerais dependem das condições iniciais e tratam tais tendências como se fossem leis absolutas”, ao passo que a explicação deve dar conta, se possível, das “condições nas quais elas persistem” (The Poverty of Historicism, 1944, § 28), está procurando transformar o esquema causal em um esquema condicional. Mas talvez a melhor formulação do esquema condicional, no que se refere ao seu possível uso nas disciplinas históricas, seja a de W. Dray. “Em alguns contextos, a exigência de explicação estará suficientemente satisfeita se mostrarmos que o ocorrido foi possível, não havendo necessidade de mostrar, além disso, que era necessário. Embora explicar uma coisa, como diz o professor Toulmin, significa muitas vezes ‘mostrar que ela podia ser esperada’ [The Place of Reason in Ethics, 1950, p. 96], o critério apropriado para um importante domínio de casos é mais amplo do que este; para explicar uma coisa às vezes basta mostrar que ela não devia causar surpresa” (Laws and Explanation in History. 1957, p. 157). Dray contrapõe esse esquema explicativo, que ele chama de como-possivelmente (how-possibly) ao causal, do porque-necessariamente (why-necessarily), porquanto os dois esquemas são logicamente diferentes e respondem a duas espécies diferentes de perguntas, de sorte que, “no caso da explicação como-possivelmente, exigir um conjunto de condições suficientes seria mudar a questão” (Ibid., p. 169). Esse ponto de vista, apesar de elaborado para as disciplinas históricas, está igualmente apto a entender a natureza da explicação que se verifica agora no âmbito das ciências naturais, especialmente da mais avançada delas, que é a física quântica. Uma vez que nela também falta, além da condição de previsibilidade infalível, a conexão causal necessitante, o único esquema possível de explicação é a explicação condicional, que se limita a determinar a possibilidade do explanandum. Nesse sentido, pode-se dizer que a explicação é a determinação da possibilidade determinada e verificável do objeto; onde determinada significa individualizada e reconhecível com um método ou procedimento apropriado e, às vezes, mensurável segundo um esquema de probabilidade, e verificável significa repetível em condições adequadas (Abbagnano, Possibilita e liberta, 1957, VI, §§ 4-5; Problemi di sociologia, 1959, VIII, §§ 1-5).
Deve-se observar, por fim, que o próprio procedimento da explicação lógica, na forma descrita por Carnap e Reichenbach, inclui-se na categoria de explicação condicional. Segundo Carnap, a explicação consiste em substituir um termo originário chamado explicandum, que é um conceito vago ou familiar, por um novo conceito exato, que Carnap chama de explicatum e Reichenbach de explicans. Isso posto, a explicação consiste, segundo Reichenbach, em determinar o significado do termo, e o significado se reduz a uma possibilidade lógica, física ou técnica, mas, em todo caso, a uma possibilidade (Reichenbach, “Verifiability Theory of Meaning”, em Proceedings of the American Academy of Arts and Sciences, 1951, pp. 46 ss.; Carnap, Meaning and Necessity, § 2) (v. possível; significado; verificação). [Abbagnano]