(do gr. aisthesis, faculdade de sentir), ciência que trata do belo e do sentimento que ele desperta em nós. — Os problemas da estética podem agrupar-se sob duas divisões: a criação e a percepção estética. Se a metafísica interessa-se principalmente pelo fenômeno da criação, no qual lhe é possível mensurar e analisar os poderes do homem (v. A instauração filosófica de E. Souriau), a estética propriamente dita apresenta-se principalmente, sobretudo desde Kant, como uma teoria da percepção, isto é, dó “julgamento do gosto” ou do sentimento de prazer (v. A fenomenologia da experiência estética de M. Dufrenne). A obra de arte é uma forma de expressão talvez mais completa, humanamente mais profunda que a expressão verbal; ela faz apelo, no espectador, para um engajamento da ordem do sentimento, cujas leis ou “categorias” certos estetas modernos pensam poder destacar. A análise do sentimento estético poderia ser, assim, um método para aprofundar o conhecimento do homem. (v. arte abstrata, belas-artes, criação.) [Larousse]
Termo forjado, pela primeira vez, por Baumgarten (1750). Deriva etimologicamente do grego aisthesis (= percepção sensorial) e designa primariamente a ciência da percepção sensível em oposição à ciência do conhecimento intelectual. Kant aceita também esta acepção, quando na “Crítica da razão pura” intitula “Estética transcendental” a primeira parte da doutrina elementar transcendental. Contudo Baumgarten assinala como fim da estética: a perfeição do conhecimento sensorial como tal, no qual reside a beleza. Temos aqui o sentido peculiar do termo “estética”, ao qual foi Schiller quem principalmente deu foros de cidadania. Segundo isso, estética é a ciência do belo, o âmago da qual é constituído pela doutrina filosófica sobre a beleza (estética filosófica). Desta nos ocupamos aqui. Radica-se elá na parte da ontologia que trata dos transcendentais, no número dos quais se deve contar o belo. Não podemos identificar pura e simplesmente a estética filosófica com a filosofia da arte; pois que, partindo do belo em geral, abarca, a par do belo artístico, o belo natural, embora aquele constitua seu principal objeto e polarize a maior parte de seus esforços.
A uma estética filosófica poderíamos opor que o belo (beleza) é experimentado pelo gosto ou sentimento estético e que, por tal motivo, se subtrai ao conceito da filosofia. Tal opinião é muito discutível. Sentimento não significa que o belo seja algo sentimental, puramente subjetivo, que não admite discussão; pelo contrário, o belo existe como algo real. O gosto não se lhe contrapõe como vivência inteiramente irracional, pois assim como o belo tem profundas estruturas ontológicas, assim também o gosto estético está intimamente penetrado por fatores racionais. Donde se segue que os conceitos filosóficos podem abarcar a ambos, sem violentá-los. Contudo, o belo encontra primariamente resposta plena e adequada na integridade da vivência estética, e não no conceito, porque, embora pertencendo completamente à esfera do ser, não se exaure no ente conceptualmente apreendido, mas lhe acrescenta um novo transcendental. O homem, todo inteiro, vibra, da mesma maneira que no belo se harmonizam todos os aspectos do ente. De modo especial, a forma sensível, que as mais das vezes a beleza reveste para nós, exige a participação essencial da percepção sensorial; por isso se justifica o nome de “estética”. Por causa da cooperação aqui exigida de múltiplos elementos, o belo perfeito é uma exceção, do mesmo modo que o perfeito gosto estético.
Podemos agora precisar melhor a problemática da estética filosófica. Primeiramente, compete-lhe aclarar, do ponto de vista do ser, a essência do belo em geral e em particular (natureza e arte): problema ontológico-metafísico. Em segundo lugar, tem de esclarecer, do ponto de vista da natureza humana, a essência da vivência estética em suas duas formas típicas (o artista criador e o contemplador): problema antropológico-existencial, que tem igualmente raízes ontológico-metafísicas. Esta dupla consideração inclui por si os problemas do valor estético e da apreciação estética.
Inícios de uma estética, apresentam-nos, na Antiguidade, Platão, Aristóteles e Plotino, bem como, nas épocas patrística e medieval, S. Agostinho e S. Tomás de Aquino. Na Alemanha, Baumgarten fundou a estética sistemática, a qual recebeu grande impulso com os escritos estéticos de Schiller. Kant, “Crítica do juízo”, deu-lhe forma própria inteiramente subjetiva. Entre os idealistas alemães, Schelling enalteceu ao máximo a arte e Hegel fez dela objeto de profundas reflexões, muito embora tanto um como outro a considerem panteisticamente como manifestação sensível do Absoluto. Schopenhauer encara também o belo como ideia tornada sensível que liberta da dor cósmica. Posteriormente, até nossos dias, tem surgido copiosíssima bibliografia sobre estética. — Lotz. [Brugger]
(in. Aesthetics; fr. Esthétique; al. Aesthetik; it. Estética).
Com esse termo designa-se a ciência (filosófica) da arte e do belo. O substantivo foi introduzido por Baumgarten, por volta de 1750, num livro (Aesthetica) em que defendia a tese de que são objeto da arte as representações confusas, mas claras, isto é, sensíveis mas “perfeitas”, enquanto são objeto do conhecimento racional as representações distintas (os conceitos). Esse substantivo significa propriamente “doutrina do conhecimento sensível”. Kant, que também fala (Crítica do Juízo) de um juízo estético, que é o juízo sobre a arte e sobre o belo, chama de “estética transcendental” (Crítica da Razão Pura) a doutrina das formas a priori do conhecimento sensível. Mas em Kant o substantivo estética, alusivo à arte e ao belo, já não se referia à doutrina de Baumgarten; hoje, esse substantivo designa qualquer análise, investigação ou especulação que tenha por objeto a arte e o belo, independentemente de doutrinas ou escolas.
Dissemos “arte e belo” porque as investigações em torno desses dois objetos coincidem ou, pelo menos, estão estreitamente mescladas na filosofia moderna e contemporânea. Isso não ocorria, porém, na filosofia antiga, em que as noções de arte e de belo eram consideradas diferentes e reciprocamente independentes. A doutrina da arte era chamada pelos antigos com o nome de seu próprio objeto, poética, ou seja, arte produtiva, produtiva de imagens (Platão, Sof., 265 a; Aristóteles, Ret, 1,11,1371 b 7), enquanto o belo (não incluído no número dos objetos produzíveis) não se incluía na poética e era considerado à parte (v. BELO). Assim, para Platão, o belo é a manifestação evidente das Ideias (isto é, dos valores), sendo, por isso, a via de acesso mais fácil e óbvia a tais valores (Fed., 250 e), ao passo que a arte é a imitação das coisas sensíveis ou dos acontecimentos que se desenrolam no mundo sensível, constituindo, antes, a recusa de ultrapassar a aparência sensível em direção à realidade e aos valores (Rep., X, 598 c). Para Aristóteles, o belo consiste na ordem, na simetria e numa grandeza que se preste a ser facilmente abarcada pela visão em seu conjunto (Poet., 7, 1450 b 35 ss.; Met., XIII, 3, 1078 b 1), ao mesmo tempo que retoma e adota a teoria da arte como imitação, apesar de, com a noção de catarse, retirá-la daquela espécie de confinamento à esfera sensível a que fora condenada por Platão (v. mais abaixo).
A partir do séc. XVIII, as noções de arte e belo mostram-se vinculadas, como objetos de uma única investigação; essa conexão foi fruto do conceito de gosto, entendido como faculdade de discernir o belo, tanto dentro quanto fora da arte. A investigação de Hume Sobre a norma do gosto (1741) já supõe essa identificação, assim como a de Burke, Sobre a origem das ideias do sublime e do belo (1756; cf. V, I), e o ensaio de G. Spalletti, Sopra la bellezza (1765; cf. §§ 19-20). Mas foi sobretudo Kant quem estabeleceu a identidade entre artístico e belo, ao afirmar que “a natureza é bela quando tem a aparência da arte”; e que “a arte só pode ser chamada de bela quando nós, conquanto conscientes de que é arte, a consideramos como natureza” (Crít. dojuízo, § 45). Finalmente, Schelling invertia a relação tradicional entre arte e natureza, fazendo da arte a norma da natureza e não o contrário. Para Schelling, a arte é a realização necessária e perfeita da beleza a que a natureza só chega de modo parcial e casual (System des transzendentalen Idealismus, 1800, VI, § 2; cf. “As artes figurativas e a natureza”, 1807, em Werke, VII, pp. 289 ss.).
Todavia, a tentativa de separar a ciência da arte da doutrina do belo ocorreu mais recentemente na Alemanha, com vistas a instituir uma “ciência geral da arte” em bases positivas (estética Utitz, Grundlegung der allgemeinen Kunstwissenschaft, 2 vols., Stuttgart, 1914 e 1920; M. DESSOIR, Ästhetik und allgemeine Kunstwissenschaft, Stuttgart, 1923). Essa ciência deveria ter como objeto a arte em seus aspectos técnicos, psicológicos, morais e sociais, cabendo à estética a consideração do belo, que para ela é tradicional e insuficiente para explicar todos os fenômenos artísticos, porquanto a arte dos primitivos, p. ex., e grande parte da arte moderna parecem fugir à categoria do belo. Essas considerações, porém, não parecem decisivas. No uso comum e mesmo no erudito (próprio dos críticos de arte e dos filósofos), a noção de “belo” é suficientemente ampla para qualificar qualquer obra de arte bem realizada, ainda que represente coisas ou pessoas que, por si mesmas, não poderiam ser chamadas de “belas” com base nos cânones correntes. Portanto, não se afigurou oportuno separar a estética, como ciência filosófica do belo, da ciência da arte enquanto tal (cf. B. C. Heyl, New Bearings in Esthetics and Art Criticism, 1943, pp. 20 ss.). Por outro lado, no próprio domínio da estética são cada vez mais discutidos problemas de ordem psicológica, social, moral, etc, o que não parece exigir um lugar à parte. A proposta em questão, portanto, só serviu para ressaltar a exigência de que esses problemas sejam cada vez mais debatidos no âmbito da estética Teve mais sucesso a proposta de Paul Valéry de distinguir da estética uma poética que deveria consistir “na análise comparada do mecanismo do ato do escritor e das outras condições menos definidas que esse ato parece exigir” (Variéte, 1944, V, p. 292). Pelo nome de poética, hoje se indica frequentemente o conjunto de reflexões que um artista faz sobre sua própria atividade ou sobre a arte em geral; e se, com o uso dessa palavra, não se pretender aludir a uma forma de estética menor, debilitada ou provisória, seu uso não suscita objeções.
A história da estética apresenta uma grande variedade de definições da arte e do belo. Embora cada uma dessas definições tenha, via de regra, a pretensão de expressar de forma absoluta a essência da arte, hoje vai ganhando corpo a ideia de que a maioria delas só expressa tal essência do ponto de vista de um problema particular ou de um grupo de problemas. P. ex., está bastante claro que a definição de arte como imitação é a solução de um problema totalmente diferente do problema cuja solução é a definição da arte como prazer: de fato, a primeira refere-se à relação entre arte e natureza; a segunda, à relação entre arte e homem. Por isso, as teorias estética só podem ser apresentadas com referência aos problemas fundamentais cuja solução constituem (ou pretendem constituir), sendo necessário, preliminarmente, expor tais problemas para poder apontar, a propósito de cada um, as soluções mais importantes que já foram ou estão sendo propostas. Ora, os problemas fundamentais em torno dos quais podem ser agrupados todos os problemas discutidos no domínio da estética, permitindo orientar-se em meio à variedade de tendências dessa ciência, são três: 1) a relação entre a arte e a natureza; 2) a relação entre a arte e o homem; 3) a função da arte.
1) Muitas definições de arte são determinações da relação entre a arte e a natureza (ou, em geral, a realidade). Como se pode entender a arte como algo dependente da natureza, independente dela ou condicionada por ela, é possível distinguir três diferentes concepções de arte, sob esta perspectiva: a) arte como imitação, b) arte como criação, c) arte como construção.
a) A definição mais antiga de arte na filosofia ocidental, a de imitação, pretende subordinar a arte à natureza ou à realidade em geral. Platão insiste na passividade da imitação artística: o pintor só faz reproduzir a aparência do objeto construído pelo artesão (Rep., 598 b); o poeta só faz copiar a aparência dos homens e de suas atividades, sem aperceber-se realmente das coisas que imita e sem a capacidade de realizá-las (Ibid., 599 b). Para Aristóteles, o valor da arte deriva do valor do objeto imitado: p. ex., devem pertencer ao objeto que a tragédia imita, ou seja, ao mito, os caracteres que asseguram a produção da boa tragédia. “Assim como para serem belos os corpos dos seres.vivos devem ter uma grandeza que, em seu conjunto, possa ser facilmente abarcada pelo olhar, também o mito deve ter uma extensão que possa ser facilmente abarcada, em seu conjunto, pela mente” (Poet., VII, 1451 a 2). Desse ponto de vista, ao artista cabe, quando muito, o mérito da escolha oportuna do objeto imitado, mas, uma vez escolhido o objeto, não pode fazer mais do que reproduzi-lo em suas características próprias. Pouco importa se o objeto imitado é uma coisa natural ou uma entidade transcendente ou inteligível: a passividade da imitação permanece. Assim Sêneca diz que, quando o artista mantém o olhar voltado para um exemplar concebido por ele mesmo, esse exemplar na realidade está contido na mente divina (Ep., 65), isto é, não é criado. Do mesmo modo, observa Plotino: “Se alguém despreza as artes porque só fazem imitar as coisas naturais, é preciso dizer, em primeiro lugar, que as mesmas coisas naturais imitam outras coisas e, em segundo lugar, é preciso saber que as artes não imitam diretamente os objetos visíveis, mas contemplam as regiões de que estes provêm e, assim, são capazes de fazer muitas coisas por sua própria conta e de acrescentar o que falta às coisas naturais” (Enn., V, 8, 2). Assim, segundo Plotino, o que a arte acrescenta à natureza é por ela haurida da realidade superior (inteligível) para a qual tem voltado o olhar.
Hoje a teoria da imitação é defendida e praticada pelos partidários do realismo na arte, sobretudo nos países comunistas e em quem se inspira na ideologia comunista. Mas muitas vezes a interpretação que se faz da imitação elimina exatamente o caráter passivo que a caracterizava na formulação clássica. Assim, Lukács, que define a arte como “reflexo da realidade”, entende que essa realidade é resultado da interação entre natureza e homem, interação mediada pelo trabalho e pela sociedade, em seu momento histórico. Por isso, vê na arte “o modo de expressão mais adequado e mais elevado da autoconsciência da humanidade” (Ästhetik 1, 1963, cap. VII, § III, trad. it., p. 575). Desse ponto de vista, a imitação não se distingue da criação.
b) O conceito de arte como criação é peculiar ao romantismo e foi posto em prática por Schelling. “É fácil entender no que o produto estética se distingue do produto de artesanato comum, porque toda criação estética é, em princípio, absolutamente livre, porquanto o artista só pode ser impelido a ela por uma contradição que se ache na parte mais elevada da sua natureza, ao passo que qualquer outra criação é ocasionada por uma contradição exterior a quem cria e tem, por isso, objetivo fora de si” (System, cit., VI, § 2). Para Schelling, a arte é a mesma atividade criadora do Absoluto porque o mundo é um “poema” (Ibid., VI, § 3) e a arte humana é uma continuação, especialmente através do gênio, da atividade criadora de Deus. Esse conceito foi retomado por Fichte nas obras do segundo período, Caracteres do tempo presente (1806), Essência do sábio (1805) e Destinação do sábio (1811) (cf. Pareysol, L’estética dell’idealismo tedesco, 1950, pp. 388 ss.). Como se vê, a tese romântica da arte como criação compõe-se de duas teses diferentes: I, a arte é originalidade absoluta e os seus produtos não são referíveis à realidade natural; II, como originalidade absoluta, a arte é parte (continuação ou manifestação) da atividade criadora de Deus. Fo ram essas as teses fundamentais de Hegel em Lições de estética: “Poder-se-ia imaginar que o artista recolhe no mundo exterior as melhores formas e as reúne, ou que faz uma escolha de fisionomias, situações, etc, para encontrar as formas mais adaptadas ao seu conteúdo. Mas quando assim recolhe e escolhe ainda não fez nada, pois o artista deve ser criador e, em sua fantasia, com o conhecimento das formas verdadeiras, com sentido profundo e sensibilidade viva, deve formar e exprimir o significado que o inspira de modo espontâneo e com ímpeto” (Vorlesungen über die Ästhetik, ed. Glockner, I, p. 240). Por outro lado, justamente por esse seu caráter de criação, a arte pertence à esfera do Espírito absoluto e, ao lado da religião e da filosofia, é uma das suas manifestações ou realizações no mundo. “A arte”, diz Hegel, “por ocupar-se do verdadeiro como objeto absoluto da consciência, pertence à esfera absoluta do espírito e graças a seu conteúdo situa-se no mesmo plano da religião e da filosofia. Pois também a filosofia não tem outro objeto a não ser Deus e é assim essencialmente uma teologia racional e um perpétuo culto divino a serviço da verdade” (Ibid., I, pp. 147-48). Nesse aspecto, Croce praticamente só fez repetir a doutrina de Hegel. “Como posição e resolução de problemas (da fantasia ou estéticos), a arte não reproduz nada de existente, mas produz sempre algo de novo, forma uma nova situação espiritual e, portanto, não é imitação, mas criação. Do mesmo modo, criação é pensamento que também consiste em posição e resolução de problemas (lógicos, filosóficos ou especulativos, como se preferir chamá-los), e nunca em reprodução de objetos ou de ideias” (Nuovi saggi di estética, 1920, p. 156). No mesmo sentido, Gentile escreveu: “É difícil renunciar a ver no artista um espírito criador livre. O pensamento comum encontra dificuldade em aperceber-se claramente dessa criatividade do homem, mas, embora obscura, essa ideia do artista que cria um mundo seu está profundamente arraigada em todo homem que se aproxima da obra de arte” (Fil. dell’arte, 1931, 11, S 4). No âmbito da concepção romântica de arte, o princípio de arte como criação aparece como verdade evidente.
O corolário principal dessa concepção é a pouca importância atribuída aos meios técnicos de expressão e a insistência na natureza “espiritual”, consciencial da arte. A esse respeito Hegel dizia: “A obra de arte só superficialmente tem a aparência da vida, pois no fundo é pedra, madeira, tela ou, no caso da poesia, letras e palavras. Mas esse aspecto da existência externa não é o que constitui a obra de arte; esta tem origem no espírito, pertence ao domínio do espírito, recebeu o batismo do espírito e exprime tão-somente o que se formou sob a inspiração do espírito” (Vorlesungen über die Ästhetik, ed. Glockner, I, p. 55). Croce, por sua vez, confinou a técnica expressiva da arte ao domínio da “prática” e considerou-a como simples expediente de comunicação: “O artista, que deixamos a vibrar em imagens expressas que prorrompem, por infinitos canais, de todo o seu ser, é homem integral e, portanto, também homem prático; como tal, está atento aos meios que evitem a dispersão dos resultados de seu trabalho espiritual, ao mesmo tempo que possibilitam e facilitam a reprodução de suas imagens para ele e para os outros; por isso, realiza atos práticos que servem à obra de reprodução. Esses atos, como todo ato prático, são guiados por conhecimentos e por isso são chamados de técnicos-, e, por serem práticos, distinguem-se da intuição, que é teórica, e parecem exteriores a esta, sendo então chamados de físicos, e, quanto mais são fixados e abstraídos pelo intelecto, mais facilmente são assim designados” (Breviario di estética, em Nuovi saggi di estética, II, pp. 39-40). E Gentile confirmava: “Admitindo-se que o elemento estético consiste na subjetividade sentimental que conforma um pensamento, a representação na qual esse pensamento se desenvolve e atua refere-se unicamente aos meios técnicos de expressão. Alfieri é o mesmo poeta nos sonetos e nas tragédias, etc.” (EU. dell’arte, VII, § 8).
c) Tem-se o conceito de arte como construção quando não se considera a atividade estética como receptividade ou criatividade puras, mas como um encontro entre a natureza e o homem ou como um produto complexo em que a obra do homem se acrescenta à da natureza sem destruí-la. Esse foi o conceito de arte de Kant, que concebeu a atividade estética como uma forma de juízo reflexivo, ou seja, uma das formas da faculdade que leva a ver a subordinação das leis naturais à liberdade humana ou o finalismo da natureza em relação ao homem. Para Kant, o finalismo da natureza não é “um conceito da natureza” nem “um conceito da liberdade”, ou seja, não pertence só à natureza nem só ao homem, mas ao encontro entre a natureza e o homem, pelo fato de que é na natureza que o homem deve realizar seus fins, experimentando um sentimento de prazer (libertação de uma necessidade) quando essa realização lhe aparece possível, quando a natureza se mostra capaz de servir aos fins humanos (Crít. do Juízo, Intr., V). No mesmo conceito de atividade estética, Kant incluía assim o de encontro entre o mecanismo natural e a liberdade humana: encontro no qual a arte não prescinde da natureza, mas a subordina a si, e o homem frui dessa subordinação como de
uma necessidade aplacada. O conceito pelo qual Kant exprimiu com mais frequência o caráter construtivo (nem imitativo nem criativo) da arte foi a atividade lúdica. Como atividade liberal ou não mercenária, a arte é “um simples divertimento, ou seja, uma ocupação de per si agradável, que não necessita de outro objetivo” (Ibid., § 43). Depois, a noção de atividade lúdica foi empregada para definir algumas artes em particular, especialmente a eloquência, a poesia e a música (Ibid., § 51). Tem esse mesmo significado o conceito de atividade lúdica na doutrina de Schiller. O homem, sendo ao mesmo tempo natureza e razão, é dominado por duas tendências contrastantes: a tendência material e a tendência formal; essas tendências são conciliadas pela tendência ao divertimento, que visa realizar a forma viva, isto é, a beleza (Über die ästhetische Erziehung des Menschen, 1793-95, XV; trad. it., p. 71). A tendência à atividade lúdica harmoniza a liberdade humana com a necessidade natural. “Com liberdade ilimitada”, diz Schiller, “o homem pode reunir as coisas que a natureza separou e pode separar as que a natureza uniu… Mas só tem esse direito de soberania no mundo das aparências, no reino irreal da imaginação e só enquanto se abstém escrupulosamente de afirmar sua existência no campo da teoria e de querer produzir sua existência efetiva” (Ibid., XXVI, p. 134).
Portanto, a aparência estética (ou atividade lúdica) é o domínio em que o homem e a natureza colaboram, a natureza limitando e condicionando a liberdade humana e esta, por sua vez, compondo e unificando os dados naturais. Esse é o conceito construtivo, que não deixou de aparecer esporadicamente mesmo na estética romântica do séc. XIX. O mais volumoso (senão o maior) tratado sobre essa estética, estética ou ciência do belo (1846-57) de F. T. Vischer, apesar de aceitar a Ideia hegeliana, isto é, a Razão autoconsciente como princípio do mundo da arte, dizia que a Ideia estava em luta incessante contra obstáculos e influências que Vischer chamava de “reino do acaso”. Segundo Vischer, toda a vida do espírito é “a história da anulação e da assimilação do acaso” (Ästhetik oder Wissenschaft des Schönen, § 41), mas é só na beleza que o acaso não é destruído, mas assimilado e organizado. Isso equivalia a ver na arte não uma obra de criação, como a concebera Hegel, mas de construção condicionada.
Na estética contemporânea, predomina o conceito de arte como construção. Foi explicitamente defendido por Valéry, que, com base nele, afirmou a excelência da arquitetura sobre todas as outras artes. “Aquele que constrói ou cria”, escreveu Valéry, “comprometido que está com o restante do mundo e com o movimento da natureza, que tendem perpetuamente a dissolver, a corromper ou a derrubar o que ele faz, deve entrever um terceiro princípio que ele tenta comunicar às suas obras, e que exprime a resistência que ele deseja opor, por meio dele, ao seu destino de ser mortal. Cria, em suma, a solidez e a duração” (Eupalinos, trad. it., p. 142). O mesmo conceito encontra-se repetido de várias formas nas considerações estéticas de muitos poetas contemporâneos (v. poesia) e é expresso por Dewey na forma mais apropriada de colaboração ou oposição entre fazer e receber: “A arte, em sua forma, associa numa mesma relação o fazer e o receber, a energia que sai e entra, que faz com que uma experiência seja experiência. O produto é a obra de arte estética, graças à eliminação de tudo o que não contribui para a organização mútua dos fatores da ação e da recepção e graças à seleção dos aspectos e das características que contribuem para a sua interpretação” (Art as Experience, 1934, cap. III; trad. it., p. 60). L. Pareyson, ao estudar a formação da obra de arte e ao propor a sua teoria, delineou os caracteres da construção artística. “Fazer, inventando ao mesmo tempo o modo de fazer; considerar a realização bem-sucedida como critério em si mesma; produzir a obra inventando suas próprias normas; fazer que a invenção coincida com a produção, a ideação com a realização, a concepção com a execução; agir de tal modo que a obra de arte seja ao mesmo tempo a lei e o resultado de sua própria formação, são essas as muitas expressões equivalentes para designar o processo de formação da arte e para indicar a coincidência entre ensaio e organização no processo artístico” (Estética, 1954, p. 126). A tese fundamental dessa concepção de arte é a identidade entre produção artística e técnica, assim como a distinção radical entre técnica e produção é a tese característica da concepção de arte como criação. A chamada arte abstrata, que, mais do que as outras, insiste na identidade entre técnica e produção é, em seu conjunto, uma manifestação desse modo de entender a arte.
2) O segundo problema fundamental da estética é o da relação entre a arte e o homem, ou seja, da situação ou posição da arte no sistema de faculdades ou categorias espirituais. Podem-se distinguir a respeito três concepções fundamentais:
A) a que considera a arte como conhecimento;
B) a que a considera como atividade prática; C) a que a considera como sensibilidade. A) A concepção da arte como conhecimento parece ser sugerida pela doutrina de Aristóteles, ainda que este tenha explicitamente atribuído a arte à esfera da atividade prática, como veremos. Mas ele observa que a arte tem origem na tendência à imitação, que é um aspecto do desejo de conhecer (Poet., TV, 1448b 5), afirmando sobre a poesia, em uma passagem célebre, que ela é mais filosófica do que a história (Ibid., 9, 1451 b 5), o que parece querer dizer que ela tem maior valor teorético do que a história por estar mais próxima da primeira ciência teorética. Mas foi sobretudo o romantismo que insistiu no valor cognitivo da arte, vendo nela (Schelling) “o órgão geral da filosofia”, porquanto a arte permite apreender a “identidade entre a atividade consciente e a inconsciente”, que é Deus ou o Absoluto (System, cit., VI, 1). Hegel atribuía à arte um grau a menos, situando-a abaixo da filosofia e da religião, mas reafirmava seu valor teórico ao incluí-la na esfera do “Espírito absoluto”, que é o mais alto conhecimento (ou “autoconsciência”) que o Absoluto pode alcançar de si mesmo (Enc., § 556). A estética de Croce e todas as que a tomam por modelo adotam essa inclusão. Desde a primeira formulação de sua doutrina, Croce insistiu na definição da arte como primeiro grau do conhecimento, ou seja, como “conhecimento intuitivo ou do particular” (estética, 1902, cap. I). E sempre insistiu na tese de que a arte é “uma teorese, um conhecer”, que religa o particular ao universal e portanto tem sempre a marca da universalidade e da totalidade (La poesia, 1936). Essa mesma tese também é o pressuposto da estética de Gentile, em que a definição da arte como sentimento significa apenas a redução da arte a pensamento “inatual”, ou seja, que ainda não se realizou em um objeto (La filosofia dell’arte, 1931, cap. IV). Mesmo a doutrina bergsoniana da arte, formulada a propósito da função da comicidade, reduz a arte à intuição, que é o órgão do conhecimento filosófico (Le rire, 1908, p. 160). Finalmente, a corrente crítica que, em artes plásticas, foi chamada de corrente da “visibilidade pura”, por ver nas formas e nos graus das artes plásticas formas e graus da visão, algumas vezes adotou essa noção da arte como conhecimento. Assim, p. ex., K. Fiedler disse: “Só a verdade e o conhecimento parecem ser ocupações dignas do homem, e se quisermos dar à arte um lugar entre as mais elevadas tendências do espírito será preciso indicar como objetivo seu apenas o impulso para a verdade, o impulso para o conhecimento” (Aphorismen, em Schriften über Kunst, 1914, II, 8, pp. 147 ss.).
B) A inclusão da arte na esfera da atividade prática é a tese explícita de Aristóteles. Dada a grande divisão entre ciências teoréticas ou cognoscitivas, que têm por objeto o necessário, e ciências praticas, que têm por objeto o possível, para Aristóteles a arte pertence ao domínio prático e constitui o objeto da poética, ou seja, da ciência da produção, enquanto a outra subdivisão da prática é a ciência da ação (Et. Nic, VI, 4, 1140 a 1). Não obstante a forte influência de Aristóteles (ou talvez porque essa influência tenha sido anulada pela outra a que já nos referimos), a concepção da arte como atividade prática raramente voltou na história da estética. Pode ser incluída nesse tópico a concepção da arte como atividade lúdica, exposta pela primeira vez por H. Spencer, que considerou a arte como uma atividade que se desvinculou de sua finalidade de adestramento biológico e tornou-se fim em sisi mesmo (Principies of Psychology, 1855, §§ 535-36). Com algumas variantes, essa teoria foi retomada por K. Groos, que associou a arte à “experiência sensorial lúdica” (Spiele des Menschen, 1889), mas foi sobretudo Nietzsche quem insistiu no caráter prático da arte, vendo nela uma manifestação da vontade de potência. Segundo Nietzsche, a arte está condicionada por um sentimento de força e de plenitude como o que se verifica na embriaguez. A beleza é a expressão de uma vontade vitoriosa, de uma coordenação mais intensa, de uma harmonia de todas as vontades violentas, de um equilíbrio perpendicular infalível: “A arte corresponde aos estados de vigor animal. É, por um lado, um excesso de constituição vigorosa que transborda para o mundo das imagens e dos desejos; por outro, é a excitação das funções animais, por meio das imagens e dos desejos de uma vida intensa; é a exaltação do sentimento da vida e um estimulante à vida” (Wille zur Macht, ed. 1901, § 361). É essencial à arte a perfeição do ser, o encaminhamento do ser para a plenitude; a arte é essencialmente a afirmação, a divinização da existência. O estado apolíneo nada mais é que a resultante extrema da embriaguez dionisíaca: é o repouso de certas sensações extremas de embriaguez.
C) A inclusão da arte na esfera da sensibilidade é uma tese platônica que reaparece no séc. XVIII com inversão de sinal. Platão confinara a arte à esfera da aparência sensível e a caracterizara pela recusa de sair dessa esfera com o uso do cálculo e da medida (Rep. X, 602 c-d). Mas no séc. XVIII, a noção de arte como sensibilidade não é mais diminuição ou condenação: a arte aparece como a perfeição da sensibilidade. O nascimento e a elaboração do conceito de gosto, paralelamente ao nascimento e à elaboração da categoria sentimento condiciona a nova apreciação da esfera da sensibilidade, própria da filosofia dos setecentistas, e a inclusão das artes nessa esfera. Baumgarten achava que “o objetivo da estética é a perfeição do conhecimento sensível enquanto tal” e que essa perfeição é a beleza (Aesthetica, 1750-58, § 14). É bem verdade que ele considerava as representações estética como representações claras, mas confusas, e assim estabelecia uma diferença só de grau entre estas e as representações racionais (que são claras e distintas): o que, como Kant deveria observar frequentemente, não é uma distinção suficiente entre sensibilidade e inteligência (Crít. R. Pura, § 8; cf. Crít. do juízo, Intr., § III). Mas é também verdade que, muito embora com conceitos imperfeitos, Baumgarten tinha em mira reivindicar a autonomia da esfera sensível. Vico incluía a poesia nessa esfera, em oposição a tudo o que “sobre a origem da poesia se disse, primeiro por Platão, depois por Aristóteles, até os nossos Patrizi, Scaligeri, Castelvetri” (Sc. nuova, 1744, II, Delia metafísica poética). Segundo Vico, a tese desses autores era da poesia como “sabedoria oculta”, ou seja, “metafísica raciocinada e abstraída”, ao passo que a tese de Vico era de que a poesia fora metafísica “sentida e imaginada”, tal como podia ocorrer em homens “que eram de nulo raciocínio, mas de sentidos robustos e vigorosíssimas fantasias” (Ibid., 1744, II, Delia metafísica poética). Ora, segundo Vico, metafísica (isto é, conhecimento) e poesia opõem-se totalmente: aquela purifica a mente dos preconceitos da infância, esta neles imerge e derrama a mente; aquela resiste ao juízo dos sentidos, esta faz deles a sua norma principal; aquela debilita a fantasia, esta a requer robusta; enfim, aquela só confere pensamentos abstratos e isentos de paixão, esta só confere pensamentos concretos e corpulentos, que movem com extraordinária violência os espíritos humanos (Sc. nuova prima, 1725, III, 26, em Opere, ed. Ferrari, IV, p. 227). A fantasia, que é o órgão da poesia, é definida por Vico como a faculdade que “altera e contrafaz” as coisas (Sc. nuova, 1744, III, Dell’inarrivabile facoltà poética d’Omero); em geral, a fantasia é tanto mais robusta quanto mais débil o raciocínio (Ibid., I, Elementi, 36). Com Kant, oficializava-se o nascimento da “faculdade do sentimento” e a tal faculdade atribuía-se o juízo estética, procurando-se determinar, por conseguinte, os seus caracteres (Crít. do Juízo, Intr., § III). Na estética contemporânea, foi a essa faculdade que se atribuiu arte com mais frequência. Segundo Santayana, “a beleza é um prazer considerado como a qualidade de uma coisa”, sendo por isso sempre “uma emoção, um afeto da nossa natureza volitiva e valorativa” (The Sense of Beauty, 1896, § 11). Para Dewey, igualmente, a arte é “uma forma de sentimento” (Art as Experience, 1934, cap. IV).
3) O terceiro ponto de vista do qual se podem considerar as teorias estéticas é o da função atribuída à arte. Todas as teorias incidem em dois grupos fundamentais, que consideram a arte a) como educação ou b) como expressão. Como educação, a arte é instrumental; como expressão, é final.
a) A teoria da arte como educação é muitíssimo mais antiga e mais difundida. Platão condenou a arte imitativa por reputá-la não-educativa e, mais, antieducativa (Rep., X, 605 a-c), mas aceitou e defendeu as formas artísticas nas quais entreviu instrumentos educacionais úteis (Ibid., III, 395 c). Aristóteles afirmava que “a música não deve ser praticada só por um tipo de benefício que dela possa derivar, mas por usos múltiplos, já que pode servir à educação, à catarse e, em terceiro lugar, ao repouso, ao soerguimento da alma e à suspensão dos afazeres” (Pol., VIII, 7, 1341 b, 35). O que ele diz sobre a música obviamente vale para todas as artes; igualmente, a catarse e o divertimento são procedimentos educativos. O conceito da arte como educação persistiu por toda a Idade Média e não foi sensivelmente alterado ou inovado pelas discussões estéticas do Renascimento. A tônica no caráter catãrtico da arte nada mais é que a ênfase em sua instru-mentalidade educativa. Disso nem Vico duvidava, ao insistir nos “três trabalhos que a grande poesia deve realizar, quais sejam, encontrar fábulas sublimes condizentes com o entendimento popular e que o perturbe ao extremo, para atingir o fim a que se propõe, que é ensinar o vulgo a agir virtuosamente, assim como eles [os poetas] ensinaram a si mesmos” (Sc. nuova, II, Della metafísica poética). Esse é ainda o ponto de vista tradicional, para o qual a arte é um instrumento de aperfeiçoamento moral. Mas a própria teoria da arte como conhecimento pertence ao âmbito da concepção instrumental ou educativa da arte. Hegel expressou-a com toda a clareza possível. Procurando determinar o objetivo da arte na introdução de Lições de estética, ele elimina as teorias para as quais a finalidade da arte é a imitação, a expressão (neste caso, seria verdadeira a fórmula da arte pela arte) ou o aperfeiçoamento moral, para insistir no seguinte: a finalidade da arte é a educação para a verdade através da forma sensível que esta reveste na arte, e o aperfeiçoamento moral é uma consequência inevitável da educação teórica. “É preciso admitir”, diz Hegel, “que a arte deve revelar a verdade na forma da representação sensível, que deve representar a oposição reconciliada [entre forma sensível e conteúdo de verdade] e que, portanto, tem objetivo em si mesma, nessa representação e manifestação” (Vorlesungen über Ästhetik, ed. Glockner, I, p. 89). Mas a educação na verdade nada mais é que educação moral, e para Hegel a tarefa da arte é produzir a morte da arte, ou seja, passar para as formas superiores de revelação da Verdade absoluta, que são a religião e a filosofia (Ibid., III, pp. 579 ss.). Com certa atenuação ou confusão, esse ponto de vista foi repetido por Croce, que reconhece que o conhecimento estética se conserva no conhecimento filosófico assim como na arte se conserva a exigência moral ou a consciência do dever (Breviario di Estética, III). Às teorias que veem na arte um instrumento educativo com vistas à moral e ao conhecimento ultimamente se somaram as que nela veem um instrumento de educação política. Essas são as doutrinas que falam do engajamento político em arte e que exigem do artista uma orientação política precisa, uma obra harmonizada com as classes ou os grupos sociais majoritários menos favorecidos (ou com os partidos que os representam ou pretendem representá-los), que os ajude no esforço de libertação e, portanto, de conquista e de conservação do poder político. Do ponto de vista filosófico essa tese, própria das doutrinas estéticas inspiradas na ideologia comunista, não é mais absurda que as doutrinas tradicionais que estabelecem como tarefa da arte a educação moral ou cognoscitiva. É verdade que a política tem exigências mais mutáveis e mais arbitrárias que a moral ou o conhecimento: desse modo, o engajamento político apresenta o risco de limitar de modo muito mais drástico que o engajamento moral ou cognoscitivo as direções em que podem ser realizadas ou desenvolvidas as experiências artísticas e, portanto, bloquear antecipadamente experiências que poderiam mostrar-se fecundas. Mas a autonomia, ou seja, o caráter final e não instrumental da arte, tampouco é garantida pela doutrina que vê na arte um engajamento cognoscitivo ou moral.
b) A teoria da expressão consiste em ver na arte uma forma final das vivências, das atividades ou, em geral, das atitudes humanas (v. expressão). O que caracteriza a atitude expressiva é apresentar como fim aquilo que para outras atitudes vale como meio. P. ex., ver, que é um meio para orientar-se no mundo e para utilizar as coisas, torna-se um fim em arte, de tal modo que o pintor outra coisa não quer senão ver e fazer ver. Por isso, também se diz que a expressão aclara e transporta para outro plano o mundo comum da vida: as emoções, as necessidades e também as ideias ou os conceitos que dirigem a existência humana. Dewey disse: “A emoção que foi elaborada por Tennyson, na composição In memoriam, não era idêntica ao sentimento de dor que se manifesta no pranto e no abatimento: a primeira é um ato de expressão, a segunda de desabafo. Todavia, é evidente a continuidade das duas noções, ou seja, o fato de a emoção estética ser a emoção originária, transformada através do material objetivo ao qual foi confiado o seu desenvolvimento e a sua realização” (Art as Experience, 1934, cap. IV; trad. it., pp. 94-95). Deste ponto de vista, a arte não é natureza, mas, como diz Dewey, “natureza transformada pelo seu ingresso em novas relações” (Ibid., 1934, cap. IV; trad. it., pp. 94-95), ou, como ainda se poderia dizer, retorno à natureza. E não causa estranheza se, frequentemente, do Renascimento ao impressionismo, o retorno à natureza serviu para renovar profundamente e com êxito o estilo e o gosto da arte.
A concepção da arte como expressão talvez se disfarce nas afirmações de quem insiste no caráter teórico ou contemplativo da arte, mas é mal disfarçada quando (como faz Croce, Breviario di Estética, III) se ironiza ao mesmo tempo sobre a fórmula da arte pela arte, que é a melhor definição do caráter expressivo da arte. Nessa fórmula insistiram poetas e artistas modernos, que dela se valeram para defender a arte das tentativas de escravização ou manipulação para fins que acarretariam a sua completa subordinação e lhe tolheriam toda liberdade de movimento. Os textos correspondentes estão citados no verbete “poesia”. A fórmula que defendem deve ser considerada ainda hoje a melhor, a mais eficiente defesa da atividade estética e das condições da sua fecundidade. De fato, porque essa atividade, como qualquer outra, ocorre por tentativa, e bem pouco se pode dizer antecipadamente sobre o valor de uma tentativa, prescrever algumas e proscrever outras, em nome de uma função moral, cognoscitiva ou política da arte, significaria aumentar enormemente o risco de insucesso, já que nada garante que a tentativa mais promissora não esteja entre as eliminadas ou condenadas antecipadamente. O caráter expressivo da arte também significa que as possibilidades de ver, contemplar e fruir que a arte realiza, as novas aberturas para o mundo que ela revela, quando expressas na obra, estão à disposição de qualquer um que tenha condições de entender a obra. A expressão é, por natureza, sua comunicação. A capacidade de julgar as obras de arte de certo estilo chama-se gosto, e o gosto tende a difundir-se e a tornar-se uniforme em determinados períodos ou em determinados grupos de indivíduos. Mas, sem dúvida, as possibilidades comunicativas de uma obra de arte bem realizada são praticamente ilimitadas e também relativamente independentes do gosto dominante. Isso significa que nem todos verão a mesma coisa numa obra de arte, ou que nem todos vão fruí-la do mesmo modo. As respostas individuais diante dela podem ser inumeráveis e apresentar ou não uniformidade de gostos. Mas o importante não é essa uniformidade, mas a possibilidade que se abre a novas interpretações, a novos modos de fruir a obra. Aqueles que fruem uma mesma obra de arte (p. ex., os ouvintes de Beethoven) não são como os membros de uma seita ou os adeptos de uma mesma crença. Constituem, todavia, uma comunidade vinculada por um interesse comum e aberta no tempo e no espaço. [Abbagnano]